domingo, novembro 28, 2010

Daisy Miller

Daisy Miller, de acordo com Italo Calvino, em Por que ler os clássicos (Companhia das Letras, tradução de Nilson Moulin), é, na obra de Henry James, "(...) um dos textos mais claros, com uma personagem de moça cheia de vida, que explicitamente aspira a simbolizar a falta de preconceitos e a inocência da jovem América. Contudo, é um conto não menos misterioso que outros desse autor introvertido, inteiramente tecido como é pelos temas que se apresentam, sempre entre sombra e luz, ao longo de toda a obra."

No Brasil, os leitores não podem se queixar: a noveleta de Henry James tem no mínimo três traduções no mercado: a da Imago (Daisy Miller e um Incidente internacional, 1991) (tentei durante meia hora descobrir o nome da tradutora na Internet mas não achei, o que só comprova o quanto é desvalorizado este nobre ofício), a da L&PM, minha estreia como tradutor (A volta do parafuso seguido de Daisy Miller, 2008) e a da Armazém Digital (de Ana Maria Simeão Funck). Lembro que, enquanto eu traduzia a noveleta, trabalho realizado dentro da Oficina de Tradução Literária de Beatriz Viégas-Faria, tive a oportunidade de assistir ao filme homônimo, dirigido por um dos diretores mais imprevisíveis de Hollywood: Peter Bogdanovich, cara que assina desde excelentes películas até outras no mínimo pouco tragáveis.
O filme realizado em 1973 é uma adaptação bem decente da noveleta, com destaque para atuação da então namorada e musa do diretor, Cybill Shepherd. Abre parênteses para uma fofoca. Por sinal, a atriz, em sua autobiografia (Cybill Disobedience: How I Survived Beauty Pageants, Elvis, Sex, Bruce Willis, Lies, Marriage, Motherhood, Hollywood, and the Irrepressible Urge to Say What I Think), revela ter traído o diretor durante as filmagens, com um produtor careca. Talvez o sexto sentido do diretor (sim, homens também pressentem quando estão sendo traídos) tenha até ajudado para que ele imprimisse à película certa melancolia que enriqueceu a obra. Melancolia que, diga-se de passagem, está presente nas páginas de James, na amargura e na inação de Winterbourne (interpretado no filme por Barry Brown, ator que pouco depois acabou se suicidando), o americano com modos europeus que não consegue dar o braço a torcer à paixão que sente por Annie P. Miller, a Daisy. Quem quiser saber como eu traduzi a célebre frase que resume a personalidade da personagem protagonista (I'm fearful frightful flirt!) pode adquirir o exemplar 669 da L&PM pocket.

sábado, novembro 27, 2010

Peter Weir - The way back

Na contagem regressiva para ver o novíssimo Peter Weir, nada mais justo que se faça aqui neste blog que se diz cinéfilo uma breve retomada deste cineasta australiano essencial, nome garantido na minha lista de TOP TEN melhores diretores de todos os tempos.
Para quem não conhece Peter Weir, ele é o simpático e compenetrado sexagenário (nascido em 1944) na foto acima, com seu inseparável chapéu panamá. A foto foi tirada durante a produção de The way back, que tem estreia prevista para o fim de dezembro de 2010 (de olho no Oscar, talvez?).
Bem, nos dias de hoje, ninguém tem tempo para ler muito, ainda mais num blog sobre cinema. Então vou listar os filmes que ele fez. Os títulos falam por si só. Uma linha importante em sua filmografia é a que separa a fase australiana, mais visceral e contundente, da fase americana, mais "comercial" (no sentido de mais visto e mais popular), porém sem perder a característica autoral.
Para quem não conhece os filmes da fase australiana, lembre-se:

==> ninguém pode dizer que conhece cinema fantástico se não viu Cars that ate Paris e Picnic at hanging rock (Piquenique na montanha misteriosa);

==> ninguém pode dizer que conhece cinema de guerra se não viu Gallipoli;

==> ninguém pode dizer que conhece cinema de paixões violentas / jornalismo investigativo se não viu The year of living dangerously (O ano que vivemos em perigo);

==> ninguém pode entender uma pessoa se não conhecer seus cineastas preferidos.

FASE AUSTRALIANA
1974 The Cars That Ate Paris
1975 Picnic at Hanging Rock
1977 The Last Wave 1981 Gallipoli 1982 The Year of Living Dangerously
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FASE AMERICANA
1985 A testemunha
1986 A Costa do Mosquito 1989 Sociedade dos Poetas Mortos
1990 Green Card - passaporte para o amor
1993 Sem medo de viver
1998 O show de Truman
2003 O mestre dos mares
2010 The way back Narra a fuga de um pequeno grupo de prisioneiros de múltiplas nacionalidades de um gulag (campo de concentração para dissidentes políticos do regime stalinista) siberiano e sua jornada épica e transcendental de milhares de quilômetros cruzando cinco países inóspitos.
(Mais dados sobre a biografia de Peter Weir consultar o link: http://movies.yahoo.com/movie/contributor/1800023993/bio)

Você vai conhecer o homem de seus sonhos


Helena (Gemma Jones), depois de um longo casamento, é abandonada pelo marido Alfie (Anthony Hopkins), que compra um loft, um carro esporte e uma caixa de viagra. Helena busca orientação espiritual com a vidente Cristal (Pauline Collins). A filha de Helena e Alfie, Sally (Naomy Watts), tem pouco tempo para ajudar a mãe a superar a situação, afinal já tem bastante preocupações com o marido Roy (Josh Brolin), um escritor que emplacou o primeiro livro mas depois disso perdeu a mão e a confiança em si. Sally deseja formar uma família (leia-se, ter filhos), mas Roy insiste que ela continue tomando anticoncepcionais até que a coisa melhore. In the meantime, Sally tem que procurar um emprego. Para isso, usa seu invejável currículo (graduação em História da Arte) e consegue entrar numa galeria conceituada, como assessora principal do chefe (leia-se, secretária). Até aí tudo bem, pois o chefe Greg é interpretado por ninguém menos que Antonio Banderas. In the meantime (são muitas tramas paralelas), Alfie apresenta à filha Sally sua noiva, a loiraça Charmaine (Lucy Punch), enquanto Roy, inspirado pela musa e musicista de etnia indiana Dia (Freida Pinto) que acaba de se mudar para o bloco de apartamentos da frente, termina enfim o novo livro e envia à editora para ver se ele será aprovado para publicação. Esse parágrafo aí de cima é a "sinopse" da trama ou do enredo do mais recente filme do cineasta Woody Allen, um dos preferidos de minha querida mãe (mas, confesso, ele dificilmente me empolga) (mas, confesso, este filme quase chegou a me empolgar). O filme se passa em Londres, e o humor que permeia as cenas, por incrível que pareça, também tem um certo sotaque britânico. Sem querer comparar Woody Allen com Shakespeare, mas as personagens woodyallenianas são humanas, demasiado humanas. Patéticas. Ridículas no que há mais de ridículo na natureza humana, e, ao mesmo tempo, tão triviais. Como já fiz questão de frisar, não sou especialista em Woody Allen, não consigo tecer comparações do tipo "ele está cada vez melhor", nem afirmações bombásticas como "o melhor filme dele dos últimos anos". Se tem obra de um diretor na qual sou fraco, fraquinho, essa obra é de Woody Allen. Apesar desse afastamento instintivo, sou obrigado a reconhecer que You will meet a dark tall stranger (Você vai conhecer o homem de seus sonhos, 2010) tem uma qualidade rara, um humor soturno e irônico, beirando o humor negro, que o torna um entretenimento de qualidade.
Numa era em que a moda é criticar tradutores de modo leviano (até mesmo tradutores criticando seus pares, numa total falta de ética), quero aqui fazer um elogio público: o tradutor ou tradutora que legendou este filme teve excelentes soluções tradutórias.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Dona Flor e seus dois maridos

Na noite do dia 20 de novembro de 2010, um sábado, deixei o meu filho de três anos com a madrinha dele (coincidentemente, minha irmã) e lá fui eu, na, como sempre, agradável companhia de meu blazer Spirito Santo e, é claro, da mãe de meu filho, com destino às poltronas B-13 e B-14 da plateia do Teatro São Pedro.
Stop. Rewind. Explicando. Na verdade eu tinha ido comprar ingressos para o show da Tereza Salgueiro, mas descobri que havia sido cancelado. Ora, não sou de perder a viagem e de imediato escolhi dois excelentes lugares para a peça.
Depois de adquiridos os ingressos, passei a pesquisar sobre a qualidade da peça. Descobri, por exemplo, que a Bárbara Heliodora havia resenhado positivamente a adaptação da obra de Jorge Amado, dirigida por Pedro Vasconcelos. E também descobri uma resenha de um cidadão de João Pessoa criticando a peça e insinuando que a Bárbara Heliodora precisava trocar de óculos. E parei por aí na minha pesquisa. Restava conferir e ver com qual das duas opiniões eu mais concordaria.
Eis que chega a tão esperada data e, depois da operação logística já explicada acima, lá estávamos (a Andrea, meu blazer e eu) no teatro mais charmoso do Rio Grande do Sul.
Desnecessário dizer que é sempre uma ótima sensação estar naquele ambiente. Pessoas bonitas, cultas e... uma menina de quatro anos! Hum... isso que eu chamo de mãe liberal. Levar a filha na mais tenra idade a um espetáculo em que ao que consta haverá uma cena de nu frontal masculino. Mas a mãe dela pareceu tirar de letra os olhares de censura que recebeu (e a menina pelo jeito se divertiu, pois a peça é mesmo divertida e musical).
Bem, a esta altura o leitor mais atento já terá percebido que este blogueiro concordou mais com os argumentos de quem elogiou a peça do que com os de quem a criticou negativamente.
Sem dúvida, o espetáculo aproveita as melhores cenas do livro para encená-las no palco. O competente elenco, com Cláudio Galvan no lugar de Duda Ribeiro como Dr. Teodoro, provoca risos e até breves momentos de introspecção, com destaque para os monólogos de Florípedes, mais conhecida como Flor (Carol Castro, que substituiu Fernanda Paes Leme). Completa o trio principal de atores Marcelo Faria, o pândego Vadinho.
Ao cabo da peça, uma grata surpresa: os atores esperam os aplausos cessarem e travam uma conversa descontraída com a plateia. Um rapaz que estava na minha frente elogiou o ator Marco Bravo, que interpreta Dorival Caimmy (e, por sinal, marido de Carol Castro). E o público saiu satisfeito, lembrando da frase de improviso de Marcelo Faria:
"Tá calor no Pelourinho!" (proferida quando ele passou perto de uma moça da plateia e ela ficou se abanando) e também do bordão "Tem toda!", a resposta de Flor quando o segundo marido pede licença à esposa para deitar-se com ela.
P.S. Valeu, mAninha!

domingo, novembro 07, 2010

Baarìa - a porta do vento

O diretor italiano Giuseppe Tornatore (nascido em 1956) logo em seu segundo filme alcançou um sucesso descomunal. O Oscar de Melhor Filme Estrangeiro abiscoitado por Cinema Paradiso (1988) alavancou a carreira incipiente para um patamar talvez inesperado para o jovem realizador. O mais recente filme de Tornatore mostra as muitas qualidades aprimoradas em uma sólida carreira como roteirista e cineasta. Porém, dá margem a algumas críticas, em especial, por indícios de megalomania.
Por exemplo, ao terminar o filme, aparece o nome do diretor em letras garrafais. Como se ele tratasse o próprio nome como grife ou marca. Nada de "dirigido e roteirizado por", apenas "GIUSEPPE TORNATORE". Em sua defesa, poder-se-ia dizer que, em se tratando de cinema autoral, o mérito artístico é e sempre foi atribuído ao cineasta. Tornatore apenas arrumou um meio mais escancarado de chamar a atenção para isso. Deixando essa discussão de lado, a pergunta que eu quero responder aqui é: valeu a pena passar 150 minutos de minha vida no cinema para assistir a Baarìa, a porta do vento (2009)?
Confesso que a resposta também merece letras garrafais: SIM!
O filme abarca três gerações da família Torrenuova, natural de Bagheria, localidade próxima a Palermo, na Sicília. A ênfase é em Giuseppe Torrenuova (Francesco Scianna), conhecido pelos familiares como Peppino. Giuseppe na juventude se filia ao Partido Comunista e vive aventuras e desventuras tentando se eleger deputado, ao mesmo tempo em que casa com Mannina (a insinuante Margareth Madè) e cria uma penca de filhos. As ideias políticas de Giuseppe vão se tornando mais amenas ao longo de sua vida para, no final, tornar-se um "reformista". Que, segundo a descrição de Peppino, é alguém que aprendeu que não adianta dar murro em ponta de faca. Mas a faceta política do filme não chega a ser aprofundada. O filme nem de longe lembra a densidade e o engajamento de um Ken Loach, por exemplo. O approach de Tornatore é mais suave, com um senso de humor apurado e transições rápidas entre um episódio e outro. Devido ao dinamismo do roteiro e da montagem, o espectador nem sente o tempo passar. Isso, por si só, já credencia e explicita a qualidade da película. Momentos divertidos e ternos não faltam. A trilha musical inconfundível vem do talento de Enio Morricone. Mas que ninguém vá ao cinema para ver Monica Belucci. Ela só faz uma pontinha na cena em que alunos de uma escola param a aula para espiar um pedreiro aos beijos com uma linda mulher num prédio em construção.