Tive a sorte de estar no lugar certo na hora certa.
A sorte favorece os preparados, alguém poderá dizer.
O fato é que sorte nunca faltou a Elvis Presley.
Após traduzir os dois volumes da biografia de Peter Guralnick, formei uma imagem do Rei que é a minha imagem.
Cada um enxerga as coisas com os seus próprios olhos, e se enquanto tradutor tentei respeitar ao máximo as palavras, o estilo e a visão do autor, isso não me impede de encarar os fatos a meu modo, aqui em meu humílimo blog.
Sortudo, esse rapaz. Em primeiro lugar, é o sobrevivente de dois gêmeos.
O irmãozinho dele nasceu morto.
Sorte ou azar? Depende do ponto de vista.
Tudo na vida dele aconteceu em seu devido tempo e na devida hora.
De tanto passar na gravadora Sun, de tanto bater na tecla, de tanto bater na pedra dura com sua água cristalina (uma voz nunca antes ouvida e uma confluência de estilos nunca antes vista), Sam Phillips lhe deu a chance. Sam Phillips lhe entregou a banda que ia se tornar clássica, um baixista que toca baixo acústico, um guitarrista muito técnico, um gênio em se tratando de passar do simples e eficaz ao sofisticado e virtuoso. Nos primeiros tempos nem tinham baterista fixo. Sam Phillips lhe entregou os primeiros singles de sucesso, o primeiro empresário...
O jovem cantor entra no radar de outro empresário, de mais cacife e com ampla rede de contatos em Hollywood e na RCA Records.
O resto é história, e assistir ao filme de Baz Luhrmann tem um grande efeito catártico para os admiradores de Elvis, tanto os mais antigos quanto os recém-chegados como eu.
O leitor de Último trem para Memphis vai reconhecer no filme muitos e muitos momentos narrados no livro.
E a partir de agosto, quando chegar às livrarias a segunda parte da biografia, Amor descuidado, o ciclo se completa. A segunda parte de sua vida, a vida na Alemanha como soldado, o namoro com Priscilla, a volta para casa, a participação no programa de Frank Sinatra, a retomada da carreira em Hollywood (antes de ir à Alemanha, tinha feito 4 filmes), a estagnação da carreira como ator, a reviravolta no especial da tevê em 1968, as muitas temporadas em Las Vegas.
Esse roteiro é um roteiro de muitas alegrias entremeado com muitos contratempos. A vida de Elvis não foi um mar de rosas, mas também não foi uma tragédia. Sob quase todos os prismas foi a vida de um vitorioso.
Respeito muito quem sente "pena" de Elvis, mas para mim Elvis viveu a vida que ele quis.
Inteligente como era, sempre participou ativamente de todas as decisões artísticas e assinou quase todos os contratos.
Concordo que os roteiros de alguns de seus filmes como ator poderiam - até deveriam - ser melhores, mas até nisso considero que as pessoas em geral (Elvis e Peter Guralnick inclusos) subestimam a carreira cinematográfica de Elvis Presley.
Mas voltando à vaca fria, esta deveria ser uma resenha sobre o filme de Baz Luhrmann.
Um triunfo do excesso, o filme tem mais qualidades que deméritos.
O principal está ali, inclusive o influxo da música e da cultura negras na vida e na formação artística de Elvis. Isso Luhrmann captou com maestria, essa coisa quase mística que envolve a ligação de Elvis com a música gospel, a música spirit e o blues.
Elvis é uma esponja não preconceituosa que absorveu várias influências musicais, amalgamou-as num cadinho e fez explodir a mente de Sam Phillips nos estúdios Sun. O dono da gravadora não teve dúvidas desde que ouviu a versão de Elvis para "That's All Right" que estava ouvindo música revolucionária.
Essas coisas não são exatamente o foco do filme, o roteiro se concentra em coisas mais polêmicas da vida do Rei, e tenta transformar o Coronel Parker em vilão; talvez esse seja o maior lapso do filme, se bem que muitos fãs concordem com essa visão um tanto rasa do relacionamento entre cantor e empresário.
Peter Guralnick, por exemplo, não defende isso. Essa é uma das coisas que está no filme, mas não está no livro. Tanto isso é verdade que o próximo livro de Guralnick é uma coletânea das cartas do Coronel Parker, para mostrar um pouco mais dessa personalidade multifacetada.
Seja como for, assistir a Elvis no cinema foi um deleite, e rever o filme será também um deleite.
O ator Austin Butler concorre ao Oscar e até mereceria a estatueta, não fosse a concorrência de Brendan Fraser em A baleia, filme de um meus diretores no TOP TEN DIRETORES VIVOS, Darren Aronofski.
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