domingo, fevereiro 04, 2018

The Square: a arte da discórdia



A escola sueca de cinema é muito respeitada mundo afora. Geração após geração, a Suécia revela ao mundo cineastas talentosos e com estofo para criar filmografias autônomas e relevantes. Ingmar Bergman, Lasse Hallström e Tomas Alfredson são alguns diretores suecos que comprovam essa afirmação. Bergman (1918-2007) foi o principal responsável por atrair a atenção internacional para o cinema sueco, ao vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por duas vezes consecutivas: em 1961 e 1962, com A fonte da donzela e Através de um espelho, respectivamente. Voltaria a ganhar o prêmio em 1984, com Fanny e Alexander. Lasse Hallström (nascido em 1946) após Minha vida de cachorro tornou-se um diretor internacional e até hoje se mantém no circuito de filmes "comerciais", mas com bastante qualidade. Já Alfredson, nascido em 1965, realizou o acachapante Deixa ela entrar, cult vampiresco de 2008.
Um dos motes de The Square é o conteúdo explosivo de um vídeo criado por dois ousados marqueteiros para promover a nova exposição de arte do museu dirigido por Christian (Claes Bang). O museu está prestes a lançar a exposição chamada The Square, que estimula a solidariedade e o altruísmo entre as pessoas. Östlund acompanha o dia a dia da vida do diretor de museu, que, em meio à dinâmica atuação profissional precisa se dedicar às filhas. Todos os dias, a caminho do trabalho, Christian caminha por uma Estocolmo em que mendigos são ignorados pelos transeuntes. Outra trama que corre paralela é o modo como Christian tenta reaver o celular e a carteira que foram roubados, estabelecendo um contraste entre o discurso de altruísmo e seus atos cotidianos.

Em seus piores momentos, em especial na gratuidade de explorar a imagem das crianças, The Square nos remete a uma espécie de mal-estar que eu só senti poucas vezes numa sala de cinema. Em sua falta de pudor em mostrar crianças em situações vulneráveis, The Square me fez lembrar do polêmico A Serbian Film, que tanto auê causou ao passar nas telas nacionais em 2011.


O intertexto entre os dois filmes aumenta se você levar em conta que um dos temas de The Square é justamente os limites da arte contemporânea. Muita gente na época que A Serbian Film passou no Fantaspoa questionou o fato de uma obra com aquele conteúdo estar sendo divulgada num festival que recebia financiamento de empresas estatais brasileiras.




Em contrapartida, em seus melhores momentos, The Square faz jus à tradição sueca de cinema provocante e polissêmico. As cenas, em seu conjunto e isoladamente, suscitam uma diversidade de reações na plateia, abrindo um leque de várias camadas de leituras e interpretações. O espectador pode aproveitar sequências de humor sutil e um caleidoscópico festival de alegorias.



Diga-se de passagem, ainda sobre a retrospectiva do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Outros dois diretores suecos receberam nada menos que 3 indicações cada um: Bo Widerberg (1964, 1969 e 1995) e Jan Troell (1971, 1972 e 1982). 
Para um país com tanta tradição na categoria de Melhor Filme Estrangeiro (no total, são 14 indicações, com os 3 Oscars para Ingmar Bergman), não será surpresa nenhuma se a Suécia vencer de novo em 2018.

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