Em 2022, a cineasta neozelandesa Jane Campion tornou-se a terceira mulher a ganhar o Oscar de Melhor Direção.
Para quem acompanha a carreira de Jane Campion, desde os tempos de O piano (1993), que venceu a Palma de Ouro em Cannes e valeu o Oscar de Atriz Coadjuvante a Anna Paquin, isso não foi nada surpreendente.
Recentemente assisti a um filme antigo dela e também ao que lhe rendeu o Oscar, é claro.
Um anjo em minha mesa, de 1990, da fase neozelandesa, é a tocante cinebiografia da escritora Janet Frame.
O ataque dos cães, de 2021, é um filme difícil de rotular, um conto envolvente de mistério e um estudo contundente sobre as complexidades da alma humana.
UM ANJO EM MINHA MESA
Janet Frame, a escritora neozelandesa, foi diagnosticada com esquizofrenia enquanto estava na faculdade. Por conta disso a vida dela sofreu uma violenta transformação e por pouco ela escapou de sofrer uma lobotomia.
Jane Campion estruturou o filme em três partes.
Parte I
Conta a infância de Janet na Nova Zelândia, um local paradisíaco. A família morava num penhasco com vista para o mar.
A vida familiar, com o pai rígido e as quatro irmãs dormindo na mesma cama, com o único irmão sofrendo de convulsões, a amiga que lhe ensina a palavra "Fuck" e que as crianças não vêm com as cegonhas, os professores quase todos eles rigorosos, à exceção do professor de Literatura, que elogia os poemas da pequenina aluna ruiva.
A parte I é a mais leve, mas também conta alguns dramas e tragédias familiares. A vida de Janet Frame nunca foi realmente uma vida fácil.
Parte II
Esta é parte crucial do filme, em que Janet entra na faculdade, onde tenta enfrentar a sua fobia social. O cabelo ruivo e crespo é um motivo de chacotas, como também os dentes podres.
A maneira pela qual se expressa melhor é escrevendo. O professor elogia o seu trabalho, mas um dia Janet é surpreendida. O mesmo professor que a elogiou aconselha a Universidade a enviar a aluna para o hospital. Janet aceita, pensando que estavam preocupados com a saúde dela. A princípio não se dá conta da gravidade do que está acontecendo, até o dia em que descobre que está na ala psiquiátrica. Esta parte do filme é um show de horrores, como se a vida de uma promissora poeta estivesse entrando num infernal turbilhão de suspeitas, mentiras e erros médicos. Ela passa 8 anos internada. E só recebe alta porque seus livros começam a ser publicados e premiados.
Parte III
Janet volta para casa. A chegada ao lar é com certeza uma das mais emocionantes cenas de "homecoming" da história do cinema.
Esta parte conta a redenção de Janet Frame, como ela fez "do limão uma limonada", se tornou uma pessoa completa e realizada, lavou a alma com uma segunda opinião de seu diagnóstico (contar mais do isso seria um spoiler) e continuou sua trajetória para se tornar uma das mais importantes escritoras do país.
O ATAQUE DOS CÃES
Com roteiro de Jane Campion, inspirado no livro homônimo de 1967, de Thomas Savage, The Power of the Dog recebeu em Portugal o título O poder do cão. No Brasil o título escolhido foi O ataque dos cães.
Com locações na Nova Zelândia, O ataque dos cães tem uma fotografia admirável, um roteiro bem trabalhado (escrito pela própria cineasta, com as tomadas já prontas em sua cabeça), figurino caprichado e um grande elenco que se entrega à missão de dar vida a esses densos e multifacetados personagens.
O resultado é um filme de altíssima qualidade, digno da filmografia memorável de Jane Campion. Um filme que merece ser conferido por todos que apreciam o bom cinema, e é uma pena que só assinantes de uma plataforma específica possam assisti-lo. O rumo que a indústria de entretenimento tomou não é exatamente o mais democrático.
É impossível assinar todas as plataformas, e nem todos esses filmes chegam aos cinemas. Então, o poder dos cães da indústria se revela da forma mais tortuosa e traiçoeira.
MULHERES NA DIREÇÃO
Este post é uma homenagem a Jane Campion e a todas as diretoras que eu gosto, desde a Kathryn Bigelow (a primeira a ganhar o Oscar de Melhor Diretora) a Liliana Cavani (O porteiro da noite, ver foto abaixo), de Agnieszka Holland a Sofia Coppola, entre outras. Esta matéria do Nerdizmo cita 45 diretoras, muitas delas da nova geração. Por sua vez, o site High on Films apresenta uma lista mais ortodoxa, com as 20 maiores cineastas mulheres de todos os tempos.