Vivendo uma aparente tranquilidade na jangal mesoamericana, indo à caça na companhia do pai e de outros guerreiros, brincando com o filho, fazendo amor com a mulher grávida, Jaguar Paw (o ator de etnia comanche Rudy Youngblood, em seu papel de estreia) vai sentir uma das piores sensações humanas: ter o lar invadido por pessoas cujo modo de vida é a depredação, o prazer em destruir o trabalho alheio; pessoas cuja principal atividade é a usurpação, o incêndio. Vai lembrar o conselho recebido do pai em uma caçada: "não deixe o medo te paralisar, não foi para viver com medo que eu te criei".
Apocalypto (2006) acompanha esse jovem caçador a um mundo desconhecido, numa jornada de estoicismo, têmpera e resistência. Uma jornada contra o medo.
Podem dizer o que quiserem do diretor Mel Gibson (ator de dois de meus filmes preferidos, da fase australiana de Peter Weir: Gallipoli e O ano em que vivemos em perigo), mas não podem acusá-lo de esquecer os detalhes de produção. Apesar do elenco ser multinacional, com atores de diferentes línguas nativas, o filme é todo em Yucatec Maya, língua hoje falada pelos descendentes maias da Península de Yucatan, no México. O elenco teve cinco semanas de aula com falantes nativos do Yucatec e recebeu gravações em MP3 com a pronúncia exata de suas falas, e durante as filmagens contou com a presença de instrutores para garantir a inflexão correta.
Antes de tecer intertexto com o livro "Armas, germes e aço", de Jared Diamond, que investiga a relação entre povos não europeus e europeus, Apocalypto revela os pontos de ruptura da civilização maia – evoluída em muitos aspectos, primitiva em outros – e os contrastes entre a vida de uma tribo de coletores-caçadores e a atribulação da urbe maia.
Sim, há momentos de violência e de pavor. Em certa altura, o espectador chega a pensar "que situação...". Ou seja: as perspectivas, quando ruins, podem ficar ainda piores. Para Mel Gibson, porém, Apocalypto é um filme sobre a esperança em um novo começo. Jaguar Paw e sua excruciante aventura podem muito bem simbolizar a frase "A esperança é a última que morre". Uma ressalva: posso estar enganado, mas me parece que Apocalypto é um filme não recomendável a seres de estômago delicado, que não suportam ver um mero coração arrancado ainda batendo do peito da vítima no altar de sacrifício.
Apocalypto faz pensar na tese defendida por alguns historiadores de que uma civilização só é passível de dominação qd já está internamente desestruturada. Nesse sentido, o filme retrata a decadência da civilização Maia antes mesmo da chegada dos espanhóis (e o processo de dominação empreendido por estes). Ainda assim, há controvérsias! É pra pensar...
ResponderExcluirMárcia
Ps: que bom q voltou à ativa!