terça-feira, janeiro 30, 2007

Apocalypto


Vivendo uma aparente tranquilidade na jangal mesoamericana, indo à caça na companhia do pai e de outros guerreiros, brincando com o filho, fazendo amor com a mulher grávida, Jaguar Paw (o ator de etnia comanche Rudy Youngblood, em seu papel de estreia) vai sentir uma das piores sensações humanas: ter o lar invadido por pessoas cujo modo de vida é a depredação, o prazer em destruir o trabalho alheio; pessoas cuja principal atividade é a usurpação, o incêndio. Vai lembrar o conselho recebido do pai em uma caçada: "não deixe o medo te paralisar, não foi para viver com medo que eu te criei".

 












Apocalypto (2006) acompanha esse jovem caçador a um mundo desconhecido, numa jornada de estoicismo, têmpera e resistência. Uma jornada contra o medo. Podem dizer o que quiserem do diretor Mel Gibson (ator de dois de meus filmes preferidos, da fase australiana de Peter Weir: Gallipoli e O ano em que vivemos em perigo), mas não podem acusá-lo de esquecer os detalhes de produção. Apesar do elenco ser multinacional, com atores de diferentes línguas nativas, o filme é todo em Yucatec Maya, língua hoje falada pelos descendentes maias da Península de Yucatan, no México. O elenco teve cinco semanas de aula com falantes nativos do Yucatec e recebeu gravações em MP3 com a pronúncia exata de suas falas, e durante as filmagens contou com a presença de instrutores para garantir a inflexão correta. Antes de tecer intertexto com o livro "Armas, germes e aço", de Jared Diamond, que investiga a relação entre povos não europeus e europeus, Apocalypto revela os pontos de ruptura da civilização maia – evoluída em muitos aspectos, primitiva em outros – e os contrastes entre a vida de uma tribo de coletores-caçadores e a atribulação da urbe maia. Sim, há momentos de violência e de pavor. Em certa altura, o espectador chega a pensar "que situação...". Ou seja: as perspectivas, quando ruins, podem ficar ainda piores. Para Mel Gibson, porém, Apocalypto é um filme sobre a esperança em um novo começo. Jaguar Paw e sua excruciante aventura podem muito bem simbolizar a frase "A esperança é a última que morre". Uma ressalva: posso estar enganado, mas me parece que Apocalypto é um filme não recomendável a seres de estômago delicado, que não suportam ver um mero coração arrancado ainda batendo do peito da vítima no altar de sacrifício.

Um comentário:

  1. Apocalypto faz pensar na tese defendida por alguns historiadores de que uma civilização só é passível de dominação qd já está internamente desestruturada. Nesse sentido, o filme retrata a decadência da civilização Maia antes mesmo da chegada dos espanhóis (e o processo de dominação empreendido por estes). Ainda assim, há controvérsias! É pra pensar...
    Márcia
    Ps: que bom q voltou à ativa!

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