domingo, novembro 11, 2012

Porto dos Mortos

Um filme não precisa de um roteiro bem amarrado para ser cult. Nem de atores ou diretores famosos. Vai analisar, para ser cult uma película não precisa de muita coisa, não. Uma canção, um carro, um diálogo, uma cena, uma originalidade, uma quebra de paradigmas, uma otimização do baixo custo.  E Porto dos Mortos (Beyond the Grave, 2012) tem tudo isso e mais uma hipnotizante personagem que só fala uma palavra no filme antes da sua talvez prematura eliminação.
Senão, vejamos.

Uma canção: Porto dos Mortos,  composta por Felipe Longhi, é considerada pelo diretor a “canção de sua vida”. Um carro: um dos trunfos do filme, o Maverick preto e seu motor V8 emprestam uma sonoridade que domina o road movie. Um diálogo (?): emblema da falta de comunicação de nossos dias, o garoto caroneiro simula um diálogo com o calado motorista do Maverick. Uma cena: o cinema trash já tem sua clássica e desconcertante cena de escada (ver foto abaixo); os degraus de Eisenstein e De Palma que se cuidem. Uma originalidade: os zumbis, aqui, são um mal a ser evitado, não uma ameaça real e imediata; estão ali, ao redor, e inspiram mais pena do que medo; os retornados são, nas palavras do diretor Davi de Oliveira Pinheiro após a sessão do Clube de Cinema, uma espécie de “direção de arte” do filme.
 Uma quebra de paradigmas: se você vai ver um filme de zumbi, espera ver um zumbi atacar e devorar miolos de pobres humanos; em Porto dos Mortos, porém, a maior e dantesca crueldade é perpetrada por um humano “não infectado” contra um zumbi cego e indefeso. Uma otimização do baixo custo: a película porto-alegrense entra para o rol de cults como Repo Man, Liquid Sky, Bad Taste e El Mariachi, em que orçamentos relativamente baixos são otimizados pela produção; chega a ser comovente o esforço do elenco e dos responsáveis pelas diversas áreas técnicas como figurino, fotografia, som, etc. para obter ótimos resultados apesar do orçamento limitado.
A falta de “alívio cômico” tem uma explicação: o diretor contou para os presentes à sala P. F. Gastal que a cena mais engraçada foi cortada, com o objetivo de manter a unidade e o clima da obra. Pensando bem, existe um humor nas entrelinhas do roteiro, como na mencionada conversa unilateral e nas falas monossilábicas do protagonista. Tudo somado, dos requisitos necessários para se tornar cult, Porto dos Mortos talvez ainda não tenha apenas um: cultuadores.

sábado, novembro 03, 2012

Moonrise Kingdom

Que Wes Anderson é, entre os diretores da novíssima geração, um dos "queridinhos da crítica", isso é sabido e notório. O quanto isso influencia o impacto de seus filmes sobre o público em geral? Quase nada. O "público em geral" não está nem aí para o opinião da crítica tampouco acompanha a trajetória desse ou aquele diretor. Uma pequena parcela de cinéfilos correlaciona cinema com autor, quando isso é possível. No caso de Anderson, indubitavelmente isso é possível. Seus filmes têm a marca da autoria: estilo, ritmo, apuro formal, roteiro com originalidades, presença de atores de peso em papéis inusitados.


Por exemplo, Edward Norton como um monitor de escoteiros meio atrapalhado, que não consegue controlar os meninos sob seu comando. Ou quem imaginaria ver Bruce Willys encarnando o chefe de polícia de uma ilha quase sem habitantes e nenhuma (até prova em contrário) ação? Harvey Keitel como o chefe maioral dos escoteiros? Bill Murray como um advogado sem perspectivas cuja mulher lhe trai com o chefe da polícia? Frances McDormand como a mulher que trai o marido com o chefe de polícia? Tilda Swinton como a impertinente representante do Serviço Social que deseja a todo pano a custódia do órfão Sam (o novato Jared Gilman), que fugiu com Suzy (a também novata Kara Hayward)?
Essas personagens se movem num cenário belo: uma ilha de New Jersey com poucas estradas e pessoas, mas muitas belezas em termos de história, relevo e vegetação. Ali que está acampando um grupo de escoteiros, até que um deles, o problemático Sam, desaparece. Paralelamente, a primogênita de uma família que habita uma das enseadas da ilha também some. Ambos têm doze anos e passam a ser procurados pelas autoridades.
 A partir dessa premissa, Anderson constrói um filme estranho como todos os seus outros filmes, impregnado de uma atmosfera que mescla fábula e realidade de um modo cada vez mais característico. Gostar do cinema de Anderson não é difícil. O difícil é saber descrever o porquê.

A vida útil



A primeira sequência de A vida útil, a premiada e curta segunda película de Federico Veiroj, retrata a rotina dos bastidores de uma cinemateca: acaba de chegar uma remessa de filmes islandeses para uma mostra e os dois responsáveis dividem entre si a tarefa de assistir aos filmes antes da exibição pública.  Um deles é o protagonista deste “conto de cinema”, o subtítulo da obra: Jorge (interpretado por um ator não profissional, o crítico de cinema Jorge Jellinek). Diga-se de passagem, o outro ator também faz sua estreia à frente das câmeras. Figura importante no cinema uruguaio, ex-diretor da Cinemateca Uruguaia, Manuel Martínez Carril é presença frequente no Festival de Gramado.
Mas é bom frisar que A vida útil não é um documentário. Deve aproveitar em seu roteiro, é claro, experiências da vida real de quem respirou/respira esse mundo abnegado e altruísta de cinematecas frequentadas por gatos pingados, com a nobre causa de divulgar o cinema alternativo. Sessões com a presença dos diretores (que, às vezes, reclamam de problemas técnicos na projeção). A chave escondida na embalagem de um filme. O programa sobre cinema na rádio. A amiga convidada para a sessão. Todas essas são cenas do cotidiano de uma cinemateca, sem dúvida.
Como também a luta pela “viabilidade financeira”. Na história, Jorge é o funcionário/voluntário responsável por projetar os filmes, apresentar o programa na rádio, encarregar-se de fazer o social quando vem um realizador, ou seja, é o “faz-tudo” da cinemateca. Ainda mora com os pais aos 45 anos. Tem um alvo na mira: uma professora de Direito, mas ela é uma mulher muito ocupada, pelo jeito.
Quando a cinemateca se vê à beira da insolvência e os antigos parceiros roem a corda e negam o estribo, cai a ficha e Jorge vai ter que procurar outra maneira de sua vida fazer sentido.





Até que chega o fatídico e derradeiro dia em que ele precisa juntar suas coisas. É o último dia de funcionamento da sua amada cinemateca. Ele liga para o “papá” e diz que não precisam esperar por ele em casa. E sai pelas ruas de Montevidéu carregando uma sacola.
Esta parte do filme remete a Um dia de fúria de Joel Schumacher. Como dissemos, Jorge sai do trabalho carregando uma sacola. O que ela contém? Será que armas, como as que Michael Douglas carregou pelas ruas de Los Angeles? O que Jorge fará, que medidas extremas tomará ao ver seu mundo “Falling Down”?


Se ainda não assistiu ao filme, encerre a leitura aqui.


SPOILERS - SPOILERS - SPOILERS- SPOILERS - SPOILERS - SPOILERS


A decisão de utilizar atores não profissionais tem seu ônus: nalgumas cenas é visível o nervosismo do protagonista, enquanto noutras seu desempenho é surpreendente para um amador estreante. Mas o realizador deve ter pesado prós e contras e no contexto a decisão até se justifica.
Paradoxalmente, a película uruguaia tem na curta metragem sua principal qualidade e seu principal defeito: qualidade, pois o filme não contém cenas supérfluas; defeito porque o filme termina passando certa sensação de que “não tinha como terminar”.