quinta-feira, dezembro 20, 2007

No vale das sombras

Paul Haggis, ao roteirizar Million Dollar Baby (2004), ganhou cacife para escrever e realizar Crash (2005). O filme surpreendeu e venceu o Oscar 2006. Agora Haggis reúne em O vale das sombras (In the valley of Elah, 2007) ninguém menos que Tommy Lee Jones, Susan Sarandon e Charlize Theron. De um elenco assim, não se espera menos que atuações estudadas e contidas, e é isso que temos. A cena com o diálogo ao telefone entre Lee Jones e Sarandon, com revelações sobre o paradeiro do filho, pode ser um bom exemplo do nível de competência desses atores. Tommy Lee Jones é Hank Deerfield, pai do soldado Mike (Jonathan Tucker), recém chegado da Guerra do Iraque. O filho não se comunica com a família e desaparece. Hank se despede da mulher Joan (Sarandon) e guia durante um dia inteiro até chegar à base militar em que o filho deveria estar. Uma cena emblemática para definir a personagem de Hank se passa nessa viagem. Num prédio à beira da estrada, ele nota a bandeira americana hasteada de cabeça para baixo. Um minuto depois, está ensinando a pessoa que havia hasteado a bandeira ao contrário – um estrangeiro – e explicando que hastear uma bandeira invertida significa que há algo errado com o país e que a nação precisa de ajuda. Com a bandeira hasteada do modo certo, segue viagem. Ao chegar na base, ninguém sabe dizer nada sobre onde está seu filho. Ele pede ajuda à investigadora Emily Sanders (Charlize Theron), que a princípio nega porque o caso envolve pessoal do exército.
O roteiro é cheio de detalhes bons, como o contato de Hank com um expert em mídia, que vai restaurando e enviando por e-mail os arquivos contidos no celular do filho Mike. Assim, o pai pode acompanhar um pouco da assustadora rotina do filho no Iraque. Cena digna de menção – e que dá título ao filme – é a em que Hank, após jantar na casa da investigadora, vai contar uma história para o filho dela. A história contada é a de Davi e Golias, passada no vale de Elah. É uma cena terna e bonita.
Em suma, um consagrado diretor, um elenco fenomenal, uma premissa interessante e um corpo esquartejado e queimado à beira de uma rodovia deveriam resultar sempre num ótimo filme. Mas não é o caso de O vale das sombras.
Há dois problemas que desvalorizam a película. O primeiro tem a ver com a incerteza de “gênero”. A partir de uma altura, o filme se transforma num ‘whodunnit’ meio capenga, e o norte do filme se perde. O mistério se desenvolve de um modo meio forçado e se precipita numa conclusão mal forjada. Mas o pior não é isso.
A qualidade de O vale das sombras é posta em xeque no momento em que se percebe que é um filme realizado nos mínimos detalhes para provar uma tese. Desde o começo, os truques de um roteirista experiente e talentoso são usados para conduzir o pensamento do espectador para um ponto de vista, que é o do próprio autor. Não há contraponto, não há margem para interpretações. Esse é o tipo de cinema mais odiável e raso, o cinema de manipulação, o cinema de Michael Moore. Não fosse tão maniqueísta, O vale das sombras poderia ser um ótimo filme.

2 comentários:

  1. Se vc deseja um filme com alguma semelhança de tema (intervenções estadunidenses em países do Oriente Médio e proximidades), bom elenco (com direito a Meryl Streep), diretor conhecido (criador do Sundance Film Festival) e que não seja "michael-mooreano", a pedida certa seria Leões e cordeiros (Lions for lambs). Com certeza vc não o chamaria de cinema de manipulação.
    Abs,
    Márcia
    ps: ainda assim e só para ser chata (!!), não condeno Michael Moore.

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  2. Um filme não precisa ser bom ou ruim para passar uma mensagem, e este o faz com categoria. Sem falar nas interpretações dos atores, principalmente a de Tommy Lee Jones da qual não se pode falar uma vírgula. No meu módico entender a mensagem do filme fica clara nas duas cenas com as bandeiras. O país, Estados Unidos, precisa de ajuda e as pessoas precisam se dar conta que os seus valores como nação foram perdidos. Igualzinho aqui no Brasil. Devíamos adotar a prática de hastear a bandeira brasileira invertida, pois aqui sim precisamos acordar deste pesadelo e convulsão social que estamos vivendo... Sem mais.

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