A primeira sequência de A vida útil, a premiada e curta
segunda película de Federico Veiroj, retrata a rotina dos bastidores de uma
cinemateca: acaba de chegar uma remessa de filmes islandeses para uma mostra e
os dois responsáveis dividem entre si a tarefa de assistir aos filmes antes da
exibição pública. Um deles é o
protagonista deste “conto de cinema”, o subtítulo da obra: Jorge (interpretado
por um ator não profissional, o crítico de cinema Jorge Jellinek). Diga-se de
passagem, o outro ator também faz sua estreia à frente das câmeras. Figura
importante no cinema uruguaio, ex-diretor da Cinemateca Uruguaia, Manuel
Martínez Carril é presença frequente no Festival de Gramado.
Mas é bom frisar que A vida útil não é um documentário. Deve
aproveitar em seu roteiro, é claro, experiências da vida real de quem respirou/respira
esse mundo abnegado e altruísta de cinematecas frequentadas por gatos pingados,
com a nobre causa de divulgar o cinema alternativo. Sessões com a presença dos
diretores (que, às vezes, reclamam de problemas técnicos na projeção). A chave
escondida na embalagem de um filme. O programa sobre cinema na rádio. A amiga
convidada para a sessão. Todas essas são cenas do cotidiano de uma cinemateca,
sem dúvida.
Como também a luta pela “viabilidade financeira”. Na
história, Jorge é o funcionário/voluntário responsável por projetar os filmes,
apresentar o programa na rádio, encarregar-se de fazer o social quando vem um
realizador, ou seja, é o “faz-tudo” da cinemateca. Ainda mora com os pais aos
45 anos. Tem um alvo na mira: uma professora de Direito, mas ela é uma mulher
muito ocupada, pelo jeito.
Quando a cinemateca se vê à beira da insolvência e os
antigos parceiros roem a corda e negam o estribo, cai a ficha e Jorge vai ter
que procurar outra maneira de sua vida fazer sentido.
Até que chega o fatídico e derradeiro dia em que ele precisa
juntar suas coisas. É o último dia de funcionamento da sua amada cinemateca.
Ele liga para o “papá” e diz que não precisam esperar por ele em casa. E sai pelas
ruas de Montevidéu carregando uma sacola.
Esta parte do filme remete a Um dia de fúria de Joel
Schumacher. Como dissemos, Jorge sai do trabalho carregando uma sacola. O que
ela contém? Será que armas, como as que Michael Douglas carregou pelas ruas de
Los Angeles? O que Jorge fará, que medidas extremas tomará ao ver seu mundo
“Falling Down”? Se ainda não assistiu ao filme, encerre a leitura aqui.
SPOILERS - SPOILERS - SPOILERS- SPOILERS - SPOILERS - SPOILERS
A decisão de utilizar atores não profissionais tem seu ônus:
nalgumas cenas é visível o nervosismo do protagonista, enquanto noutras seu
desempenho é surpreendente para um amador estreante. Mas o realizador deve ter
pesado prós e contras e no contexto a decisão até se justifica.
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