segunda-feira, dezembro 31, 2007

Inland Empire




A trintona quase quarentona gordinha e faceira e o filho magro e sisudo de treze anos sobem as escadas do Unibanco Arteplex 1. Estou sentado numa das fileiras superiores, na seção central, numa poltrona mais ou menos no meio. A dupla sobe as escadas e senta-se na seção lateral à direita. Outras pessoas vão chegando aos poucos, a sessão atrasou – como, com toda polidez, o bilheteiro havia avisado – devido a um cálculo errado sobre a duração do filme anterior (Gigante, como o Inter conquistou o mundo). O clima na sala é de pura expectativa. Neste meio-tempo, a dupla anteriormente citada abandona o local escolhido, a mamãe passa sorrindo e pedindo licença, eu recolho as pernas e acompanho-a com o olhar até os dois se acomodarem na estreita seção de poltronas da esquerda. Mais pessoas vão sentando cá, ali, acolá, aqui e lá. Então mamãe e filho fãs de David Lynch levantam-se dos novos lugares escolhidos, descem alguns degraus e sentam-se novamente. A sessão está prestes a ter início. Um clima de água na boca no ar. A dupla dinâmica levanta-se mais uma vez e senta-se, agora definitivamente, na primeira fila da extrema esquerda, esperando, ansiosos, o início do banquete.
Sim, pois um filme de David Lynch é para cérebros o que a Festa de Babette é para olhos e estômagos: um cardápio rico e multicor, nutritivo e substancial. A digestão pode não ser muito fácil, mas o prazer sublime do consumo compensa. Mas e por que toda essa introdução sobre a indecisão da cinéfila mãe e do cinéfilo filho sobre onde sentar? Porque isso exemplifica um pouco o tipo de pessoa que estava no cinema. Fãs de Lynch são pessoas um tanto imprevisíveis, não-lineares, pouco dadas a seguirem uma mesma e repetitiva linha de ação. Lynchnianos são seres cientes de que pagar ingresso para ver um filme de Lynch é assinar um contrato de risco. Nada garante nada e nada se prende a nada nos próximos 120 ou 180 minutos. O que vai passar? Um filme sem pé nem cabeça, enigmático, como A estrada perdida, ou um filme com começo, meio e fim, como História real? Pouco importa. É um novo filme de David Lynch, que aos 22 anos virou pai e, baseado em suas experiências assustadoras, fez o primeiro e acachapante longa-metragem: Eraserhead (1978). O filme assombrou o produtor Mel Brooks que convocou o diretor novato para realizar O homem elefante (1980), a história de um homem gentil e culto interpretado por John Hurt que sofre de elefantíase e por isso é explorado como atração de circo. Em 1984, após ter declinado o convite para fazer O retorno de Jedi, lançou Duna, que, devido a uma série de cortes, ficou desfigurado, e o próprio Lynch pediu sem sucesso para que seu nome fosse retirado dos créditos. Em 1986 e 1990 fez dois filmes especialíssimos: Veludo azul e Coração selvagem. Veludo azul, com Dennis Hopper e Isabela Rosselini, explora o mistério sobre uma orelha cortada e os desejos masoquistas de uma bela morena, enquanto Coração selvagem traz o casal mais quente e alucinado do cinema (Lula Fortune / Laura Dern e Sailor Ripley / Nicolas Cage). Para mais detalhes sobre Coração selvagem, ler post neste blog. Twin Peaks: Fire Walks With Me (1992) aproveita o sucesso da séria televisiva; o quebra-cabeças A estrada perdida (1997); o belíssimo História real (1999), o mais concreto e rural dos filmes de Lynch (as lindíssimas cenas aéreas das lavouras são uma espécie de tributo à profissão do pai, pesquisador do Departamento de Agricultura) (mais detalhes sobre a biografia dele pode encontrar no livro David Lynch, resenhado aqui); e o onírico Cidade dos sonhos (2001) completam sua filmografia prévia. Abre parênteses. A julgar pela tendência tradutória dos recentes dois filmes, o próximo filme de Lynch será “'Alguma coisa' dos sonhos”: Mulholland Drive virou Cidade dos sonhos e Inland Empire virou Império dos sonhos. Fecha parênteses.
E tudo isso nos leva ao exato minuto em que as luzes se apagam e começa a passar Inland Empire, e Lynch começa a fazer uma queda de braço com a paciência do espectador comum. Por espectador comum, leia-se o neófito em assuntos lynchnianos. A queda de braço é a seguinte: quando você vai cansar e abandonar a sala? Quando vai ter sangue na veia o suficiente e simplesmente jogar a toalha? E é assim do princípio ao fim de Inland Empire. Mesmo para quem já conhece as piras de Lynch, em alguns momentos passa isso na cabeça. E foram várias pessoas que abandonaram a sessão. Pelo sitcom com homens-coelhinhos? Pelas demências de uma mulher traída? Pelas confusões de uma atriz decadente? Pela ausência de um fio condutor? Pela ausência de um fio? Pela ausência de um condutor? Pelo formato digital sem charme? Pela fotografia escura? Pela falta de noção? Pela falta de nós? Pela falta de ação? Não sei... sei não... O fato é que muitos desertaram, e me chamou a atenção uma hora que na tela aparece na legenda algo como “o que é que eu estou fazendo aqui” e, ato contínuo, vários espectadores aproveitaram a deixa e se arrancaram para respirar ar puro.
Ah sim, e o filme? Sim, Inland Empire (2006) é sufocante; uma experiência introspectiva, intimista e claustrofóbica. Um filme que exige muito a atenção do espectador, pois não há história linear para acompanhar; um filme que provoca muita tensão no espectador, a tensão de tentar entender, de amarrar os fios soltos e de formar um todo coerente. Sim, pois, conforme Charolles, por mais que nos defrontemos com algum texto aparentemente absurdo, todo texto é coerente, ou seja: tentamos vislumbrar um contexto ou uma situação em que aquele teórico absurdo adquira coerência. Pois bem, eis que o contexto é um filme de David Lynch. O elenco inclui Laura Dern e Justin Theroux, ambos com papéis duplos, mais Jeremy Irons, como o diretor de cinema.
Como o que me faz lembrar de Lynch são cenas, a cena que mais me tocou  

SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER
PLEASE DON'T READ IT IF YOU ARE A SPOILER-SENSITIVE PERSON 

foi aquela em que Laura Dern, ferida de morte, desaba na calçada da fama, no meio de duas mulheres, uma afro-americana e uma oriental, que avisam Laura placidamente que ela está morrendo e, a despeito disso, entabulam uma conversação envolvente sobre variados tópicos, não sem de vez em quando dedicar um pouco de cuidado à moribunda que vomita sangue e estrebucha no meio delas. A afro-americana inclusive fala palavras de conforto e acende a luz bruxuleante do isqueiro na frente da que está morrendo pouco antes de ela expirar. É a típica situação lynchniana, surreal e ao mesmo tempo desconcertante, por isso bonita. Essa cena se passa bem ao fim do filme, portanto, depois que os desistentes se foram. No jogo de paciência com o espectador, o mais fiel e mais resistente é recompensado com a cena mais surpreendente e refrescante do ano.
Não recomendo este filme para ninguém, nem tampouco quero defendê-lo, ou sugerir que quem abandonou o cinema não tinha motivos para isso. A graça do cinema de Lynch é justamente essa: cada um tire suas próprias conclusões. Se você foi ver este filme e odiou, isso não faz de você uma pessoa menos intelectual que a trintona gordinha e faceira e o filho magrinho e sisudo, que permaneceram até o fim dos créditos. E que créditos!
Aproveito o ensejo para dedicar aos leitores deste blog um 2008 tão cheio de surpresas e tão fora dos padrões lineares quanto Inland Empire.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

No vale das sombras

Paul Haggis, ao roteirizar Million Dollar Baby (2004), ganhou cacife para escrever e realizar Crash (2005). O filme surpreendeu e venceu o Oscar 2006. Agora Haggis reúne em O vale das sombras (In the valley of Elah, 2007) ninguém menos que Tommy Lee Jones, Susan Sarandon e Charlize Theron. De um elenco assim, não se espera menos que atuações estudadas e contidas, e é isso que temos. A cena com o diálogo ao telefone entre Lee Jones e Sarandon, com revelações sobre o paradeiro do filho, pode ser um bom exemplo do nível de competência desses atores. Tommy Lee Jones é Hank Deerfield, pai do soldado Mike (Jonathan Tucker), recém chegado da Guerra do Iraque. O filho não se comunica com a família e desaparece. Hank se despede da mulher Joan (Sarandon) e guia durante um dia inteiro até chegar à base militar em que o filho deveria estar. Uma cena emblemática para definir a personagem de Hank se passa nessa viagem. Num prédio à beira da estrada, ele nota a bandeira americana hasteada de cabeça para baixo. Um minuto depois, está ensinando a pessoa que havia hasteado a bandeira ao contrário – um estrangeiro – e explicando que hastear uma bandeira invertida significa que há algo errado com o país e que a nação precisa de ajuda. Com a bandeira hasteada do modo certo, segue viagem. Ao chegar na base, ninguém sabe dizer nada sobre onde está seu filho. Ele pede ajuda à investigadora Emily Sanders (Charlize Theron), que a princípio nega porque o caso envolve pessoal do exército.
O roteiro é cheio de detalhes bons, como o contato de Hank com um expert em mídia, que vai restaurando e enviando por e-mail os arquivos contidos no celular do filho Mike. Assim, o pai pode acompanhar um pouco da assustadora rotina do filho no Iraque. Cena digna de menção – e que dá título ao filme – é a em que Hank, após jantar na casa da investigadora, vai contar uma história para o filho dela. A história contada é a de Davi e Golias, passada no vale de Elah. É uma cena terna e bonita.
Em suma, um consagrado diretor, um elenco fenomenal, uma premissa interessante e um corpo esquartejado e queimado à beira de uma rodovia deveriam resultar sempre num ótimo filme. Mas não é o caso de O vale das sombras.
Há dois problemas que desvalorizam a película. O primeiro tem a ver com a incerteza de “gênero”. A partir de uma altura, o filme se transforma num ‘whodunnit’ meio capenga, e o norte do filme se perde. O mistério se desenvolve de um modo meio forçado e se precipita numa conclusão mal forjada. Mas o pior não é isso.
A qualidade de O vale das sombras é posta em xeque no momento em que se percebe que é um filme realizado nos mínimos detalhes para provar uma tese. Desde o começo, os truques de um roteirista experiente e talentoso são usados para conduzir o pensamento do espectador para um ponto de vista, que é o do próprio autor. Não há contraponto, não há margem para interpretações. Esse é o tipo de cinema mais odiável e raso, o cinema de manipulação, o cinema de Michael Moore. Não fosse tão maniqueísta, O vale das sombras poderia ser um ótimo filme.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Diretores e compositores

Parcerias duradouras entre imagem e música eternizaram muitos filmes. Alma gêmea do diretor, o compositor capta toda a carga emotiva da imagem e a traduz em som incidental, em ritmo insistente, em divina melodia.

As psicoses, o instinto assassino e as neuroses do cérebro humano. A curiosidade, o suspense, a vontade de ficar sabendo. O medo, o arrepio, o susto pulando da tela. A aventura, a espionagem, toda enrascada em que alguém pode se meter. Os cenários, os trens, as estátuas, todas perseguições pelas encruzilhadas do mundo. O toque refinado, o humor negro e sutil. Todas facadas, todos tiros, todos crimes. Tudo está em Hitchcock e Hermann.

Os intermináveis segundos antes do duelo. O forasteiro que vem ajudar os oprimidos. O cenário desértico, a barba por fazer, a rapidez no gatilho. Um pistoleiro de aluguel com escrúpulos. Um spaghetti cujo molho é o sangue de malfeitores. Os faroestes clássicos de Leone e Morricone.

As perversões da alma desnudas. Um mergulho ao subconsciente, às entranhas das dúvidas e das aspirações mais íntimas do ego. Personagens patéticos e dementes contracenam com gente normal e comum. Situações nonsense ou simples cenas de amor. O sadomasoquismo, a rebeldia, a loucura. As imagens nervosas de Lynch embaladas ao som celestial de Badalamenti.

O rompimento, a crítica, o homem em face a uma situação extrema. Um visionário numa ilha. Um repórter numa revolução. Um menino testemunha um crime. Um estudante sobe na mesa para homenagear o professor. A simbiose de "Oh, captains, my captains" Peter Weir e Maurice Jarre.

A obsessão, a luxúria, a arquitetura. O canibalismo, a tatuagem, a plasticidade. Uma profundeza irreal, uma falsa superficialidade. Um Shakespeare, um artesão de parque. Um menino cantando com voz de anjo. A viagem onírica de Greenaway e Nyman.

O sofrimento de criaturas inacabadas. A agonia de pessoas alijadas. Lendas e heróis, contos e vilões, estórias de fantasmas e seres imaginários. Cabelos que nos tapam os olhos, uma tesoura que nos faz ver. A fantasia mágica de Burton e Elfman.

Uma escada espiral descendo para o subterrâneo do coração. Um lugar onde o sol não pega, onde o inverno sempre impera. Quatro personagens com sonhos de paz e felicidade. Quatro caminhos que se separam e levam a um só fim: a degradação, a dependência, o escapismo, o vício. Futuros promissores que se despedaçam. Vidas aniquiladas, sonhos amputados. A catarse de Aronofsky e Mansell.

O cinema não seria o mesmo sem esses casamentos perfeitos.

quinta-feira, novembro 29, 2007

Viagem a Darjeeling

The Darjeeling Limited (Viagem a Darjeeling, 2007) é o novo filme de Wes Anderson. Ter o próprio trabalho supervalorizado pode afetar o cérebro com facilidade; no caso de Anderson isso não acontece. Continua fazendo filmes como sempre fez: um tanto insossos, um tanto engraçados, um tanto prosaicos, um tanto geniais, um tanto pretensiosos, um tanto humildes. Conseguir reunir essas características por si só é fato digno de menção. Um espectador terá classificado de insossa a escolha de Anderson pelos atores de sempre para fazer mais um rail-road-movie na história do cinema; outro rebaterá que de insosso o filme não tem nada, muito antes pelo contrário: é divertido e além disso, road movies são fontes inesgotáveis. Alguém por exemplo terá achado pretensão o fato de um diretor ter inventado um 'curta-metragem' dirigido por ele próprio para abrir seu próprio filme, numa espécie de onanismo cinematográfico; outros terão achado prova de humildade a realização de um filme sem objetivo algum. Alguns terão achado prosaicas as situações criadas para demonstrar virtuosismo na mesa de edição, enquanto outro terá considerado genialidade a simulação de um curta que é na verdade um prólogo e uma jogada narrativa. Todos os raciocínios são defensáveis, e eu mesmo oscilo entre assumir um ou outro.
Sem dúvida, Viagem a Darjeeling não é um filme que aborrece. Natalie Portman nua em pelo em Paris, uma sensual indiana dizendo 'Não goza dentro' a um americano no banheiro do trem (cena que bem poderia ter como trilha sonora 'Meet me in the bathroom' dos Strokes), um resgate na correnteza e um encontro de três irmãos amalucados: isso pode ser tudo menos aborrecido.

Um ano após o falecimento do pai, Francis (Owen Wilson) convoca os dois manos Peter (Adrien Brody) e Jack (Jason Schwartzman) para uma jornada em busca da mãe (Angelica Huston) que abandonou tudo e virou missionária nos confins do subcontinente indiano. Lá, conhecem personagens locais como Rita (Amara Karan), a funcionária do trem, e o pai de três meninos de uma remota vila (Irrfan Khan). O contato com pessoas e culturas novas enriquece o espírito dos três norte-americanos, cuja bagagem consiste em pomposas malas herdadas do pai (de fabricação Louis Vitton, conforme os créditos fazem questão de frisar). Numa cena de flashback, o cineasta Barbet Schroeder faz uma ponta como o dono de uma oficina mecânica.

terça-feira, novembro 13, 2007

Planeta Terror



                                                                        
O texano Robert Rodriguez anunciou, em outubro de 2007, o fim do casamento de dezesseis anos com a produtora de cinema Elizabeth Avellan, com quem teve a filha Rhiannon e os filhos Racer, Rebel, Rocket e Rogue. A razão? Rose McGowan, a atriz que interpreta Cherry, a moça-metralhadora de Planeta Terror (Planet Terror, 2007). O longa de 93 minutos é, na verdade, parte do projeto Grindhouse, que inclui, além da película de Rodriguez, Death Proof, de Quentin Tarantino. O "programa duplo" imita as matinés da década de 70, em que os cinemas passavam vários filmes encordoados pelo preço de um. O público americano, porém, não entendeu muito bem a 'proposta', e muitos espectadores abandonaram a sessão ao término do primeiro filme. Isso fez com que a distribuição em outros países fosse feita separadamente.
A experiência de ver Planeta Terror inicia com a vinheta antes do trailer, com a classificação etária; a seguir, o aperitivo perfeito: o trailer de um filme que talvez muito provavelmente nunca será realizado, Machete, estrelando Danny Trejo, de Um drink no inferno. Então começa o 12º longa de Robert Rodriguez (desde que serviu de cobaia num teste de medicamentos contra colesterol para levantar dinheiro e filmar em 14 dias El mariachi - que em 1992 lhe deu prêmios nos festivais de Sundance e de Berlim -, o texano realizou, sucessivamente, Grande hotel, A balada do pistoleiro, Um drink no inferno, Prova final, Pequenos espiões, Pequenos espiões 2, Pequenos espiões 3, Era uma vez no México, Sin City e As aventuras de Sharkboy e Lavagirl). Nos créditos de abertura, nova brincadeira: em vez de 'Written and directed by...', aparece na tela 'Directed and written by...'. Essa inversão pode parecer desimportante, como tudo aliás nesse filme parece; porém diz muito sobre o clima de brincadeira que prevalece na película. Diga-se de passagem, para degustar uma experiência como Planeta Terror não apenas são requeridas do cidadão ou cidadã boa-vontade em 'entender o espírito da coisa' e boa dose de tolerância à morbidez e à falta de noção; é necessária, também, uma inabalável queda por cenas de gosto e de humor duvidosos. Esses são os pré-requisitos mínimos para usufruir das cenas grotescas e estapafúrdias de Planeta Terror.
A forasteira Tammy (Stacey Ferguson) chega na cidade; o carro dela estraga e a loiraça vai à rodovia escura pegar carona. A anestesista Dakota (Marley Shelton) e o marido, o médico psicopata Dr. Block (Josh Brolin), preparam-se para o que aparenta ser apenas mais uma noite
de plantão no hospital. 









 
                                                                                           O casal sai, não sem antes a loirinha agir de modo suspeito ao telefone, e não sem antes duas babás gêmeas - não menos psicopatas - chegarem para cuidar de Tony (Rebel Rodriguez). Cherry (Rose McGowan) é repreendida pelo patrão porque chora ao dançar; ela manda o patrão àquele lugar e sai na noite fria. J.T. (o sumido Jeff Fahey) é o dono do Bar B Q, e um obcecado por encontrar a receita do churrasco perfeito. Seu irmão, o xerife Hague (o sumido Michael Biehn), é o responsável por manter a tranquilidade da cidade; uma de suas preocupações é o encrenqueiro Wray (Freddy Rodriguez), ex-namorado de Cherry. A vida dessas personagens será afetada pelas patéticas ocorrências em uma base militar situada perto do local. Entre as peripatéticas participações especiais, Bruce Willis como o chefe dos infectados, Quentin Tarantino como o estuprador e Tom Savini (que fazia os efeitos especiais nos filmes de George Romero e em 1990 assinou a refilmagem de A noite dos mortos vivos) como Tolo, um dos ajudantes do xerife. Ame, odeie ou escreva uma resenha.

quarta-feira, outubro 31, 2007

People - Histórias de Nova York

A estrela em ascensão Maggie Gyllenhaal em Mais estranho que a ficção interpretou a simpática dona de uma confeitaria fiscalizada pela receita federal; neste filme de Danny Leiner, Maggie continua no ramo das guloseimas: é a sisuda Emme, proprietária e "designer" da empresa The Great New Wonderful (o título original do filme), cujo nicho de mercado é projetar e executar a confecção de tortas estilizadas, de vários andares, para fregueses burgueses dispostos a investir uma grana considerável no bolo da festa. Emme comanda a equipe que visita clientes em potencial e mostra o incrível portfólio de bolos exóticos. Em vez de desenvolver as personagens dessa história, Danny Leiner opta por, aparentemente, diluir a "unidade temática" e acompanhar a rotina de outras pessoas, cujo único ponto em comum, aparentemente, é viverem na mesma cidade - Nova York. O filme se passa em setembro de 2002, e o clima na cidade é de reconstrução pelo aniversário dos atentados 11 de setembro. O metódico psicólogo Dr. Trabulous (Tony Shalhoub) tenta fazer vir à tona a raiva contida de um cliente aparentemente bem, mas no fundo perturbado por ter presenciado uma tragédia. Um casal tem problemas com o filho obeso, mimado e violento. Os seguranças Avi e Satish atuam como frilas na salvaguarda de insignificantes chefes de estado que visitam a cidade; entre um trabalho e outro, avaliam suas vidas e conquistas. A grande atriz Olympia Dukakis (Feitiço da lua) interpreta Judy Berman, senhora que não dialoga com o marido e reencontra um amigo de infância. Cinco crônicas de uma cidade que se recupera do choque e reconstrói sua auto-estima, cujas personagens vão se encontrar num momento prosaico. Cabe ao espectador costurar as - aparentemente - desconectadas histórias e descobrir sua "unidade temática".

terça-feira, outubro 16, 2007

Tropa de elite

Formado em administração de empresas, José Padilha, 40, tem, além de percepção estética, faro comercial. Sabe escolher os temas que vai abordar e, ao juntar R$10 milhões para fazer Tropa de elite, calculava obter bom retorno na bilheteria, com 2,5 milhões de espectadores. Não contava, entretanto, que cópias do filme vazassem devido à ação inescrupulosa dos técnicos de legendagem, o que provocou uma avalanche de pirataria sem precedentes. Estima-se que mais de 3 milhões de brasileiros tenham assistido ao filme antes da estréia nos cinemas. Mas a celeuma da pirataria e o 'boca-a-boca' das pessoas que viram as cópias clandestinas não parecem ter prejudicado o potencial de desempenho nos cinemas: no primeiro fim-de-semana o filme já alcançou 700 mil espectadores.
Padilha iniciou sua carreira no mundo cinematográfico na produção de documentários, como Os carvoeiros (1999, com direção do britânico Nigel Noble) e Estamira (2004). Estreiou na direção com Ônibus 174 (2002), contando a história de Sandro Nascimento, autor do seqüestro que paralisou o Brasil em junho de 2000. Tropa de elite (2007) é seu primeiro filme de ficção.
Baseado no livro Elite de tropa, em que o antropólogo Luiz Eduardo Soares, inspirado em narrativas dos policiais André Batista e Rodrigo Pimentel, cria uma rede de episódios que revelam aspectos do comando, do treinamento e da atuação do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), Tropa de elite mantém a preocupação social de Padilha; agora, porém, o ponto de vista é o da polícia.
Não à toa que o atribulado Capitão Nascimento (Wagner Moura) tem esse nome. Nascimento - mesmo sobrenome do seqüestrador do ônibus 174 - é o fato que motiva o capitão a ouvir as súplicas da mulher, que está esperando um filho, e a pedir o afastamento do front do BOPE. Para isso, Nascimento precisa encontrar um substituto à altura de seu sangue frio e sua perícia operacional.
Aí que entram na história os "aspiras" André Matias (André Ramiro) e Neto (Caio Junqueira), dois amigos de infância que entraram na polícia repletos de ideais e boas intenções. Aos poucos, começam a ver como tudo funciona, mas não se rendem ao "sistema": permanecem honestos e dispostos a combater a corrupção. Os dois acabam selecionados para fazer o curso que permite a entrada no BOPE e, enquanto são avaliados pelo Capitão Nascimento, passam por experiências que causam mudanças de comportamento.
Talvez a mudança mais chocante ocorra com o aspirante André Matias, o bom moço estudante de Direito, que, para conviver no meio universitário de modo anônimo, faz vistas grossas quanto ao consumo de maconha pelos colegas. Boas cenas de violência e ação não faltam à Tropa de elite, mas uma das grandes cenas do filme se passa na sala da faculdade, em que André participa - inicialmente, calado - de um debate em que os policiais são tratados como corruptos. Outro complicador é a paixão de André por Maria (Fernanda Machado), que trabalha numa ONG encravada numa favela dominada por traficantes.
Na verdade, em Tropa de elite, as personagens têm importância secundária. O que vale é a "verdade por trás da ficção", ou seja, o quanto os episódios contados no filme retratam aspectos da realidade do meio policial. É a revelação dessa realidade espantosa que faz os espectadores terem a necessidade de falar e meditar sobre o filme.

domingo, setembro 23, 2007

Ligeiramente grávidos

O filme de estréia do roteirista e diretor Judd Apatow, O virgem de quarenta anos, rendeu 110 milhões de dólares e boas críticas, além de lançar ao estrelato Steve Carell. Nascido em 1967, Apatow obtém no segundo filme resultados não menos surpreendentes: 150 milhões de dólares, novamente com um elenco sem figurões. Os motivos do sucesso? Os mesmos que os do primeiro filme: uma premissa interessante, um roteiro simples, um elenco engajado e algumas cenas diferenciadas. E o que distingue um bom filme de um filme mediano, senão algumas cenas diferenciadas?
Knocked up (Ligeiramente grávidos, 2007) é a crônica de um romance casual que, por um detalhe logístico, transforma-se em assunto sério. Alison Scott (Katherine Heigl) trabalha na TV e, na semana em que recebe uma promoção, sai para dançar com a irmã Debbie. As duas bonitas loiras furam a fila de uma casa noturna, graças ao olhar clínico e ao crivo do porteiro. Lá dentro, dançam e recebem assédio de uns rapazes. Debbie tem que sair pois o marido ligou e a filha está com catapora. Alison fica, então, à mercê do recém-conhecido Ben Stone (Seth Rogen), um never-do-well cuja principal atividade é a criação de um site na Internet sobre nudez em filmes que nunca entra em funcionamento. Mas ele é atencioso, simpático e Alison está a fim de comemorar. Quando, depois de muitas cervejas, Ben recebe um convite para ir à casa de Alison, mal consegue acreditar em sua sorte. Alison só lembra do fato de novo dois meses depois, quando passa a sentir enjôos. O teste de gravidez dá positivo e ela manda um e-mail a Ben.
Entre as cenas diferenciadas, está a que Alison, grávida de sete meses, e a irmã Debbie tentam entrar no mesmo estabelecimento do começo do filme. O diálogo entre Debbie e o porteiro é dessas pérolas que tornam bom um filme que seria mediano. A propósito: como foi dito, Ligeiramente grávidos funciona, entre outros motivos, devido ao elenco sem estrelas, porém engajado. E há maior engajamento que o trabalho em família? Leslie Mann, a atriz que interpreta Debbie, é a mulher do diretor Judd Apatow. E as duas meninas da película são as filhas Iris e Maude Apatow. Raridade em cartaz: comédia norte-americana não apelativa e com sinais de inteligência.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Hairspray


Antes de falar sobre Hairspray (2007), umas palavras sobre o autor do 'source material': John Waters. Diretor fora do mainstream, na década de 70 especializou-se em filmes escatológicos estrelados pela travesti Divine, como o célebre Pink Flamingos (1972). Suas películas mais recentes são Cry Baby (1990), com Johnny Depp, Serial Mom (Mamãe é de morte, com Kathlen Turner, 1994) e A Dirty Shame (2004). O Hairspray original é de 1988, com Divine fazendo o papel de Edna Turnblad. Na nova versão, dirigida por Adam Shankman, Edna é interpretada por John Travolta.
Para Tracy Turnblad (Nicole Blonsky), o amanhecer é motivo de alegria em Baltimore. Sua vida é freqüentar o colégio e assistir ao "Corny Collins Show", em que vários dançarinos se apresentam. O sonho de Tracy é um dia participar do programa. O único problema é que... bem, o único problema é que Tracy é filha de Edna, e herdou da mãe, senão a altura, a sua, vamos dizer... fofura. Mas Tracy não é uma fofinha 'recalcada', muito antes pelo contrário: adora dançar e não tem vergonha de suas formas convexas. Quando uma dançarina do Collins Show precisa ser substituída devido à gravidez, abre uma vaga e Tracy tenta a sua sorte, junto com a amiga Penny Pingleton (Amanda Bynes). John Travolta e Christopher Walken estão hilários como Edna e Wilbur Turnblad, os pais de Tracy. O elenco de apoio é forte: Queen Latifah (a líder comunitária Motormouth Maybelle, que defende a integração racial), Michelle Pfeiffer (a produtora maquiavélica Velma von Tussle) e James Marsden (o engomado apresentador Corny Collins). Por sua vez, a estreante Nicole Blonsky não decepciona no papel de Tracy. Boa diversão, respeitando a tradição dos musicais norte-americanos.

A última cartada


O diretor Joe Carnahan tem no currículo Blood, Guts, Bullets and Octane (1999) e Narc (2002). Tido como (mais um?) seguidor de Guy Ritchie e Quentin Tarantino, seu novo filme é Smokin' Aces (A última cartada, 2007).
O enredo envolve um homem com coração a prêmio - o sem personalidade Buddy Aces Israel (Jeremy Piven) - e a peregrinação de policiais e matadores de aluguel até o hotel de luxo, situado em Lake Tahoe, na divisa da Califórnia com Nevada, onde o imbecilizado alvo passa os dias cheirando cocaína e transando com prostitutas. O roteiro imita filmes de outras décadas e apresenta um por um todos os candidatos (entre eles, os alucinados irmãos Tremor) a obter a recompensa de 1 milhão de dólares, que, segundo corre o boato, será paga pelo mafioso Primo Sperazza (Joseph Ruskin) a quem matar Aces - e extirpar seu coração. Paralelamente, o FBI monta uma parafernália para proteger Aces. Andy Garcia e Ray Liotta são policiais, enquanto Ben Affleck e Alicia Keys (na foto), caçadores de recompensas.
O melhor que o filme tem a oferecer, além da carnificina inevitável, é o diálogo cínico entre dois matadores no estacionamento. Não recomendado para mulheres grávidas e outras pessoas sensíveis.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Paranoia

Em Janela Indiscreta (Rear window, 1954), de Alfred Hitchcock, o fotógrafo interpretado por James Stewart tem a perna quebrada e precisa ficar de molho em seu apartamento, sob os cuidados de ninguém menos que Grace Kelly. Sem alternativas melhores para passar o tempo, entrega-se ao voyeurismo e, pela janela dos fundos, passa a esquadrinhar o prédio vizinho e fica intrigado com o comportamento estranho de um de seus moradores.
Essa ideia do voyeur que presencia - ou pensa que presencia - um crime no imóvel próximo foi reciclada em Dublê de corpo, de Brian De Palma, e agora é aproveitada em Paranoia (Disturbia, 2007).
O jovem Kale (Shia LeBeouf), após uma pescaria tranqüila com o pai, guia a pickup no caminho de volta para casa. O que acontece nesse dia deixa-o traumatizado e, por conta desses distúrbios emocionais, um ano depois, agride o professor de espanhol e é condenado à prisão domiciliar. Um sensor é colocado no tornozelo do jovem de 17 anos, limitando sua movimentação num raio de 30 metros a partir do seu quarto. Esse é ponto de partida para que o perturbado Kale começasse a usar seu tempo de modo destrutivo, ignorando as súplicas de sua mãe Julie (Carrie-Anne Matrix Moss). Inevitável nesse processo que Kale ficasse conhecendo a rotina de todos os vizinhos. Diferente do fotógrafo de Janela indiscreta, cujo campo de visão limitava-se a uma janela apenas, Kale tem várias à disposição, inclusive a que dá para a piscina de Ashley (Sarah Roemer), recém-chegada no bairro. Ao mesmo tempo em que mergulha na obsessão pela nova vizinha, Kale, com a ajuda do amigo Ronnie (Aaron Yoo), passa a investigar com bastante desconfiança os passos do misterioso Mr. Turner (David Morse).
Na atual carência de bons filmes de suspense, Paranoia não chega a ser uma decepção completa. Assina a direção D. J. Caruso (de A sombra de um homem, 2002 e Roubando Vidas, 2005), com história de Christopher Landon.

quinta-feira, agosto 30, 2007

Dolores O'Riordan em Porto Alegre


Na noite de 26 de agosto, um domingo um tanto frio, o público alternativo de Porto Alegre estava reunido no Teatro do Bourbon Country, esperando subir ao palco a pequenina Dolores O'Riordan, ninguém menos que a vocalista dos Cranberries, a banda pop irlandesa que lançou 5 álbuns e empilhou hits ao longo dos anos 90 até 2002, quando interrompeu (até nova ordem) a carreira ao lançar uma coletânea. Casada com Don Burton (que foi empresário do Duran Duran), com quem tem três filhos, Taylor, Molly e a caçula Dakota Rain, a irrequieta Dolores não ficou parada: lançou em maio de 2007 seu primeiro disco solo, Are you listening? O show de Porto Alegre foi uma mistura bem dosada de hits do Cranberries (entre eles Zombie, Ode to my family, Dreams, Salvation e Linger) com as canções novas (como Ordinary day, Accept things, Black widow, October, Stay with me e When we were young).

O show teve duas partes bem distintas. Na primeira, com calça e jaqueta pretas, Dolores parecia a antítese de uma rock star, meio na dela; com sua voz poderosa, enfatizou canções introspectivas, como a emotiva Stay with me, dedicada a seu pai. Então a bela irlandesa saiu do palco, e a afiada banda continuou tocando por alguns minutos uma música bem experimental. Na próxima Dolores voltou de braços à mostra, gesticulando mais: o show ficou mais rock na veia; mas não há rock sem baladas, e bonitas baladas foram a especialidade dos Cranberries.
A boa notícia para os fãs é que as canções de Are you listening? não perdem para as antigas. Salvation is free!

Dedico a tradução a seguir para a aniversariante Andrea e ao lindo menino que gostou do show (e vai nascer em outubro).

Ordinary Day Dolores O'Riordan

This is just an ordinary day / Este é só um dia como outro qualquer
Wipe the insecurities away / Deixe as inseguranças pra lá
I can see that the darkness will erode / Posso ver: a escuridão vai desaparecer
Looking out the corner of my eye / Espiando com o canto do olhar
I can see that the sunshine will explode/ Posso ver: vai explodir a luz solar
Far across the desert in the sky / Longe através do deserto no céu

Beautiful girl / Linda (o) menina (o)
Won't you be my inspiration? / Não quer ser minha inspiração?
Beautiful girl / Linda (o) menina (o)
Don't you throw your love around / Não desperdice teu amor
What in the world, what in the world / O que neste mundo
Could ever come between us? / Pode ficar entre nós?
Beautiful girl, beautiful girl / Linda (o) menina (o)
I'll never let you down / Nunca vou te decepcionar
Won't let you down /Não vou te decepcionar

This is the beginning of your day / Teu dia apenas começa
Life is more intricate than it seems / A vida é mais intricada do que aparenta
Always be yourself along the way / Sempre seja você pelos caminhos
Living through the spirit of your dreams / E viva a essência de teus sonhos.

Foto: Trent Fernandes.

quinta-feira, agosto 16, 2007

Sem reservas

A Sra. Michael Douglas interpreta Kate, a exigente e meticulosa chef de um restaurante movimentado. Quando sua irmã, que tem uma filha pequena, morre num acidente, Kate precisa assumir a tutela da menina. Acontece que a geniosa Zoe (vivida pela pequena estrela em ascensão Abigail Little Miss Sunshine Breslin) era muito ligada à mãe e não aceita a nova situação de ter que morar com a tia, insatisfação também demonstrada pela recusa em comer os pratos sofisticados preparados por ela. In the meantime, a ajudante da chef, que estava grávida, entra em licença maternidade e Nick (Aaron Eckart), um chef especializado em comida italiana, é contratado. Comédia inofensiva do diretor australiano Scott Hicks (Shine, 1996), versão pasteurizada da película alemã Simplesmente Martha, feita sob medida para Catherine Zeta-Jones.

Duro de matar 4 - Live free or die hard

Bruce Willis alcançou a fama primeiro na TV, no seriado A gata e o rato (Moonlighting), sobre a atrapalhada agência de detetives Blue Moon, em que contracenava com Cybill Shepherd. O seriado misto de aventura e comédia (que, por sinal, teve as primeiras temporadas lançadas em DVD no Brasil, na versão dublada, e sem opção de legendas) durou de 1985-89 e rendeu a Willis (que na época ainda tinha cabelo) um Globo de Ouro. O sucesso na série levou-o a estrelar Die Hard (1988), cujo protagonista, o teimoso policial John McClane, igualmente caiu nas graças do público - tanto que alcança sua terceira seqüência, e com fôlego.

Agente desertor da CIA resolve tumultuar a vida do povo norte-americano em pleno 4 de julho; para isso, utiliza-se do trabalho ilícito de uma rede de hackers para invadir sistemas e colocar em pane todos os serviços de infra-estrutura do país. Para salvar o mundo digital, um policial do mundo analógico: John McClane é escalado para localizar Matt Farrell (Justin Long), um dos hackers, que passa a ser perseguido pelos bandidos, que querem eliminar todas pessoas capazes de em tese reverter a polvorosa em andamento.
Um dos lances legais do roteiro é justamente esse: não há ameaça 'externa', desta vez, o mal vem das próprias entranhas do tio Sam. Há também boas tiradas quanto à questão da evolução científica. Enfim, o roteiro pouco importa: John McClane está de volta, em grande estilo. A propósito, o diretor não podia ser melhor: Len Wiseman, que tem no currículo nada menos que dois clássicos do pseudo-terror dark moderno: Anjos da Noite e Anjos da Noite - A Evolução, este último, comentado aqui em abril de 2006 (ver arquivo).

A vida secreta das palavras

A deficiente auditiva Hanna (Sarah Polley) é aconselhada pelo chefe da indústria a tirar férias. Nada a ver com a qualidade do seu trabalho: ela nunca falta e é super eficiente. Quanto à audição, o aparelho que usa a permite escutar. O verdadeiro problema é que Hanna nunca tirou férias e o sindicato pode reclamar.
Assim, a introvertida Hanna entra em férias um pouco a contragosto. Vai para a Irlanda do Norte, onde, num bar, escuta a conversa de um cara sentado à mesa ao lado. Ao que parece, estão procurando uma enfermeira para cuidar de um homem que sofreu queimaduras numa plataforma de petróleo instalado no Mar da Irlanda. Hanna, talvez por não conseguir ficar sem trabalhar, ou talvez por ser altruísta, ou ambas as alternativas, prontamente se oferece à missão. Essa personagem impulsiva e enigmática é o centro do filme da espanhola Isabel Coixet, uma produção de Pedro Almodóvar.


Na distante plataforma, Hanna chega de helicóptero, passa a cuidar de Josef (Tim Robbins) e a conhecer os poucos habitantes do local, que está com o mínimo de pessoal, depois do acidente que provocou uma morte: o cozinheiro, o faxineiro, o coordenador, um pesquisador e poucos funcionários. Mas o filme é mesmo sobre Hanna e Josef, o modo com que os dois vão se conhecendo, ele muito curioso sobre ela (devido aos ferimentos, está temporariamente privado da visão), ela muito reticente em dar qualquer espécie de informação sobre si. À medida que o tempo passa, a confiança entre os dois aumenta, culminando com revelações pungentes sobre o passado de ambos, que ajudam a entender o modo de ser e agir de cada um. Neste ápice bem nítido - uma seqüência na qual toda a verossimilhança da obra poderia ser colocada em risco - Polley e Robbins não decepcionam e, sob a mão segura de Coixet, entregam uma cena intensa, que contribui para compreender A vida secreta das palavras.

terça-feira, julho 31, 2007

Colhendo morangos silvestres


Descobrir o cinema de Ingmar Bergman é educar os sentidos para uma experiência nova e edificante, é abrir os olhos para um cinema onde a recriação da vida se cristaliza, os personagens têm carne e osso, epiderme e coração, alma e substância, fraquezas e qualidades.
Colocar um filme de Bergman no prato do DVD é uma decisão corajosa. Nos próximos aproximadamente 120 minutos vou aprender como se faz cinema sério e sem apelações. Vou tirar um tempo para conhecer até onde a sétima arte pode chegar em termos de qualidade de roteiro, direção, interpretação e simplicidade.
Vou deixar de lado a pipoca e me concentrar em cada frase, cada movimento de câmera, cada nuance de luz; cada circunstância, cada dilema, cada momento dramático e especial.
Vou esquecer que o cinema americano enlatado existe. Vou mandar ao diabo as explosões, os tiroteios sem nexo, as caricaturas, as piadas forçadas, as perseguições. Vou desopilar meus neurônios, vou rejuvenescer meus axônios, vou abrir a cachola e deixar o cérebro arejar, pegar um sol, se livrar dos ácaros e do mofo.
Vou aprender a ser cinéfilo de verdade.
Assisti a Morangos Silvestres ontem.
Morangos, quem não colou em botânica deve lembrar, são frutos compostos, ou seja, cada polpa saborosa e perfumada tem inúmeros e minúsculos frutos incrustados em sua volta. Da mesma forma, cada personagem de Bergman é multifacetado, é tridimensional, não cabe em análises lineares e superficiais.
A empregada do professor Borg, por exemplo. É uma personagem tão real, é um papel tão verídico que nem pode ser chamado de coadjuvante. Pois sem sua fiel escudeira, o professor Borg não conseguiria chegar a lugar nenhum.
Muito menos, arrumar a mala para uma viagem à cidade onde lecionou, onde será homenageado com um título honorífico. O espectador fica ciente da auto-ironia do professor Borg (Victor Sjolstrom) quando este diz de si para si merecer, na verdade, o título de idiota honorífico.
"Morangos Silvestres" (1957) conta este dia da vida do Prof. Borg, não um dia comum: o dia em que ele viaja para receber o tal título. De cara, já muda os planos. Em vez de avião, decide ir de carro, para a surpresa da empregada.
E, como Bergman costuma fazer, surpreende o espectador ao introduzir personagens inesperados. Quem imaginaria que na casa do professor rabugento e sua empregada, estaria hospedada a nora Marianne (Ingrid Thulin, o suprassumo da perfeição sueca), que na última hora pede para ir junto?
Enquanto é tempo: não pense o leitor que "Morangos Silvestres" é um "filme-cabeça", um daqueles filmes chatos e arrastados, inócuos e intelectuais. "Morangos Silvestres" é antes de tudo isso: um road movie.
Se eu entendesse de carros poderia dizer que carro é o do Prof. Borg, mas ficamos assim: é um enorme carro preto, que, como os fatos irão demonstrar, é capaz de transportar até sete pessoas com facilidade.
Durante a viagem, Borg pára em um local conhecido e revisita o canteiro de morangos silvestres. O cheiro dos frutos revive memórias de sua juventude. E o filme vai contando um pouco da vida passada do professor, ao mesmo tempo em que são inseridos novos personagens, que parecem vir do passado, na forma de Sara, uma loirinha sapeca que pede carona ao professor.
Entre os novos passageiros surgem o noivo de Sara, e outro rapaz, também apaixonado por ela. O noivo quer ser pastor, toca violão e acredita em Deus. O acólito é um agnóstico; para ele, o homem moderno deve acreditar em si e na morte biológica. Com essa dualidade em forma de gente, Bergman vai acrescentando elementos que ajudam o professor Borg neste balanço de sua vida.
A viagem de Borg irá incluir um bizarro acidente; uma visita à sua mãe, mulher idosa, porém ativa; uma parada no posto de gasolina cujo dono é Max von Sidow; uma conversa franca com a nora; onde esta vai revelar detalhes do relacionamento conturbado com o filho de Borg, e inúmeros fragmentos de sonhos que perseguem o professor.
O cinema de Bergman é o típico cinema de autor, com personalidade e estilo marcantes. Um cinema que influenciou muitos dos melhores cineastas das gerações seguintes. Influência não só no cinema. Clarice Lispector, por exemplo, era fissurada em Ingmar Bergman.
Morangos como esses não se encontram nos supermercados e nas hortas. Não têm apelo fácil. Não vêm empacotados e plastificados, rotulados e carimbados. É preciso se aventurar, arriscar, caminhar no campo à sua procura. É preciso aprender o lugar e a época certos para encontrá-los. Sua aparência não será a de morangos adubados, pulverizados e selecionados. São frutos que cresceram livremente, aproveitando a fecundidade natural do solo, frutos de forma e tamanho desuniformes, porém puros.
(Texto escrito em setembro de 2002).

domingo, julho 08, 2007

O hospedeiro

2002. Cientista americano trabalhando em Seul ordena colaborador local a despejar litros de produto químico de alta toxidez no ralo da pia do laboratório. 'Mas esse produto perigoso vai parar no Rio Han,' protesta o cientista sul-coreano. 'Obedeça', diz o ianque.
Com essa rápida cena, Bong Jong-Hoo (diretor de Puhran dah suh uigeh, 2000, microcosmos da sociedade sul-coreana, e Memories of Murder, 2005, baseado em caso verídico, sobre a investigação de uma série de estupros seguidos de assassinato) explica o que vai acontecer quatro anos depois, em 2006, ano em que se desenrola a maior parte da ação de O hospedeiro.
Antes de apresentar ao público a enorme teratologia gerada pela irresponsabilidade de um cérebro mesquinho, Bong mostra seus protagonistas humanos: a família do senhor Park Heui-bong (Byun Hee-bong), dono de um trailer que serve lulas e outros alimentos ao grande povo que usa a beira do Rio Han para lazer.
A família do pacato e justo Park inclui o filho, o meio devagar Gang-du (Song Kang-ho), que lhe ajuda no trailer e cuja maior realização foi lhe dar a neta Hyeon-seo (Ko A-seong), de treze anos de idade, por sua vez, grande admiradora da tia Nam-ju (Bae Doona), orgulho da família e premiada atleta do arco-e-flecha. Pouco mais tarde vai aparecer o terceiro filho de Park, Nam-il (Park Hae-il). Por incrível que pareça, não é na incrível criatura que habita o Rio Han que Bong baseia seu filme de 119 minutos: é nessa bem construída e caracterizada estrutura familiar.
Também para introduzir seus heróis o talentoso roteirista é extremamente econômico; o espectador não precisa esperar muito para começar a ficar com a respiração suspensa, os olhos arregalados e o queixo caído. A ação vertiginosa de O hospedeiro, com pitadas de ironia social e de crítica a governos totalitários, é uma mistura inusitada de nonsense, humor negro, ficção científica, melodrama, terror e terrir, para mencionar alguns dos ingredientes.
O fato de o filme imprimir um ritmo intenso de surpresas (leia-se maneiras surpreendentes de aproveitar velhos clichês) ajuda a explicar o sucesso mundial de crítica e público; e justamente porque o roteiro é 'uma surpresa após a outra' vou me abster de contar detalhes. O que não me impede de tentar explicar melhor o porquê desse monstruoso sucesso: O hospedeiro não é a fantástica história de um aterrorizante e gigantesco anfíbio; é a simples história de uma família que luta para resgatar um bem valioso.

quinta-feira, julho 05, 2007

She's having a baby

O roteirista, produtor e diretor John Hughes conquistou o público norte-americano na década de 80, com seu ciclo 'high school', que incluiu filmes como The breakfast club (Clube dos cinco, 1985, direção, produção e roteiro) e Pretty in pink (A garota de rosa-shocking, 1986, produção e roteiro, com direção de Howard Deutch). Ao longo da carreira, Hughes foi gradativamente abandonando a direção para se concentrar nos roteiros e na produção. Foi assim que alcançou seu maior sucesso comercial: Home alone (Esqueceram de mim, 1990), com Chris Columbus na direção. O filme gerou duas seqüências, e Hughes aproveitou o filão e roteirizou outros sucessos 'família': Beethoven (1992) e Dennis the menace (Dennis, o Pimentinha, 1993). Nas palavras do site Yahoo Movies, John Hughes 'em sua melhor forma, mistura com destreza a comédia e o drama, penetrando a tranqüilidade superficial suburbana para investigar a teimosa qualidade da vida americana moderna'.


Em 1988, Hughes escreveu, produziu e dirigiu "She's having a baby". O filme abre com Jake (Kevin Bacon) conversando com seu melhor amigo Davis (Alec Baldwin) dentro de um carro conversível, à frente de uma igreja. Jake Briggs está em dúvida. Davis coloca lenha na fogueira e tenta convencer Jake a desistir do casamento. Mas Jake é apaixonado por Kristy (Elizabeth McGovern) desde os 16 anos. Apesar do frio na barriga, entra na igreja para consumar o inexorável, o inevitável.

Essa comédia aborda os primeiros anos do casal Briggs, anos de readaptação e confronto com novas realidades. Jake precisa abandonar temporariamente o sonho de se tornar escritor: consegue um emprego de redator numa agência de publicidade. Quatro anos depois, começam as pressões dos pais por netos.

Comédia leve, sem apelações, com Gene Loves Jezebel, Bryan Ferry, Love and Rockets e Everything but the girl na trilha sonora. O jovem marido e futuro pai está sempre dando asas à imaginação e tentando responder a questões difíceis, e no final conclui que "o que estava procurando não era algo para ser encontrado, e sim para ser construído". Filme ideal para se assistir com a mão sobre uma graciosa barriga de 24 semanas, sentindo os chutinhos de um guri bem agitado.

quarta-feira, junho 13, 2007

Ventos da liberdade

O título original do filme de Ken Loach (The wind that shakes the barley; em tradução literal, O vento que balança a cevada) é o mesmo de uma canção do século XIX. Na película de Loach, os primeiros versos dessa canção são entoados de modo plangente por uma velha senhora, pranteando um parente morto pelos militares ingleses, durante a Guerra da Independência e da Partição (1919-1921).

A título de curiosidade, publico aqui a letra integral da canção:

I sat within the valley green, I sat me with my true love
My sad heart strove the two between, the old love and the new love
The old for her, the new that made me think on Ireland dearly
While soft the wind blew down the glen and shook the golden barley


'Twas hard the woeful words to frame to break the ties that bound us
But harder still to bear the shame of foreign chains around us
And so I said, "The mountain glen I'll seek at morning early
And join the bold united men
," while soft winds shake the barley

While sad I kissed away her tears, my fond arms round her flinging
A yeoman's shot burst on our ears from out the wildwood ringing
A bullet pierced my true love's side in life's young spring so early
And on my breast in blood she died while soft winds shook the barley


I bore her to some mountain stream, and many's the summer blossom
I placed with branches soft and green about her gore-stained bosom
I wept and kissed her clay-cold corpse then rushed o'er vale and valley
My vengeance on the foe to wreak while soft wind shook the barley


But blood for blood without remorse I've taken at Oulart Hollow
And laid my true love's clay cold corpse where I full soon may follow
As round her grave I wander drear, noon, night and morning early
With breaking heart when e'er I hear the wind that shakes the barley.


Escrita por Robert Dwyer Joyce (1836-1883), professor e poeta nascido em Limerick, fala de um jovem irlandês que, depois de ter a namorada morta, vai participar da rebelião irlandesa de 1798 (na qual os irlandeses declararam sua fé num futuro pacífico). Naquela ocasião, a rebelião foi controlada pelos ingleses. Segundo o site Wikipedia, as referências à cevada na canção decorrem do fato de que os rebeldes carregavam grãos de cevada e aveia nos bolsos, como provisões durante as marchas.

Essa não é a história contada por Ken Loach em seu filme homônimo, que lhe valeu a Palma de Ouro em Cannes 2006. Apenas tomou emprestado o título da canção, símbolo de um povo marcado pela violência. A canção fala em "foreign chains" e em "blood for blood"; simboliza tanto o desejo de se libertar do jugo inglês como o desejo de vingança, a vontade e a necessidade de lavar sangue com mais sangue.
Esses sentimentos impregnam a película de Ken Loach, no contexto da luta irlandesa para se tornar uma nação independente, liderada pelo IRA (Irish Republican Army), a partir de 1919. O filme acompanha a trajetória de Damien O'Donovan (Cillian Murphy), que, após presenciar o assassinato de um jovem irlandês de 17 anos pela milícia inglesa, desiste de prosseguir nos estudos para se unir ao Exército Republicano Irlandês. Seu irmão Teddy O'Donovan (Padraic Delaney) é um dos líderes locais do IRA, que intensifica as ações de guerrilha contra os ingleses, na base de olho por olho, dente por dente, o que obriga o governo inglês a procurar um acordo. Quando, porém, os demais revolucionários tomam conhecimento das bases do acordo assinado por Michael Collins (o comandante do IRA) com os ingleses, a maioria não concorda e decide continuar a guerrilha. É aí que o filme chega na parte mais triste: o que antes era um banho de sangue entre ingleses e irlandeses, agora se torna uma carnificina interna, entre os irlandeses que passam a controlar e fiscalizar o cumprimento do tratado, e aqueles rebeldes inconformados, que passaram a chamar Michael Collins de traidor. Entre estes, Damien, que passa a enfrentar o próprio irmão Teddy, oficial da nova polícia local.
Questões complexas e delicadas, abordadas por Ken Loach com coragem. Ventos da liberdade mostra bem as trágicas consequências do radicalismo de ambas as partes.

sexta-feira, junho 01, 2007

Homem Aranha 3

Agora que todos pseudocríticos já fizeram suas análises pseudoprofundas e pseudofilosóficas, todos moviefreaks infestaram as listas de cinema com suas freakmensagens freakestapafúrdias, todos patrulheiros-de-coincidências-no-roteiro de plantão já fizeram seus veementes protestos, agora, só agora, que não há mais perigo de escrever algum spoiler pois todo mundo já viu, pode um cinéfilo freethinker manifestar-se.
“Há coincidências demasiadas no roteiro.” “Que filme estou vendo? – perguntou, incrédulo, o namorado à namorada.” “Grande falha do diretor colocar um figurante parecido com o cara que faz o Duende Verde (Willem Dafoe)”. “O filme é um insulto à minha inteligência.” Etc.
Costumo ser leal aos diretores preferidos e, quando eles são criticados, aí mesmo que me dá vontade de defendê-los ferrenhamente. Não é o caso. Sam Raimi está na lista dos meus top ten, por várias razões que caberiam aqui, mas, além de já ter escrito sobre isso no post O alucinante olhar de Sam Raimi (http://olharcinefilo.weblogger.terra.com.br/200407_olharcinefilo_arquivo.htm), quero tentar fazer o exercício dos que se supõem superiores a seus gostos pessoais e capazes de serem ‘imparciais’, daqueles que dizem conseguir ‘sublimar’ esse respeito para com o diretor e deter-se apenas no produto em si: Homem Aranha 3.
Começando pela primeira alegação: segundo consta, quem levantou essa lebre foi um roteirista de Hollywood que fez uma crítica aberta ao roteiro de Homem Aranha 3, enumerando as supostas coincidências. E a partir do momento que esse suposto texto circulou na net, transformou-se numa verdade insofismável. E é verdade mesmo. O roteiro é uma série assustadora de incríveis coincidências encadeadas.
Quanto à constatação daquele espectador que não sabia que filme estava vendo: sentiu-se roubado porque o filme tem um momento em que muda um pouco o foco, o ritmo e o assunto, deixando de ser Homem Aranha 3 para ser “O que acontece com um homem quando a autossuficiência lhe sobe à cabeça”. Pertinente a reclamação.
A terceira queixa: na cena do bar numa mesa atrás da de Peter Parker, há um cara muito parecido com Norman Osborn/Duende Verde. A câmera passeia rapidamente no rosto de um sósia de Willem Dafoe, uns trinta anos mais novo. Igualmente incontestável.

Sobre o filme ser um insulto à inteligência seja de quem for, bem, aí já entramos na área pessoal.

De modo que, de certa forma, as quatro críticas procedem.



Entretanto, para fazer o contraponto, apresento algumas possíveis defesas às críticas:

Defesa 1 - coincidências elevadas à enésima potência: intencionais, com o objetivo de impregnar o filme com a característica de banda desenhada e não querer ‘intelectualizar’ um personagem que sempre foi popular;

Defesa 2 – Shakespeare em seus dramas sempre inclui trechos de alívio cômico, uma cena em que o tópico deixa de ser o motivo principal da peça para retratar uma faceta desconhecida do herói (vide a cenas dos coveiros em Hamlet ou a cena do porteiro em Macbeth); o trecho do filme em que Peter Parker está ‘se achando’ é nessa linha; sem falar que toda essa situação provoca um debate psicológico que enriquece o personagem e o filme;

Defesa 3 – o lance do sósia é uma sacada típica do Sam Raimi, ele fez por gosto, uma brincadeira com a plateia, a exemplo do que ele faz ao colocar o Bruce Campbell, o Ash de Uma noite alucinante, em uma ponta em cada um dos filmes da trilogia (1. apresentador das lutas; 2. porteiro do teatro; e 3. mâitre).

Defesa 4 - filmes de Sam Raimi provocam esse tipo de reação, desde o começo da carreira dele. Quando convidei uma galera de três colegas da graduação de Agronomia para ver o filme Uma noite alucinante no saudoso Cinema Cacique, um deles se matou rindo, o outro ficou neutro e o terceiro odiou. Achou Evil Dead II um insulto à sua inteligência. Acho que isso acontece sempre que o espectador não se deixa levar ou não entra no espírito do filme.

Mas a pergunta que eu gosto de responder quando vou assistir a um blockbuster de um ex-diretor independente: o diretor está mascarado? Há sangue dele no filme ou pasterizou-se por completo? Vendeu a alma ao sistema? A boa notícia é que Sam Raimi, se não continua o mesmo, não perdeu a centelha criativa e a capacidade de fazer cenas de cinema puro.

segunda-feira, maio 21, 2007

Cão sem dono

Vencedor de três prêmios no Festival do Audiovisual de Pernambuco – Melhor Longa Metragem, Prêmio da Crítica e Melhor Atriz –, Cão sem dono é a adaptação fílmica do primeiro romance do escritor Daniel Galera, intitulado Até o dia em que o cão morreu, lançado em 2003 pela editora Livros do Mal e relançado em 2007 pela Companhia das Letras. O autor, nascido em São Paulo, cresceu no RS e estreou com a coletânea de contos Dentes guardados. Em 2006, publicou Mãos de cavalo, sua segunda novela.

Até o dia em que o cão morreu, conforme Alex Castro, poderia ser enquadrado no que ele chama de “Escola urbana” ( http://www.sobresites.com/alexcastro/artigos/urbana1.htm): um movimento da literatura brasileira contemporânea que se caracteriza por protagonistas apáticos, mulheres objetos e ausência de enredo.

O livro de cem páginas conta a história porto-alegrense de um recém-graduado em Letras, especialista em russo e aspirante a tradutor literário, que conhece a modelo Marcela numa formatura e passam a noite juntos no apartamento quase sem mobília onde mora o rapaz. A partir dessa primeira noite, os dois passam a se encontrar com freqüência, sempre no despojado ap, conforme a vontade da moça. Os dois formam um casal improvável (ela muito bonita para ele), mas esta é outra característica da ‘Escola urbana’: protagonistas feios, sujos e malvados que traçam belas mulheres. No relacionamento aparentemente baseado em sexo não se pronuncia a palavra amor. (Mas não verbalizar não quer dizer não sentir). Desempregado e com dificuldades para pagar suas contas, o jovem vai almoçar na casa dos pais todo domingo. É deles o suporte financeiro para sua tentativa de vôo solo. Quando o pai lhe dá a real que não pode mais ajudá-lo, é Marcela, cuja carreira vai bem, que ajuda com o dinheiro do aluguel. Outros personagens do livro são: o porteiro que pinta quadros surrealistas e faz sorvete caseiro; o motoboy Lárcio (que atropela Marcela e, como pedido de desculpas, oferece um jantar em sua casa); Ana, a mulher de Lárcio, e, last but not least, Churras, o cachorro vira-lata.




O filme, roteirizado pelos diretores Beto Brant e Renato Ciasca, junto com Marçal Aquino, acrescenta pontos que não constam no livro e omite partes interessantes, como as recordações do protagonista sobre o avô. Entre os acréscimos, uma fala do pai de Ciro (o protagonista, que no livro não tem nome) com o filho à beira do Guaíba sobre problemas enfrentados no casamento devido ao uso de drogas.

É inevitável para quem leu o livro fazer comparações com o filme; por exemplo, a descrição física de Lárcio no livro não fecha com o Lárcio da tela – o que não impediu a atuação convincente do ator Marcos Contreras. Em compensação, o cão e o porteiro (Luis Carlos Coelho) estão perfeitos no quesito compatibilidade com o original e ''roubam" as cenas em que aparecem. Outra diferença: a causa mortis de Churras, detalhe importante no livro, não é mencionada no filme. O título alternativo “Até o dia em que o cão morreu” foi mudado para o comercial Cão sem dono. O roteiro permite-se citações literárias com tempero local, como a entrada de Ciro na livraria para comprar obras de Sérgio Faraco.
Quanto ao filme em si, sua melhor qualidade é a despretensão, que chega a níveis quase intoleráveis. O filme é tosco, dá a sensação de que não houve preocupação em repetir cenas (o que pode não ser verdade), e algo me diz que foi exatamente essa a intenção dos diretores Renato Ciasca e Beto Brant. Quando Marcela (a estreante Tainá Müller, a namorada de Daniel Galera) está com a perna enfaixada, tive a impressão até de que um erro de continuidade foi incluído propositalmente, para desconcertar ou deixar o público com a pulga atrás da orelha. Falando em pulgas, bem que o cão podia ter aparecido mais - ele some durante a parte final. Mas, na verdade, o verdadeiro cão sem dono do filme é Ciro (Júlio Andrade), imagem e personagem de uma Porto Alegre cinza e underground (com direito à cena na Garagem Hermética).

sexta-feira, maio 18, 2007

Contando, ninguém acredita!

Original

Brasil / Portugal

1. Requiem for a dream

Réquiem para um sonho / A vida não é um sonho

2. The fountain

A fonte da vida / O último capítulo


3. Charlotte's Web

A menina e o porquinho / A teia de Carlota

4. Flags of our fathers

A conquista da honra / As bandeiras de nossos pais

5. Relative strangers

Parentes perfeitos / Socorro, conheci os meus pais!


6. School for scoundrels

Escola para idiotas / Escola para totós


7. Little Miss Sunshine

Pequena Miss Sunshine / Uma família à beira de um ataque de nervos

8. Smokin' aces

A última cartada / Um trunfo na manga


9. The departed

Os infiltrados / Entre inimigos

10. The painted veil

O despertar de uma paixão / O véu pintado

11. One hour photo

Retratos de uma obsessão / Câmara indiscreta


12. Amores perros

Amores brutos / Amor cão


13. Dante's peak

Vulcano / O cume de Dante


14. Dragonfly
O mistério da libélula / O poder dos sentidos

15. My big fat Greek wedding

Casamento grego / Viram-se gregos para casar


16. Panic room

Quarto do pânico / Sala de pânico


17. For your eyes only

Somente para seus olhos / Missão ultra secreta


18. Analyze this

Máfia no divã / Uma questão de nervos


19. The best of the Muppets

O melhor dos Muppets / O melhor dos Marretas


20. Minority report

A nova lei / Relatório minoritário


21. Road to perdition

Estrada para a Perdição / Caminho para a Perdição


22. Moonsoon wedding

Casamento à indiana / Casamento debaixo de chuva


23. Charlie's Angels

As Panteras / Os Anjos de Charlie


24. Vertigo

Um corpo que cai / A mulher que viveu duas vezes

25. Stranger than fiction

Mais estranho que a ficção / Contando ninguém acredita

;)






domingo, abril 29, 2007

Miss Potter


A escritora e ilustradora Beatrix Potter (1866-1943) encantou gerações com sua série de livros que imortalizaram personagens como Peter Rabbit (The tale of Peter Rabbit, publicado em 1902, vendeu 40 milhões de cópias no mundo todo) e Jemima Puddle-Duck.

Sua vida e arte são abordadas em Miss Potter. Renée Zellweger é a delicada Beatrix e Ewan McGregor é Norman, o inexperiente, porém perceptivo editor das obras de Beatrix. Os seguidos contatos entre a artista e o homem de negócios provocam sentimentos inesperados no coração da solteirona de 36 anos, mas os pais aristocratas de Beatrix não aprovam a amizade.

O diretor australiano Chris Noonan - cuja realização mais famosa é "Babe, o porquinho atrapalhado", de 1995 - conta a biografia da artista londrina de modo enternecedor.

quarta-feira, abril 25, 2007

A colheita do mal

O diretor Stephen Hopkins tem no currículo A Hora do Pesadelo 5 (1989), Predador 2 (1990), A Sombra e a Escuridão (1996) e Perdidos no Espaço (1998). De 1999 a 2001, namorou a atriz Naomi Watts. (Sei, isso não tem relevância alguma.) Em 2004, dirigiu a co-produção da BBC e HBO The life and death of Peter Sellers, com Geoffrey Rush. O realizador nascido na Jamaica e educado em Londres agora ataca com The reaping (A colheita do mal, 2007), cujo maior trunfo é a presença de Hillary Swank. A atriz duplamente oscarizada é Katherine Winters, missioneira que, após um trauma familiar, torna-se uma pesquisadora cética. Através de explicações científicas, desmascara eventos "sobrenaturais" ou "milagrosos". Tipo de pessoa que deve ter como livro de cabeceira O mundo assombrado pelos demônios, a obstinada defesa da ciência magistralmente escrita por Carl Sagan.

Depois de solucionar um caso inicial (o cadáver de um padre intacto por 40 anos no Chile), Katherine é chamada a uma pequena cidade nos Everglades. O rio ficou vermelho e as pessoas acusam Loren McConnell (AnnaSophia Robb), uma menina de 12 anos, de ser a responsável. Com a ajuda de Ben (Idris Elba) e o assessoramento local de Doug (David Morrissey), Katherine procura uma explicação científica para a cor escarlate da água do rio. Retira amostras e manda para o laboratório. In the meantime, novos episódios estranhos acontecem, numa sucessão que imita as dez pragas bíblicas. Katherine tenta se aproximar da menina Loren, o que lhe evoca a lembrança da própria filha e do marido, assassinados no Sudão quando Katherine trabalhava como missionária.

Os problemas do roteiro são o mau uso das idéias e o modo como as 'explicações' são inseridas. A colheita do mal não faz jus ao gênero suspense/fantástico, tradicionalmente defendido por diretores de talento, como Alfred Hitchcock, Peter Jackson e Sam Raimi.

domingo, abril 08, 2007

300

O diretor Zack Snyder, de Madrugada dos Mortos
(http://olharcinefilo.weblogger.com.br/200404_olharcinefilo_arquivo.htm), baseia sua segunda e esperada película no homônimo álbum de HQ de Frank Miller sobre a Batalha das Termópilas, episódio da guerra entre gregos e persas, no século V a.C.

Nessa batalha, o bravo Leônidas recruta 300 dos melhores soldados espartanos, todos com filhos a quem legar o nome, com o objetivo de impedir o avanço das tropas persas por território grego. O plano de Leônidas (Gerard Butler), com a ajuda de 4000 combatentes de outras cidades-estado, é formar uma barreira humana inexpugnável no desfiladeiro das Termópilas - que, na época, possuía uma passagem de 12 metros de largura -, repelir as investidas, infligir perdas no numeroso exército persa (conforme Heródoto, um milhão de soldados; historiadores modernos calculam em 250 mil), e assim abater o ânimo dos comandados de Xerxes (Rodrigo Santoro). Uma das bonitas cenas do filme é o momento em que Leônidas parte com seus 300 soldados e se despede do filho e da rainha Gorgo (Lena Headey).

Há líderes em que a coragem, a obstinação, a estratégia, a ética e o amor à liberdade se reúnem de forma rara; há filmes onde o apuro, a honestidade, a energia, o idealismo e a paixão se unem de modo empolgante. Líderes como Leônidas, o rei de Esparta, e filmes como 300, de Zack Snyder.

Transamerica

Duncan Tucker estréia como diretor contando a história de Bree, diminutivo para Sabrina, cozinheira/garçonete numa modesta lancheria de Los Angeles. Em casa, Bree completa a renda como agente de televendas. Tudo seria normal na vida dessa discreta senhora, não fosse seu pênis. Bree é na verdade Stan, diminutivo para Stanley, um transexual na fila de espera para a operação de redesignação sexual. Para isso, precisa do aval da terapeuta Margaret (Elizabeth Peña). Quando Bree conta à psicóloga sobre a ligação inesperada de Toby (Kevin Zegers, de Madrugada dos Mortos), jovem de 17 anos recolhido a um reformatório que alega ser filho de Stanley, a cirurgia é adiada, a fim de que Bree/Stan possa resolver essa unfinished question.

Bree pega um vôo para Nova York, paga a fiança de Toby, apresenta-se como emissária de uma igreja e oferece ao jovem a possibilidade de acompanhá-la até Los Angeles, e lá começar uma vida nova.
Sem melhor opção, Toby aceita e os dois empreendem uma viagem de carro através da América, passando por muitos lugares, tendo contato com muitas pessoas, como o padrasto de Toby; o andarilho hippie a quem oferecem carona; Calvin (Graham Greene), o simpático descendente de índio por quem Bree se interessa; e a família de Bree, em especial Elizabeth (Fionulla Flanagan, de Os outros), que não aceita a opção do filho, mas se apaixona pelo neto Toby. A relação Toby - Bree evolui ao longo da viagem, à medida que as máscaras caem e as verdades se revelam. O trabalho da atriz Felicity Huffman (a Lynette do seriado Desperate housewives) como a protagonista valeu uma indicação ao Oscar e um Globo de Ouro. A produção do filme ficou a cargo de William H. Macy, marido de Felicity.