segunda-feira, novembro 21, 2016

Perfume de mulher: a arte de fazer do limão uma limonada


Coloquei no prato do blu-ray player o picture disc de Lenda dos guardiões, de Zack Snyder.

Meu filho de 9 anos e eu esperamos ansiosos carregar o conteúdo, mas, surpresa! Em vez da animação produzida em 2010 com base na série de livros de Kathryn Lasky, o que apareceu na tela foi algo surpreendente: o menu de um inesquecível filme de 1992, que deu a Al Pacino o Oscar de Melhor Ator. A bizarrice me deixou perplexo, mas a vida sempre me ensinou a fazer do limão, uma limonada.

Perfume de Mulher, de Martin Brest, foi minha limonada dominical, uma refrescante limonada suíça, com as doses certas de doçura e acidez.

O roteiro, adaptado de um filme italiano de 1974, é o material com que todo grande ator sonha, e Al Pacino encarnou o papel do acridoce tenente-coronel Frank Slade de um modo tocante e enternecedor.

O elenco tem dois atores coadjuvantes: Chris O’Donnell, que realizou com Charlie Simms talvez seu mais importante e exigente papel no cinema, e Phillip Seymour Hoffman, interpretando George Willis Jr., num dos primeiros passos da carreira que ainda progrediria até o ápice do Oscar de Melhor Ator, em Capote (2005). Hoffman faleceu em 2014.

Todo grande filme é feito de grandes cenas, e vou destacar adiante as cinco cenas/sequências mais memoráveis de Perfume de mulher. Antes, um pouco de contextualização sobre o enredo.

Nas cenas iniciais, o ambiente do filme lembra um pouco outro clássico do último quartil do século XX, Sociedade dos poetas mortos, do australiano Peter Weir, ao enfocar o ambiente de uma tradicional escola de ensino médio (High School), com os alunos todos uniformizados. Charlie Simms (O’Donnell) é um aluno que ganhou uma bolsa de estudos. Ele trabalha na biblioteca e precisa fazer bicos aos fins de semana para se sustentar, diferentemente de outros rapazes, como George Willis e seus amigos.

Um incidente acontece envolvendo o diretor, Sr. Trask (James Rebhorn), e uma sindicância é aberta na escola para apurar os responsáveis. Charlie se vê num dilema: dedura os amigos ou corre o risco de ser expulso da escola.

Nesse meio-tempo, o jovem Charlie se oferece para um trabalho no feriado prolongado de Ação de Graças. Cuidar de um deficiente visual com um gênio bastante difícil. Entra em cena Al Pacino na pele e nas narinas do aparentemente amargurado tenente-coronel Frank Slade.


*ALERTA DE SPOILER *

*SE VOCÊ AINDA NÃO ASSISTIU A ESTE FILME, TALVEZ PREFIRA PARAR DE LER O TEXTO NESTE PONTO*


*AS CINCO SEQUÊNCIAS INESQUECÍVEIS DE PERFUME DE MULHER*


Logo que os familiares de Slade partem em sua viagem, deixando o preocupado Charlie sozinho com Frank, Perfume de mulher se transforma numa espécie de ‘road-movie’, com direito a táxi e voo na primeira classe para um destino inesperado: Nova York!

O abismado Charlie deixa-se enlear na teia preparada pelo veterano Frank, e não vê outra saída senão acompanhá-lo na aparentemente tresloucada aventura.

Uma após a outra as cenas/sequências clássicas se sucedem.

 CENA 1 – Último tango em Nova York


A cena em que Frank Slade dança tango com a bela e desconhecida Donna (Gabrielle Anwar) é, disparadamente, a mais clássica do filme, uma cena que sintetiza o melhor que o cinema é capaz de fazer. Tudo nessa sequência funciona às mil maravilhas: as palavras escolhidas a dedo pelo tenente-coronel para convencer a moça, a música, o ambiente, o olhar estupefato de Charlie: tudo contribui para o sentimento de emoção à flor da pele – e do olfato.

CENA 2 – Lavagem de roupa suja na ceia de Ação de Graças




O clima pesa quando Frank, acompanhado do sempre perplexo Charlie, aparece de surpresa na casa do irmão mais velho para a ceia.

Os familiares não escondem o constrangimento, mas conseguem contornar a situação, até o ponto em que a ceia termina, e Frank começa a alfinetar o sobrinho Randy (Bradley Whitford). Revelações sobre o background do tenente-coronel e a causa de sua cegueira elevam a tensão a um ponto quase insuportável.

CENA 3 – Dirigindo cegamente uma Ferrari



Por mais absurda e inverossímil que ela seja, esta sequência é outro ponto alto do filme, desde a proverbial conversa com o funcionário da concessionária para convencê-lo a liberar a Ferrari para o test-drive até o momento em que o policial manda pará-los nas ruas desertas do cais. Primeiro, Charlie, que tem habilitação, pilota a máquina potente. Depois, num bairro deserto, entrega o volante para Frank, que gosta da brincadeira e começa a acelerar além dos limites do razoável para quem não enxerga nada. Trepidante? Palpitante? Aterrorizante? Alguém aí já foi passageiro num veículo pilotado perigosamente por alguém? Charlie fica com o coração na mão, mas o pior ainda está por vir: além de acelerar, Frank avisa que vai fazer uma curva em alta velocidade.

CENA 4 – Impulso suicida



De volta ao Astoria, Frank manda Charlie comprar charutos. Antes de sair do hotel, porém, Charlie desconfia de algo errado e volta. Encontra Frank em traje de gala militar, de pistola em punho. A sequência é chave no filme, pois Charlie arrisca tudo para convencer Frank a não cometer suicídio. Com alta carga emocional, a cena tenta mostrar que nada está perdido, sempre existe uma chance.  

CENA 5 – Discurso de Frank na escola


Durante o filme inteiro, Charlie passa fazendo ligações para George, a fim de combinar o depoimento na escola. Frank acompanha tudo e dá alguns conselhos a Charlie. No derradeiro momento do filme, ele aparece de surpresa, escoltado pelo motorista da limusine, Manolo, para ficar ao lado de Charlie durante a sindicância, em pleno auditório lotado da escola. O sr. Trask interroga primeiro George, que, depois de muito ser pressionado, dá com a língua nos dentes e cita os nomes dos autores da “traquinagem”. Charlie reluta a confirmar, mas tudo indica que não vai aguentar a pressão e também vai “dar nome aos bois”.

Não vou contar mais nada, mesmo com o aviso de spoiler. Apenas dizer que no final Frank toma a palavra para defender Charlie, num discurso (que hoje parece bastante apropriado) sobre o tipo de líder que os Estados Unidos gostariam de ter no futuro.

No frigir dos ovos, apesar da extensa metragem (duas horas e meia), Perfume de mulher valeu a revisita, mesmo sendo uma revisita não planejada, fruto de uma falha industrial.
É a delicada história de uma improvável amizade, mas também o pungente retrato de uma alma conturbada, prestes a desistir de tudo, que, ironicamente, enxerga a luz no fim do túnel.
Isso só reforça a “mensagem” do filme: nem tudo está perdido, e a vida é arte de fazer do limão, uma limonada!

segunda-feira, novembro 14, 2016

"A segunda mãe" + "Não me chame de filho" = o reconhecimento de Anna Muylaert no circuito internacional

A carreira internacional da diretora e roteirista brasileira Anna Muylaert (que venceu em 2002 o Festival de Cinema de Gramado com o filme Durval Discos) está em plena fase de consolidação.

Seus dois filmes mais recentes obtiveram boa distribuição mundial, prêmios em festivais e excelentes resenhas em sites conceituados.

Por exemplo, no RogerEbert.com,


Que horas ela volta? (2015), com Regina Casé, obteve 3 estrelas de 4 possíveis.

Mãe só há uma (2016), com Naomi Nero e Mateus Nachtergaele, obteve 3,5 estrelas de 4 possíveis.

Os dois filmes abordam temáticas diferentes, mas enfatizam a importância das mães.

Esta ênfase pode ser confirmada nos títulos escolhidos para a distribuição internacional:

Que horas ela volta? virou The Second Mother:

http://www.rogerebert.com/reviews/the-second-mother-2015




E Mãe só há uma virou Don't Call me Son:
http://www.rogerebert.com/reviews/dont-call-me-son-2016