sábado, agosto 14, 2010
Nolan, Tarantino e Tirard
O God! can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
Nos versos de Edgar Allan Poe (1809-1849), a ideia de um sonho dentro de um sonho já havia sido magistralmente explorada. Quase duzentos anos depois, Christopher Nolan retoma a premissa. Pena que em vez de um sublime poema de 24 versos agora o produto é um pedante e pseudointelectual filme de duas horas e meia. Na primeira camada onírica, o diretor Christopher Nolan (o cara responsável primeiro por Amnésia e depois por Insônia) sonhou que tinha cacife e talento para transformar um roteiro delirante num blockbuster. Na segunda camada, concluiu que Hollywood era um deserto de ideias ávido pela incrível originalidade oriunda de suas pequenas células cinzentas. Na terceira, entrou numas que podia conseguir os melhores efeitos, o melhor elenco, a melhor direção de arte, enfim, tudo que a indústria tem de melhor para transformar seu sonho delirante em realidade. E o mais incrível é que tanto a primeira quanto a terceira camadas estavam rigorosamente exatas. Quanto à segunda, bem, fica por conta da opinião pessoal de cada um. A sensação que tive ao assistir A origem foi a de ser engolfado por um ruidoso (e impiedoso) tsunami de supostas genialidades. Mescla perfeita de histeria e pretensão.
Qual o antídoto ideal para uma película intelectualoide? À prova de morte, o trash assinado por Quentin Tarantino, cineasta defensor da violência como modo de entrar em sintonia com a plateia. E violência em doses generosas é o ingrediente principal deste filme realizado no projeto Grindhouse, que imita as matinés da década de 70, em que os cinemas passavam dois ou mais filmes encordoados pelo preço de um só ingresso. No caso o filme que faria a dobradinha com a película tarantinesca é Planeta Terror, de Robert Rodriguez (ver texto neste blog). O modelo, no entanto, não vingou no circuito comercial, e os filmes foram lançados em separado, com metragem extra. Diferentemente de Planeta Terror, À prova de morte não é protagonizado por zumbis e matadores de zumbis, e sim por um dublê psicopata (Kurt Russel) e uma dublê nem tão psicopata, mas não menos maluca (a neozelandesa Zoe Bell, interpretando a si mesma). O resultado são diálogos impagáveis e cenas de carro que nos remetem às clássicas cenas de Bullit (1968). Como se vê, À prova de morte não rende homenagem apenas aos filmes "B".
Para completar a trinca de boas pedidas cinematográficas em cartaz nos cines de Porto Alegre, a comédia O pequeno Nicolau, baseada na obra de René Goscinny e dirigida por Laurent Tirard (de As aventuras de Molière). O universo de Nicolau envolve o pai ansioso por ser promovido na empresa e a mãe frustrada por não saber dirigir. Na escola, colegas dos mais variados tipos: o puxa-saco, o glutão, o lerdo e o riquinho, entre outros estereótipos. A exemplo de Tarantino, Tirard não quer tirar coelhos da cartola para fazer um bom filme. O pequeno Nicolau é a antítese completa de A origem. Enquanto o filme de Nolan pomposamente procura ser surpreendente e original, o que torna O pequeno Nicolau agradável é justamente a discreta maneira de mostrar o humor por trás das situações prosaicas.