domingo, maio 07, 2017

Agonia e glória

A história deste filme é curiosa. Após mais de trinta anos de gestação na cabeça de seu realizador, Samuel Fuller, concretizou-se em 1980, quando passou nos cinemas mundo afora na "Theatrical Version", ou seja, a versão original, montagem oficial para o "grande público".
Em 2004, após o falecimento do diretor e o achado de um filme promocional com cenas deletadas da versão do cinema, os produtores remasterizaram, estenderam e lançaram, em pleno Festival de Cannes, a versão "reconstruída" e definitiva.



O relançamento em Cannes insuflou nova vida na obra e despertou o interesse do público do século XXI por este considerado por muitos como o maior filme de guerra já feito.

Agonia e glória (o título original, The Big Red One, é uma referência ao número 1 vermelho, símbolo da Primeira Divisão de Infantaria) acompanha as missões de um sargento e seu pelotão, de 1942 a 1945, em várias situações de combate e em diversos palcos sangrentos. Argélia, Sicília, Normandia, Tchecoslováquia: em cada batalha, em cada desembarque, os soldados têm de enfrentar o medo de se transformar em estatística, de não sobreviver aos horrores da guerra.

No filme, um dos infantes, Zab, romancista ainda não publicado (deixou os originais com a mãe dele), tem o hábito de fumar charutos. Nos extras, vemos Samuel Fuller fumar inveteradamente um charuto após o outro. Noutro "featurette", a filha dele, também com um grosso charuto na boca, explica a gênese dos 5 personagens principais do filme.

Para ela, o sargento e cada um dos 4 recrutas têm algum aspecto da personalidade do pai, que participou da guerra e pôde coletar 'in loco' muitas situações inusitadas que viraram o rico material que dá estofo ao filme.

Um parto realizado dentro de um tanque. Um enfermeiro que assedia o ferido (na versão estendida). Uma criança italiana que só quer dar um enterro digno à mãe. Um momento idílico de alegria antes de ir ao front. Sem falar, é claro, nas inúmeras particularidades das táticas de combate, nas idiossincrasias da caserna que só alguém que foi infante poderia detalhar.

Em especial, é um filme de guerra que escancara as divergências internas de cada exército, que se detém na face humana de cada soldado.

Fuller insere até uma sequência que nos remete a Um estranho no ninho: a cena em que o pelotão precisa invadir uma espécie de manicômio, que estava dominado pelos nazistas.

Talvez seja desnecessário comentar, mas Agonia e glória não é o tipo de filme "fácil" de ser apreciado. É preciso perseverança, é uma questão de se acostumar aos poucos com a aridez da paisagem (mas não de ideias!), com o ritmo pausado, com o estilo fulleriano de contar prosaicamente fatos fabulosos. Depois que a gente se familiariza com esse andamento, então é provável que o filme se torne um vício e que você queira repetir a experiência, vê-lo incansável e repetidamente, como se ele fosse um daqueles charutos que a família Fuller tanto gosta. Sem dúvida, é um filme que "gruda" na gente, que nos deixa impregnados com a poeira e o medo de levar um tiro ou um estilhaço, mas também com a poesia das entrelinhas.

O blu-ray traz as duas versões, recomendo começar pela versão que passou no cinema, para, mais tarde, assistir à versão reconstruída, que passou em Cannes, com 47 minutos extras.

As atuações dos cinco atores principais entraram para o rol das atuações épicas: Lee Marvin na pele do sargento, e os quatro soldados: Mark 'Luke Skywalker' Hamill é o hesitante Griff; Robert Carradine é Zab (autor de um obscuro romance e narrador do filme); Bobby Di Cicco é Vinci, cujo conhecimento do idioma italiano vai ajudar o pelotão na missão na Sicília; e, por fim, Kelly Ward é Johnson, o soldado com origens no meio rural.

Mark Hammil comenta nos extras que havia recusado a participar do filme, mas aceitou reunir-se
com o diretor para explicar os motivos da recusa. Então, mudou de ideia.
Sábia decisão: Griff é um personagem multifacetado, que exigiu bastante do talento do ator.




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