segunda-feira, dezembro 01, 2025

Cinema francês em dose dupla

 


O que faz um pai cinéfilo à beira de um ataque de nervos, em Porto Alegre, na tarde do segundo dia do vestibular, angustiado enquanto o filho está fazendo a exaustiva prova de 5 horas e meia da UFRGS?

Engata duas sessões encordoadas no Festival de Cinema Francês no Cineflix do Shopping Total.

Primeira sessão (14 h): A cabra, de Francis Veber, com Gerard Depardieu e Pierre Richard, filme de 1981.

Segunda sessão (16 h, após um sorvete duplo na Troppo Buono): O apego, de Carine Tardieu, com Valeria Bruni Tedeschi, Pio Marmaï, Vimala Pons, filme de 2024.

A cabra é uma boa comédia, apenas o título brasileiro é bizarro, porque não remete ao significado abaixo descrito. Não existe cabra alguma no filme, pelo menos que eu me lembre.

Tudo indica se tratar de uma expressão idiomática francesa, que chama de "chèvre" uma pessoa ruim em algo ou apenas um tolo (ver descrição a seguir).

La chèvreBesides meaning goat or goat cheese, “la chèvre” is “the worst.” If someone is really bad at something or just a fool, call them a chèvre.


O cabra talvez remetesse um pouco mais. No caso um cabra não safado e sim "azarado".

Qual é o significado da gíria "cabra"?
Na região Nordeste do Brasil, cabra é sinônimo de pessoa, sem conotação pejorativa. Qualquer indivíduo é mais um “cabra” na linguagem atual e corrente. Primitivamente, o termo correspondia a capanga, pistoleiro, sujeito subalterno em grupo de cangaceiros.
Eis que o personagem interpretado por Pierre Richard, ator homenageado no Festival, é um sujeito muito pateta e desastrado.
Dono de um azar que desafia a lógica, é enviado ao México em companhia de um detetive experiente (Depardieu) para descobrirem o paradeiro de uma jovem desaparecida.
Pierre Richard personaliza um humor que lembra muito o de Peter Sellers em filmes como Um convidado bem trapalhão e a série da Pantera Cor-de-Rosa, um humor físico, cheio de tropeços, quedas e infortúnios, realmente coisa de uma das pessoas mais desventuradas da face da Terra. Mas por incrível que pareça cada mancada e cada situação vão aproximando a dupla de enviados do seu objetivo de encontrar a moça desaparecida.
O apego
Outra face da moeda do cinema francês, o drama contemporâneo, realizado em 2024, um filme que provoca pouco riso e mais reflexão, afinal, aborda assuntos complexos como a diferença entre apego e amor.
Antes de ir à maternidade para ter o segundo filho, um casal precisa deixar o filho pequeno a cuidados da vizinha de porta.
Uma tragédia acontece na maternidade. 
O viúvo fica em uma situação deplorável, sem a esposa, com dois filhos para criar, a recém-nascida e o garoto, cujo pai é o primeiro marido da falecida.
Com a proximidade e o convívio nesses dias de sofrimento, o viúvo pensa ter se apaixonado pela vizinha, bem mais velha do que ele, porque ela lhe dá um ombro amigo e ajuda a cuidar do enteado.
Ela, dona de uma livraria especializada em obras de cunho feminista, o convence de que está enganado, que é só uma tentativa de processar o luto, e evita se envolver em um relacionamento sexual. 
Tudo ficou apenas em um beijo na boca tímido.
Logo o viúvo pula nos braços de uma mulher mais jovem, sem se dar conta de que estava tentando ainda se agarrar a uma tábua de salvação.
Dessa vez, porém, a moça também está carente e solitária, e um romance se principia.
O pai biológico do menino é outro personagem que vai atuar nesse cadinho de sentimentos borbulhantes e confusos, que leva o espectador, inevitavelmente, a fazer paralelos e avaliações com a sua própria vida.
Por isso que é bom ser cinéfilo.
O cinema sempre pode ser um refúgio, um lugar para se esconder, mas também para se acalmar.
Dois ótimos filmes que melhoraram o meu dia, o primeiro, me fazendo rir, o segundo, me fazendo ter orgulho da família que formei com minha esposa, que mesmo feminista me deu dois filhos, e mais orgulho ainda vou ter, é claro, se o primogênito passar no vestibular.
Sem pressões, é claro.