sexta-feira, fevereiro 21, 2020

Parasita

Parasita, no Brasil, é documentário

Afinal de contas, por que Parasita ganhou a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de Melhor Filme?

Resposta: o filme coloca o dedo na ferida, mostra verdades inconvenientes e desnuda as podridões do ser humano, seja qual for sua classe social.

Em Parasita as diferenças sociais são abordadas para estudar a alma humana, o modo como ela é corrompida, e, nessa análise, ninguém escapa, não fica pedra sobre pedra nas fundações do capitalismo selvagem. 

Parasita foi o terceiro filme de Bong Joon-ho a que eu tive o prazer de assistir. Conhecedor do estilo único do diretor, eu já sabia que o filme não seria previsível e que surpresas aconteceriam no percurso.

Diferentemente do horror de O hospedeiro e da fantasia de Okja, em Parasita o diretor coreano decidiu se concentrar mais no social, uma espécie de "comédia de costumes", em que revela os contrastes de uma sociedade pautada pelas diferenças econômicas e estratos sociais.



Diga-se de passagem: a família coreana que mora num bairro simples e cujas entranhas são mostradas em Parasita me lembrou um pouco a família retratada no filme A Home with a View, produção de Hong Kong, disponível na Netflix.

Claro que o diretor honconguês Herman Yau não aparece nesta lista de influências de Bong Joon-ho (na qual, por sinal, constam os diretores Alfred Hitchcock, John Sturges, John Carpenter, Nicolas Roeg e Wes Anderson), mas os dois filmes retratam famílias asiáticas vivendo em condições relativamente precárias, em contextos relativamente "capitalistas".


Hong Kong e Seul devem ter lá suas semelhanças culturais e sociais, e outro ponto de intersecção é que A Home with a View é uma comédia de humor negro. Se fosse para classificar Parasita, tenho lá minhas dúvidas se não seria esse o gênero mais indicado.

As habitações semissubterrâneas mostradas por Bong Joon-ho em Parasita (e registradas pela reportagem da BBC neste artigo) estabelecem um paradoxal contraste com a residência ampla e moderna da família "abastada", que, por ingenuidade e boa-fé, acaba sendo envolvida pelos meios pouco éticos da família "proletária", que vai conquistando, um a um, os cargos de confiança da família.

Por isso que afirmei lá no começo deste texto que o diretor não deixa pedra sobre pedra. Em seu roteiro vencedor do Oscar, Bong Joon-ho realça os "podres" de "pobres" e "ricos". 

Parasita, de Joon-ho Bong - cena do filme

De um lado, a falta de ética, o desrespeito, o aproveitar-se da confiança alheia. Do outro, o desdém velado, as pequenas humilhações, o inerente ar de superioridade.

Onde - e como - é que tudo isso pode acabar?

É essa pergunta que Boon Joon-ho tenta responder em Parasita

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E eu por acaso me surpreendi com os prêmios que Parasita abiscoitou?

Claro que não!


Quem acompanha este blog, sabe: eu já sabia!

Para quem já conhecia o talento do diretor sul-coreano Bong Joon-ho, não chegou a ser nenhuma surpresa tudo o que aconteceu na festa do Oscar deste ano.

Afinal de contas, desde que meu primogênito (que hoje está com 12 anos) estava na barriga da mãe, a família acompanha a carreira do diretor Bong Joon-ho.

Em 2007 assistimos ao filme O hospedeiro num dos finados cinemas do aeroporto Salgado Filho. Grávida, a minha esposa ficou um pouco impressionada, não era bem o estilo de filme que ela gosta, mas enfim, para o bem ou para o mal, tolerou o meu gosto excêntrico.

Hoje temos o dvd do filme na estante, e o garoto que então estava no útero já pode "rever" o filme.

Recentemente também assistimos a Okja, uma produção Netflix bem ao estilo bizarro de Bong Joon-ho, mesclando elementos fantásticos com crítica social, humor com instantes de ternura.

E entre 2007 e 2017, por onde andou Bong Joon-ho?

Fez um episódio do filme Tokyo, o drama Mother - a busca pela verdade e a ficção Expresso do amanhã.

Ainda não foi possível assistir a esses filmes. Não é exatamente uma tarefa muito fácil manter-se atualizado na carreira de um diretor cujos filmes estão fora do mainstream, não passaram no circuito comercial, não foram lançados em vídeo e estão fora do catálogo da Netflix.

Quiçá agora essas lacunas sejam preenchidas e um cinéfilo que mora no interior possa num clique comprar ou ter acesso a essas obras da enxuta, porém especial filmografia de Bong Joon-ho.

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terça-feira, fevereiro 11, 2020

Democracia em vertigem

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Eu entendo Petra Costa. 

Saudades do Orkut.

O que uma coisa tem a ver com a outra?

Explico. Eu participava de uma comunidade no Orkut chamada "Eu entendo David Lynch".

Algum pândego poderia comentar de passagem: "Claro que é bem mais fácil entender Petra Costa do que entender David Lynch".

Mas, enfim, e seja como for, eu entendo Petra Costa.


Ela elegeu Lula em sua primeira vez como eleitora e viveu momentos de euforia e de esperança.

Depois foi acompanhando as mudanças no país que culminaram com os fatos cujos bastidores ela tão bem mostra em seu bem realizado filme.


Democracia em vertigem é um filme sobre a desilusão. A melancolia. 

A voz de tristeza com que Petra narra o filme é de partir o coração.

Não escrevo com ironia.

É o que eu penso mesmo.

Em essência, ela é uma cineasta que transformou sua tristeza com tudo que estava presenciando em um documentário.

O momento mais marcante do filme é a tomada de cima que mostra o ex-presidente antes de se entregar à polícia, sendo carregado pelos braços de uma multidão inconformada e inconsolável.



Basicamente, Democracia em vertigem é o filme de uma mulher que pertence a uma família de mulheres que filmam.

Tanto isso é verdade que o documentário de Petra Costa contém cenas filmadas pela avó e pela mãe dela.

Um instante de curiosidade histórica é justamente a parte em que a montagem inclui cenas de uma Brasília em construção, em takes feitos pela avó de Petra.

É um fato muito relevante um documentário nacional ser honrado com uma indicação ao Oscar.

O filme traz imagens importantes sobre os bastidores de momentos históricos na vida política recente do Brasil.

Merece ser visto e debatido.