domingo, dezembro 06, 2009

Abraços partidos


A primeira cena de Abraços partidos (Los abrazos rotos, 2009), do diretor espanhol Pedro Almodóvar, é plena de sensualidade. Uma bela moça pede a um homem qual parte do jornal ele deseja ouvir. O homem diz que não está interessado no jornal, mas sim nela. Pede que ela se descreva. Ela então diz que é "ruvia de pelo largo" e tem olhos verdes, meio azulados no verão. Ele toca de leve o cabelo dela e desce os dedos, passando por pálbebras, rosto e seios. Os dois se beijam.
Assim o espectador é apresentado ao protagonista (que, como Almodóvar, é diretor de cinema e roteirista). E vai saber como ele chegou a essa situação por meio de um roteiro tipo vaivém, indo e voltando no tempo. Colcha de retalhos costurada sem pressa, quebra-cabeça montado devagar. Na verdade, o foco não é na dinâmica do contar e sim no que é contado, nas personagens desnudadas (algumas literalmente) ao longo da película.
Personagem importante na vida de Harry Caine é a produtora Judit (Blanca Portillo), que cuida de tudo na vida de Harry, desde problemas domésticos até os detalhes da produção.
Numa das idas e vindas do roteiro, ficamos conhecendo uma atriz que vai acabar se tornando uma grande paixão de Harry: a sensual Madalena (Penélope Cruz), mulher de um rico empresário. Mas antes novo rewind para apresentar todo o contexto no qual Lena se envolve com o possessivo Ernesto Martel (Jose Luis Gomez). O fato é que Lena faz um teste para participar de uma película de Harry, que se perturba com a presença dela e resolve contratá-la. O marido para não perder a ingerência sobre a amada resolve patrocinar o filme e manda o filho gravar o making-of. E uma das grandes ideias de Almódovar: o enciumado marido contrata uma leitora de lábios para, a partir das cenas do making-of, ler o que o o diretor conversa com sua atriz principal.
Outra personagem no mínimo interessante: o projeto de diretor de cinema Ray X (Ruben Ochandiano), enigmática figura que aparece em cenas estranhas. Ele também é retratado em duas épocas, e, quando adolescente, sua postura é caricatural, pendendo ao cômico.
Uma das cenas mais bonitas do filme é a cena de pura paixão entre Lena e Mateo/Harry à beira-mar, ao som de Werewolf da banda Cat
Power. O bom dos filmes de Almodóvar é que sempre se fica com vontade de revê-los e mesmo antes de rever fazemos novas releituras mentais das cenas e chegamos a conclusões diferentes sobre as atitudes tanto das personagens quanto do realizador. Só um cinema rico de ideias e imagens significativas permite esse tipo trabalho mental do surpreso e grato espectador.


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