Certos filmes ficam na cabeça da gente.
Por duas semanas a fio, ruminei as belas e pausadas cenas do filme de Bille August.
O cineasta dinamarquês venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e a Palma de Ouro em Cannes com Pelle, o conquistador, em 1988. Em 1992, levou de novo a Palma de Ouro com As melhores intenções.
Ruminei as belas e pausadas cenas na tentativa de descobrir o tema principal da obra, adaptada do livro homônimo de Pascal Mercier. Após muito meditar, cheguei à conclusão: o encontro de almas gêmeas.
Em Trem noturno para Lisboa, um professor suíço, Raimond Gregorius, impede o suicídio de uma misteriosa moça prestes a se jogar de uma ponte, em Berna. Transtornada, a moça o acompanha até o colégio onde o professor leciona e é convidada a assistir à aula. O professor pendura o trench coat vermelho da moça no cabideiro. Súbito ela se retira da sala, deixando para trás o trench coat, e, no bolso, o livreto de um autor português: Amadeo Garcia. Intrigado, o professor leva o pequeno volume a um livreiro amigo seu. Ele conta que vendeu um livro a uma moça que vestia um casaco vermelho. Ao folhear o livro, uma passagem noturna para Lisboa cai do meio das páginas. Esse é apenas o começo de uma saga que levará o ensimesmado professor a abandonar sua rotina de décadas e partir em uma incessante busca para desvendar o mistério por trás da moça quase suicida e do autor português. Com um olhar sobre o período da história portuguesa que antecedeu a Revolução dos Cravos, alguém poderia ressaltar que Trem noturno para Lisboa na verdade é um filme sobre tortura, repressão, resistência e política.
Por outro lado, as personagens vão formando vínculos invisíveis, mas intensos, que explicam suas às vezes desesperadas atitudes. O vínculo intelectual do professor com as palavras escritas por Amadeo Garcia. O vínculo obsessivo entre irmã e irmão. O vínculo entre dois amigos do peito. O vínculo entre uma mulher atraente e o melhor amigo do namorado. Por fim, o vínculo entre um professor divorciado e uma oftalmologista. Com brilhantes atuações do inglês Jeremy Irons, na pele do professor; da alemã Martina Gedeck (como Mariana, a oftalmologista); da eterna musa britânica Charlotte Rampling (como a irmã de Amadeo); de Christopher Lee, como o padre; da sueca Lena Olin, como a Stefânia madura; e de um bom elenco de jovens atores inclusive portugueses, Trem noturno para Lisboa é um filme delicado sobre o encontro de almas – às vezes, inusitadamente - gêmeas.