terça-feira, abril 30, 2019

Em algum lugar do passado

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A história deste "cult clássico" começa com Bid Time Return, de Richard Matheson, publicado em 1975. Por esse romance, Matheson ganhou o World Fantasy Award em 1976. Em 1980, o livro foi adaptado para as telas e ganhou um elenco de luxo: Christopher Reeve, a bond-girl Jane Seymour e ninguém menos que Christopher Plummer, a quem coube o previsível papel do, digamos, vilão da história, o empresário William F. Robinson. (Embora o maior vilão de todos seja o inexorável e incontornável tempo, simbolizado pelo relógio de bolso do prólogo.)

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Para a direção, foi escalado Jeannot Szwarc, parisiense radicado nos EUA que contava na ocasião com 3 honoráveis filmes no currículo: Sex Through a Window (baseado em livro de Michael Crichton), Praga infernal (Bug, 1975) e Tubarão 2 (1978).

Szwarc faz um bom trabalho em realçar o mergulho do dramaturgo Richard Collier (Christopher Reeve) em uma obcecada espiral de paixão por uma intrigante mulher do passado. 

No ano de 1980, ao terminar um relacionamento, Collier hospeda-se num hotel antigo e fica hipnotizado pela foto de uma bela mulher no museu do hotel. O porteiro do hotel, Arthur (Bill Erwin), pensa conhecer aquele jovem hóspede, e passa a lhe ajudar em suas pesquisas sobre aquela misteriosa mulher. À medida que vai investigando, Richard descobre que a foto é de Elisa McKenna, uma atriz que em 1912 esteve no teatro do hotel como protagonista de uma peça teatral.

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Quanto mais estuda o assunto, mais Richard vai se apaixonando por Elisa. Sua obsessão chega ao ponto de procurar uma biógrafa de Elisa, Laura Roberts (Teresa Wright) e, na casa dela, fica sabendo de um livro que Elisa havia lido várias vezes. A busca então o leva a consultar o autor do livro, um professor de física especializado em viagens no tempo.

Cada vez mais imerso em seu transe e decidido a retornar no tempo, Richard compra um terno da época, deita-se na cama do quarto do hotel e reproduz uma gravação. A viagem no tempo pode acontecer por auto-hipnose, de acordo com o testemunho do Dr. Gerard Finney (George Voskocec).


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Essa mistura de paranoia com ficção científica, de amor romântico com fantasia, parece ser uma das especialidades de Richard Matheson, cujas obras originaram outros filmes famosos, como O incrível homem que encolheu (1957), Encurralado (Duel, 1971, a estreia de Steven Spielberg), Amor além da vida (1998) e Eu sou a lenda (2007). 

Sem dúvida, Matheson é a mente criativa por trás desse filme. Além de escrever o livro também fez o roteiro. E, de quebra, fez um "cameo" como o hóspede que se espanta com o rosto lanhado de Christopher Reeve após fazer a barba com uma navalha. 

Em tempo: o dvd do filme Em algum lugar do passado pode ser encontrado nas Lojas Americanas por R$16,99. Na hora de passar no caixa ainda apareceu um desconto inesperado. 

sábado, abril 27, 2019

O gênio e o louco

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Este é um filme sobre palavras. Nada mais apropriado, pois, do que comentar a transformação sofrida pelo título original The Professor and the Madman, que acabou se tornando O gênio e o louco.

Genial é a comissão que deve ter se reunido em um brainstorm de executivos de uma distribuidora de filmes para escolher o título brasileiro. Escolher é a palavra certa. Não é um problema de tradução aqui. Não é "culpa" do tradutor. O tradutor traduz: O professor e o louco. O escolhedor de títulos torce o nariz, tem uma ideia genial e transforma o "professor" num "gênio".

O gênio do filme na verdade é o louco. O professor é um cara que domina muitas línguas, mas não é um "gênio". Seja como for, "O gênio e o louco" é um título bem melhor do que "O professor e o louco".

Diga-se de passagem, os escolhedores de títulos brasileiros são pródigos em melhorar títulos estrangeiros. Vamos citar apenas 3 faroestes clássicos: Os brutos também amam (Shane), Sete homens e um destino (The Magnificent Seven) e Meu ódio será tua herança (The Wild Bunch).

Voltando à vaca fria, vamos ao que interessa: O gênio e o louco. Sob todos os prismas, é um filme imperdível para quem gosta de palavras. Afinal de contas, é a história de como se originou o dicionário Oxford! O esforço descomunal de uma equipe vasta de filólogos e linguistas, liderada pelo "professor" (Mel Gibson), buscando a etimologia das palavras e a evolução delas ao longo do tempo, com citações na literatura. Um trabalho hercúleo realizado ao longo de décadas, contando com a ajuda de abnegados voluntários.

Aí que entra o personagem de Sean Penn, o "louco". Preso por ter cometido um assassinato durante um surto psicótico, recebe um livro de presente no hospício e nele está um chamado para voluntários colaborarem na confecção do dicionário.


O filme baseia-se numa história real contada no livro de Simon Winchester, sobre a amizade entre James Murray (no filme, interpretado por Mel Gibson), o chefe da equipe responsável por fazer o dicionário, e W. C. Minor, o cirurgião que, alienado da sociedade, com sua capacidade de trabalho e sensibilidade, se redime colaborando na confecção de inúmeros verbetes e lexemas do dicionário. Essa personagem contraditória e repleta de culpa, bondade, genialidade e loucura é estupendamente encarnada por Sean Penn.

Coube a direção a Farhad Safinia, o iraniano-americano que roteirizou Apocalypto (2006), o filme dirigido por Mel Gibson. Safinia (que costumava utilizar o pseudônimo P. B. Shemran)  já havia colaborado com o ator/diretor australiano em A paixão de Cristo. 

Não é preciso ser um gênio para concluir que existe um vínculo Gibson-Safinia, uma afinidade, uma amizade, talvez da mesma espécie da existente entre o Dr. James Murray e o cirurgião W. C. Minor, uma compatibilidade intelectual, digamos assim, que evoluiu para a formação de laços e colaborações duradouras. Safinia nasceu em Teerã, no Irã, e migrou com a família para a Paris, depois Londres. Curiosamente, outro filme digno de nota que assisti neste mês foi de outro nascido em Teerã, Ali Abbasi, o diretor do ousado Border.

Apesar do imbróglio na produção, O gênio e o louco chegou às telas bem-acabado e construído.
O tema principal do filme é fascinante para quem gosta de palavras, e mais ainda para escritores, tradutores, revisores e afins, que vivem às voltas com dicionários, a semântica, a etimologia. As palavras, enfim. 

Os subtemas são múltiplos, e incluem culpa, amizade, perdão, amor, etc. O gênio e o louco é a oportunidade de ver dois atores experientes entregando performances primorosas. Gibson, na pele (e barba) do contido James, é o coadjuvante ideal para que Penn encarne o hirsutíssimo William com uma potência raramente vista nas telas.
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Do inferno

          
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 Do inferno (2001)filme dos irmãos Hughes,

 conta a trajetória sangrenta do serial killer

mais famoso da história, também personagem

 de muitos filmes: Jack, o Estripador. Na

 Londres de 1888, ele atacava mulheres

 sempre seguindo o mesmo método: degola e

 retirada de órgãos. Os crimes até hoje 

permanecem sem solução.

      Um inspetor viciado em ópio (assim como Sherlock Holmes) é escalado para investigar o assassinato de uma prostituta. Abberline (Johnny Depp), enquanto se droga, tem visões sobre os casos que investiga. Os crimes brutais o trazem à realidade e ele acaba conhecendo a mocinha, interpretada por Heather Graham, e se apaixona. Agora, precisa encontrar o assassino para proteger a sua nova amiga.
      Uma crítica ao filme foi de que o fato de Heather Graham ser uma atriz mais conhecida que as demais estragou o mistério. No entanto, se o espectador considerar que o mistério não é sobre quem vai morrer, mas sobre quem está matando, o suspense foi mantido até o fim. Além disso, não fosse pela necessidade de seguir uma fórmula padronizada, este poderia ser mais um daqueles filmes em que no final nada se resolve e o espectador escolhe o criminoso. 
       Sobre os diretores: os irmãos Hughes são gêmeos, nascidos em 1972. Estrearam com Menace II Society (1993), aos 21 anos, sobre um adolescente negro criado pelos avós.  O filme conseguiu reconhecimento e foi premiado nos EUA. Seguiu-se Dead Presidents (1995). Um dos irmãos Hughes, Albert, hoje está seguindo "carreira solo" e com o filme Alfa em cartaz. 

       No geral, Do inferno é um filme que, sem 

ser  definitivo, não decepciona.  Uma boa

 iniciação ao tema do assassino serial que

 declarou "ter começado o século XX". 

sexta-feira, abril 26, 2019

Border

Se me perguntassem qual o filme mais "fora da caixa" atualmente em cartaz, não seria exagero se eu respondesse Border, coprodução iraniana e sueca assinada pelo diretor Ali Abbasi.

Eero Milonoff and Eva Melander in Gräns (2018)

A crítica norte-americana em geral depreciou o filme dizendo que é muito difícil de se identificar com os protagonistas. Afinal de contas, Tina (Eva Melander) e Vore (Eero Milonoff) têm feições não muito delicadas, com testa proeminente e dentes imperfeitos. São portadores de uma síndrome bizarra e atraem raios. Na visão desses críticos, sem empatia, não há solução. 
Críticos mais "cabeça aberta", porém, como canadenses e o júri da mostra Un Certain Regard, centraram-se mais nas qualidades do que nas imperfeições. Tanto isso é verdade que o filme recebeu o prêmio da mostra, uma espécie de competição paralela em Cannes, com visões, digamos, "menos tradicionais".





O filme é inspirado no conto neogótico "Gräns", de John Ajvide Lindqvist, o mesmo autor de "Deixa ela entrar", que originou dois filmes, um sueco e outro norte-americano, praticamente um remake do primeiro. 

Sobre o enredo de Border, não vou entrar em detalhes para não estragar surpresas. Apenas dizer que é um instigante estudo sobre a diferença, sobre sentir-se alguém deslocado no mundo, sobre o que é, afinal, a condição humana. 



É verdade, não é assim tão fácil de se "identificar" com Tina ou Vore. Será que é preciso estabelecer um vínculo com os personagens para apreciar um filme? Mas quem é que nunca se sentiu um "estranho no ninho"? Talvez essa seja a maior sensação que o filme nos passa. A sensação de ser alguém que, por mais que esforce, não consegue se adequar ou se "encaixar" nos moldes preestabelecidos. As metáforas e conotações aqui podem ser muitas. 

Border : Poster


Do ponto de vista mais objetivo, quais seriam as qualidades de Border? A maquiagem do filme é simplesmente fantástica, transfigurando de modo contundente o rosto da dupla de atores principais. Tem cenas chocantes, que marcam por sua força inerente e originalidade. Um conto misterioso sobre personagens que lutam para encontrar seu lugar no mundo. Existe algo mais humano do que isso? 











segunda-feira, abril 22, 2019

ONE STRANGE ROCK

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 A série documental One Strange Rock consiste em 10 episódios de cerca de 47 minutos cada. 

Apresentada por Will Smith, acompanha a história do planeta Terra, sob o ponto de vista de astronautas da Nasa.

A visão cósmica desses cientistas astrofísicos é entremeada com cenas sobre a geologia, a biologia e a antropologia. 

 One Strange Rock" - National Geographic illustration | Behance

Sim, interdisciplinaridade é a palavra chave nesta incrível série.

Acredito que todo mundo poderia (ou deveria?) dedicar 500 minutos de sua vida para assistir a esses 10 episódios.

Pode ser uma experiência tão reveladora quanto a de ir ao espaço.

Essa ideia de interconexão, de percepção holística sobre as coisas, permeia toda a estrutura da série.

O modo intricado como as belíssimas cenas foram montadas e editadas, o enlevo da música, a fotografia de altíssima qualidade... todos esses fatores contribuem para que esta série se torne tão icônica quanto Cosmos de Carl Sagan.

A mente criativa por trás dessa concepção é a de Darren Aronofsky. O cineasta de Réquiem para um sonho afirmou que a série serve de "acompanhamento" para o seu mais recente longa-metragem, mother!

O diretor Darren Aronofsky fala sobre o projeto nestas entrevistas:






Já os astronautas que participam da minissérie se reuniram para responder as 50 perguntas mais googleadas sobre o espaço sideral.



E para concluir este post astrofísico-científico-cósmico, que tal um vídeo da National Geographic explicando alguns pontos básicos sobre a vida na Terra?




Confidências à meia-noite (Pillow Talk)

Pillow Talk: Doris Day and Rock Hudson

O forte deste filme é o roteiro bem alinhavado e amarrado, que permite aos dois protagonistas darem um show de talento e carisma. Não à toa Pillow Talk abiscoitou o Oscar de Melhor Roteiro Original. O filme teve outras indicações, como Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante.

Pillow Talk: Doris Day and Rock Hudson

Assistir a este filme me lembrou de uma cinéfila hardcore, fã de atores da estirpe de Cary Grant e Rock Hudson, que certamente se deliciaria com as cenas bem urdidas e as situações inusitadas. A dublagem brasileira teve uma solução criativa ao traduzir o "sotaque texano" do personagem de Rock Hudson. Resta agora tentar assistir a versão legendada, para ver como foi a interpretação vocal do conquistador galã.



 Este é o primeiro filme de uma "trilogia" estrelada pelo trio Doris Day, Rock Hudson e Tony Randall. O blog theblondeatthefilm.com explica que o roteiro deste filme perambulou por Hollywood por 2 décadas até cair nas mãos de Martin Melcher, o dono da Arwin Productions, junto com a esposa Doris Day. Foi o primeiro filme de Rock Hudson em papel humorístico. A sinergia entre ele e Doris foi instantânea, e isso transparece em cada fotograma do filme.



Pillow Talk: Doris Day and Rock Hudson

Já o site classicfilmsreloaded traz um histórico sobre o filme, incluindo resenhas da época. Porém, uma coisa que parece ser uma unanimidade em textos sobre Pillow Talk é a pouca ênfase em relação ao diretor Michael Gordon. Qual terá sido a contribuição dele, um cara que havia sido colocado na lista de diretores "renegados" ou "demonizados" por serem supostamente "comunistas"? Digamos que existem diretores especialistas em deixar os atores à vontade, e Gordon parece ser um deles. Apos ter amargado um tempo na "black list de Hollywood", finalmente foi chamado de volta, e o filme que marcou o seu  retorno foi justamente Pillow Talk. Depois disso sua carreira teve um revival e ele realizou várias comédias despretensiosas.


Pillow Talk: Thelma Ritter and Doris Day

Uma das personagens mais típicas do filme é Alma (Thelma Ritter), a empregada de Jan (Doris Day), que terá um papel importante para ajudar Brad (Rock Hudson) a tentar reconquistar a tão cobiçada dama. Thelma Ritter se aposentou com 6 indicações a Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante e nenhuma vitória.

Parabéns à Band que está passando clássicos pinçados a dedo, todo domingo, às dez horas da noite, logo após o Master Chef.

segunda-feira, abril 15, 2019

Operação fronteira

Triple Frontier.jpg

Este filme era para ser um blockbuster com Tom Hanks, Will Smith e Johnny Depp, dirigido por Kathryn Bigelow. Mas o filme não saiu do papel e foi engolido pelo mundo do streaming. E nesse mundo, quem não tem cão, caça com gato.

A politizada e engajada cineasta Kathryn Bigelow tornou-se produtora executiva. O pau-pra-toda-obra J. C. Chandor assumiu a direção. O roteiro que enfim transformou-se em filme é assinado por Mark Boal, colaborador assíduo de Bigelow. É dele o roteiro de nada menos que 3 filmes da única diretora a ganhar o Oscar: Guerra ao terror (2009), A hora mais escura (2012) e Detroit (2017).


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O substituto Chandor faz um trabalho honesto com o bom roteiro de Boal, que em essência acaba tratando de um tema palpitante: quanto vale o dinheiro?

A cena em que o grupo de mercenários faz uma fogueira usando cédulas como combustível é emblemática nesse sentido. Eles estão na esdrúxula situação do ladrão que rouba, mas não tem condições de carregar todo o produto do roubo. 

Claro que não é um roubo comum. É a clássica história do "ladrão que rouba ladrão". A "vítima" neste caso é um traficante que oprime a população para enriquecer distribuindo drogas.

Com sua extrema ironia, boas sacadas e elenco discreto, porém eficaz, o que poderia parecer mais um mero filme de ação caça-níqueis acaba se tornando algo mais valioso.

O título original faz menção à região abaixo, que une Colômbia, Peru e Brasil. 




https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/35/Map_of_Leticia_-_1995.jpg

terça-feira, abril 02, 2019

A balada de Buster Scruggs


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A balada de Buster Scruggs, novo filme do irmãos Coen, está disponível na plataforma Netflix, que está investindo na interface cinema/streaming, com produções de bastante qualidade e de diretores renomados. A estratégia deu resultado, como mostra a conquista de Oscars por Roma e as indicações recebidas por outros filmes, como este dos irmãos Coen.

 Por sinal, Ethan Coen explica nessa interessante entrevista ao Correio do Povo que eles não têm nada contra a modalidade de streaming e que ela pode coexistir com o cinema. Um artigo da Forbes classifica o filme dos Coen como talvez a melhor coletânea de histórias já produzida pelo Netflix.

O filme é estruturado em seis histórias com protagonistas, personagens e situações diferentes. A intersecção é o cenário do Velho Oeste e o modo sarcástico como as histórias terminam. 
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A estrutura em contos não intimamente conectados facilita o processo de assistir ao filme.

Eu, por exemplo, fui assistindo aos poucos, uma história por vez.

A primeira é a mais engraçada e divertida de todas, sobre um músico rápido no gatilho que é procurado vivo ou morto. 



A segunda, com James Franco no papel de um ladrão de banco, também tem uma ironia e um humor bastante salientes. 



O terceiro conto é o mais tétrico e traz Liam Neeson como o homem que explora um ator com deficiência física.

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A quarta história, sobre um velho garimpeiro que procura um filão de ouro, é a única que se destaca por ter um final menos, digamos, anticlímax. 

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Mas tudo que aconteceu nos enredos anteriores não se compara às surpresas reservadas para a quinta e mais bem desenvolvida história, sobre uma jovem que acompanha o irmão numa travessia de caravanas em rumo a uma vida melhor. 

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Já o epílogo lembra um pouco "Bola de sebo" de Maupassant e outros contos clássicos sobre conversas em carruagens, em que os personagens vão desnudando as suas personalidades por meio de seu posicionamento em relação aos demais passageiros.


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Na onda do politicamente correto, o filme recebeu críticas por não dar espaço suficiente a personagens femininos ou por estereotipá-los. 

Fazer filmes nos dias de hoje envolve isso. Sempre vai ter alguém, ou algum grupo, que vai "levar a mal" e fazer um protesto. O jeito é fazer do limão uma limonada e deixar a democracia funcionar. Cada um é livre para formar a sua opinião e se manifestar dentro dos parâmetros de civilidade. 

Mesmo sem entrar imediatamente na lista dos melhores filmes do irmãos Coen, A balada de Buster Scruggs é sem dúvida entretenimento de boa qualidade (e disponível a preços módicos) que revela o aspecto acridoce de sermos humanos, demasiadamente humanos.




segunda-feira, abril 01, 2019

Nós


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Com um par de cenas mal filmadas e mal editadas, com um roteiro autoindulgente que exige demais a colaboração do espectador, Nós é uma tremenda decepção para quem gostou de Corra! e uma contundente amostra do que pode acontecer com o cérebro de um roteirista imaginativo que ganhou um Oscar e agora acha que "pode tudo".





Em pelo menos duas cenas das partes consideradas de "terror", o espectador não consegue acreditar na cena, por um de dois motivos: ou faltou a ela o som de um motor de barco ou um golpe de taco de golfe foi por demais teatral.



Um par de cenas não convincentes em um "filme de terror" não seria algo desastroso se o próprio roteiro fosse mais funcional. E até uma altura o roteiro até que vai. Os personagens são apresentados, as situações são críveis, existe uma tensão no ar. Súbito a coisa "desanda". É como se Peele tivesse chutado o balde e dito a si mesmo: "I got the power". De um ponto em diante, tudo fica por demais forçado.








A questão é basicamente esta: o espectador precisa se esforçar muito para "entrar" no filme, para dar um voto de confiança ao diretor que tinha um excelente crédito. Juro que me esforcei ao máximo para conceder a Peele o benefício da dúvida e tentei embarcar na lancha!




Mas eis que o fundo da lancha estava furado. A inverossimilhança das situações é quase suplantada pela estapafúrdia incongruência das supostas "explicações". 



Com todos esses contratempos, ainda assim Nós consegue ser um filme tolerável, que tem algum estofo para ser comentado. E o fato de eu estar em uma poltrona Premium do Cine Laser de Passo Fundo consumindo um combo de pipoca e refrigerante permitiu que eu conseguisse chegar ao fim do processo que foi assistir a Nós


Aliás, "Estou processando" é sintomaticamente uma das (melhores) falas do filme. O elenco e a música também são aspectos fortes do filme. O problema é que o sarrafo estava bem alto após o triunfo de Corra! 

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 Nós mantém um certo padrão, uma certa linha de ousadia e criatividade. Por exemplo, o sutil humor em alguns diálogos entre a família branca e a família negra imprime ao filme uma qualidade extra, inexistente em outros filmes "slasher". Além disso, Peele se coloca na pele de um dos bandoleiros de Meu ódio será tua herança e dispara sua metralhadora giratória de críticas contra o "sistema". Cunicultura, dismorfofobia, competição social entre vizinhos: sobram "tesouradas" sociais para tudo que é lado. São esses momentos que fazem de Nós um filme melhor.



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Mas, às vezes, tem-se a sensação de que a capacidade de direção de Peele e o seu domínio dos aspectos técnicos não acompanham a sua imaginação desenfreada. Em uma análise do todo, as fraquezas igualam os pontos fortes. 

Como se os problemas inerentes à parte artística não bastassem, nos últimos dias Peele está precisando apaziguar as reclamações de um grupo de pessoas que sofre de um problema neurológico e se ofendeu ao ver o filme. A Associação Nacional de Disfonia Espasmódica (NSDA) fez um protesto formal pelo modo como a atriz Lupita Nyong'o empostou a sua voz para interpretar um dos personagens do filme. A atriz teria se inspirado na voz de Robert F. Kennedy Jr., que tem o problema. 

Kim Kuman, diretora executiva da NSDA, declarou: "A disfonia espasmódica não é uma voz horripilante; não é uma voz assustadora. É uma deficiência com a qual as pessoas convivem e não devem ser julgadas por isso".

Por sua vez, Jennifer Laszlo Mizrahi, presidente da ONG RespectAbility, criticou Nyong'o por utilizar a condição da disfonia espasmódica para definir um aspecto de sua personagem: "Conectar deficiências com personagens malignos marginaliza as pessoas com deficiências". Ela reforçou a necessidade de a sociedade "combater estigmas e criar oportunidades para as pessoas com deficiências".



A atriz já se desculpou. "É um grupo de pessoas bastante pequeno que sofre desse problema... Não pensei que poderia ofendê-los de alguma maneira. Essa não era a minha intenção. Na minha cabeça, eu não estava interessada em vilanizar ou demonizar a condição.(...) Eu compus a Red com amor e cuidado e queria que ela fosse inspirada em algo que soasse real. Por tudo isso, eu peço desculpas a todos que eu possa ter ofendido."



Embora Nós tenha algumas boas ideias, elas não conseguem ser transmitidas com unidade e firmeza. Por isso, é um pouco preocupante o fato de que alguns críticos estejam endeusando Peele e o comparando com Stanley Kubrick, Alfred Hitchcock e Steven Spielberg. As far as I am concerned, Nós permanecerá como mais um dos filmes que eu queria muito ver, mas que saí do cinema constrangido por ter visto.