sexta-feira, junho 01, 2007

Homem Aranha 3

Agora que todos pseudocríticos já fizeram suas análises pseudoprofundas e pseudofilosóficas, todos moviefreaks infestaram as listas de cinema com suas freakmensagens freakestapafúrdias, todos patrulheiros-de-coincidências-no-roteiro de plantão já fizeram seus veementes protestos, agora, só agora, que não há mais perigo de escrever algum spoiler pois todo mundo já viu, pode um cinéfilo freethinker manifestar-se.
“Há coincidências demasiadas no roteiro.” “Que filme estou vendo? – perguntou, incrédulo, o namorado à namorada.” “Grande falha do diretor colocar um figurante parecido com o cara que faz o Duende Verde (Willem Dafoe)”. “O filme é um insulto à minha inteligência.” Etc.
Costumo ser leal aos diretores preferidos e, quando eles são criticados, aí mesmo que me dá vontade de defendê-los ferrenhamente. Não é o caso. Sam Raimi está na lista dos meus top ten, por várias razões que caberiam aqui, mas, além de já ter escrito sobre isso no post O alucinante olhar de Sam Raimi (http://olharcinefilo.weblogger.terra.com.br/200407_olharcinefilo_arquivo.htm), quero tentar fazer o exercício dos que se supõem superiores a seus gostos pessoais e capazes de serem ‘imparciais’, daqueles que dizem conseguir ‘sublimar’ esse respeito para com o diretor e deter-se apenas no produto em si: Homem Aranha 3.
Começando pela primeira alegação: segundo consta, quem levantou essa lebre foi um roteirista de Hollywood que fez uma crítica aberta ao roteiro de Homem Aranha 3, enumerando as supostas coincidências. E a partir do momento que esse suposto texto circulou na net, transformou-se numa verdade insofismável. E é verdade mesmo. O roteiro é uma série assustadora de incríveis coincidências encadeadas.
Quanto à constatação daquele espectador que não sabia que filme estava vendo: sentiu-se roubado porque o filme tem um momento em que muda um pouco o foco, o ritmo e o assunto, deixando de ser Homem Aranha 3 para ser “O que acontece com um homem quando a autossuficiência lhe sobe à cabeça”. Pertinente a reclamação.
A terceira queixa: na cena do bar numa mesa atrás da de Peter Parker, há um cara muito parecido com Norman Osborn/Duende Verde. A câmera passeia rapidamente no rosto de um sósia de Willem Dafoe, uns trinta anos mais novo. Igualmente incontestável.

Sobre o filme ser um insulto à inteligência seja de quem for, bem, aí já entramos na área pessoal.

De modo que, de certa forma, as quatro críticas procedem.



Entretanto, para fazer o contraponto, apresento algumas possíveis defesas às críticas:

Defesa 1 - coincidências elevadas à enésima potência: intencionais, com o objetivo de impregnar o filme com a característica de banda desenhada e não querer ‘intelectualizar’ um personagem que sempre foi popular;

Defesa 2 – Shakespeare em seus dramas sempre inclui trechos de alívio cômico, uma cena em que o tópico deixa de ser o motivo principal da peça para retratar uma faceta desconhecida do herói (vide a cenas dos coveiros em Hamlet ou a cena do porteiro em Macbeth); o trecho do filme em que Peter Parker está ‘se achando’ é nessa linha; sem falar que toda essa situação provoca um debate psicológico que enriquece o personagem e o filme;

Defesa 3 – o lance do sósia é uma sacada típica do Sam Raimi, ele fez por gosto, uma brincadeira com a plateia, a exemplo do que ele faz ao colocar o Bruce Campbell, o Ash de Uma noite alucinante, em uma ponta em cada um dos filmes da trilogia (1. apresentador das lutas; 2. porteiro do teatro; e 3. mâitre).

Defesa 4 - filmes de Sam Raimi provocam esse tipo de reação, desde o começo da carreira dele. Quando convidei uma galera de três colegas da graduação de Agronomia para ver o filme Uma noite alucinante no saudoso Cinema Cacique, um deles se matou rindo, o outro ficou neutro e o terceiro odiou. Achou Evil Dead II um insulto à sua inteligência. Acho que isso acontece sempre que o espectador não se deixa levar ou não entra no espírito do filme.

Mas a pergunta que eu gosto de responder quando vou assistir a um blockbuster de um ex-diretor independente: o diretor está mascarado? Há sangue dele no filme ou pasterizou-se por completo? Vendeu a alma ao sistema? A boa notícia é que Sam Raimi, se não continua o mesmo, não perdeu a centelha criativa e a capacidade de fazer cenas de cinema puro.

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