segunda-feira, agosto 24, 2009

Vestido de noiva

Conforme Décio de Almeida Prado, Vestido de Noiva é uma peça impregnada não de amor, mas de sexo, e Nelson Rodrigues aborda sem vulgaridade um assunto que alguém poderia considerar "vulgar".
O texto do controvertido dramaturgo, tido como ponto referencial no teatro moderno brasileiro, ganha em 2009 montagem dirigida por Gabriel Villela. A trupe tem viajado Brasil afora, levando a plagas distantes como a nossa província um espetáculo desafiador e, para usar um adjetivo proibido pelo Manual de Estilo do Estadão, "instigante". A explicação do manual é que instigante é um adjetivo clichê. Mas venhamos e convenhamos, sempre que um livro ou filme ou peça não empolga muito mas provoca os sentidos e o intelecto, lá vem o adjetivo à mente. Instigante.
O fato é que ao cabo da peça houve gritos de "Bravo!" e o público aplaudiu de pé. Se bem que eu nunca sei se o público porto-alegrense aplaude de pé por gratidão ou por merecimento.
Analisar o elenco seria pretensão, mas é preciso destacar a presença hipnótica de Luciana Carnieli, que encarna a sensual Madame Clessi, e a interpretação divertida de Marcello Antony, que lembra com seu Pedro um Hamlet pândego. Completam o elenco Vera Zimmermann e Leandra Leal, as irmãs Lúcia e Alaíde, respectivamente. No elenco de apoio, provoca risos na plateia o desconhecido ator que vive a sogra de Alaíde. A peça inicia com o atropelamento de Alaíde e conta de modo nada linear a história da tragicômica competição entre as irmãs pelo amor (sexo?) de Pedro.

domingo, agosto 16, 2009

Drag me to hell

Hardcore. Tem que ser hard, tem que ser core.
Tem que ser hardcore. Dificilmente Sam Raimi conhece Replicantes, mas seguiu o conselho à risca ao realizar a pedrada nos nervos Drag me to hell. Se nos primeiros quinze minutos o espectador que se considera experiente no gênero "terror-fantástico-escatológico" ainda consegue dar algumas risadinhas para disfarçar o medo, como se Sam Raimi ainda estivesse se decidindo se faria um filme mais à la Evil Dead II do que à Evil Dead I, eis que a impressão logo passa e fica difícil não se encolher na poltrona num crescente de inquietude, opressão, pesadelo e pavor. Não resta dúvidas: desta vez Raimi não está para brincadeiras.
A ambiciosa heroína da película, a bancária Christine Brown (Alison Lohman, a bela da foto abaixo), compete para conquistar uma promoção no trabalho. Para isso, tenta provar ao chefe Mr. Jacks (David Paymer) que é uma aposta melhor do que o concorrente Stu Rubin (Reggie Lee). Namorada do insosso, porém apaixonadinho professor de Filosofia Clay Dalton (Justin Long), Christine é responsável por administrar os empréstimos e as hipotecas. Um belo e fatídico dia senta-se à sua mesa a sra. Sylvia Ganush (Lorna Raver, a fera da foto acima). Mas até que a netinha dela Ilenka Ganush (Bojana Novakovic!) não é de se jogar fora. E não convém contar mais do que isso para não ser estraga-prazeres, se é que pode se chamar de prazer sentir o sangue enregelar nas veias. Bom saber que Raimi não vendeu a alma ao demônio Hollywood.

Tempos de paz


Adaptação da multipremiada peça Novas diretrizes em tempos de paz, do dramaturgo Bosco Brasil, sucesso no eixo Rio-São Paulo nos anos de 2002-2003 que depois excursionou pelo país de Blumenau a Belém. A tradutora e crítica de teatro Barbara Heliodora classificou a peça como "imperdível" e o texto como "(...) uma trama fascinante, que ao mesmo tempo descobre para os brasileiros um Brasil de crueldade até aqui ignorada e cria uma linda e comovente metáfora sobre as razões de ser do teatro". Heliodora destaca o engenhoso uso feito por Bosco Brasil de um excerto da peça "A vida é sonho" de Calderón de la Barca. A crítica publicada no Jornal O Globo em setembro de 2002 pode ser lida na íntegra

18 de abril de 1945. A Segunda Guerra Mundial em vias de terminar. Os presos políticos do governo Vargas são libertados, entre eles o Doutor Penna (o diretor Daniel Filho), decidido a reencontrar alguém.
Nesse meio-tempo, o polônes Clausewitz (Dan Stulbach) está chegando ao Brasil num transatlântico. Tem visto mas precisa de salvo-conduto para permanecer em terras brasileiras. Declara-se na alfândega como agricultor, mas sabe português e declama Drummond, o que desperta as suspeitas de Honório (Ailton Graça), que leva ao caso ao superior, o temido Segismundo (Tony Ramos). Cabe a Segismundo a decisão sobre o destino do migrante. Fica ou não fica em terras tupiniquins? Eis a questão.
Os dois personagens travam um embate psicológico enquanto contam um ao outro suas lembranças. Segismundo, que se diz vindo do Rio Grande do Sul, conta sem emoção os "serviços" que fazia a mando de seu padrinho e outras memórias que envolvem sua irmã (interpretada por Louise Cardoso); Clausewitz, o polonês que se declara agricultor, conta as agruras da guerra e tenta provar ao inquiridor que merece a honra de ficar no Brasil, afinal, o país "precisa de braços para a lavoura".
O filme funciona porque as adaptações feitas para a tela não chegam a comprometer a qualidade do texto original. O diretor Daniel Filho, que se compara a Woody Allen, nesta película está mais para um David Mamet, dramaturgo e cineasta que escreveu no livro Os três usos da faca: "A peça de mensagem é um melodrama isento de inventividade".
Justamente porque escapa da armadilha de querer "passar uma mensagem", Tempos de paz é um filme que merece ser visto.