segunda-feira, fevereiro 06, 2023

Babilônia

Após a sessão de Babilônia cheguei a várias conclusões:




1) Babilônia é um filme extremamente divertido.  Desde o começo, dei muitas gargalhadas. Um riso espontâneo, que os antigos chamariam de "a bandeiras despregadas". 

2) As pessoas estão perdendo o senso de humor? Ou o meu senso de humor é diferente de 99,9% das pessoas? É que na maioria das vezes ninguém mais da plateia achou graça. Sei que o meu senso de humor é o senso de humor de um cinéfilo até o tutano dos ossos.

3) Um cinéfilo até o tutano dos ossos se diverte do começo ao fim em Babilônia. 3 horas inéditas de Damien Chazelle é pouco! Poderia ter tido um intervalo no meio e uma segunda parte de mais 3 horas.




4) Uma sequência inicial tão acachapante e imersiva quanto essa só me lembro de algo parecido em O resgate do soldado Ryan.

5) É evidente que alguém que bateu o recorde de Norman Taurog (que, a propósito ou não, dirigiu quase 10 filmes com Elvis Presley) como o diretor mais novo a ganhar um Oscar de Melhor Diretor não precisa provar nada para ninguém, e aí que começam os pontos fracos de Babilônia, os pontos em que essas pessoas especiais, os críticos de cinema, vão cair em cima como abutres.

6) A diferença entre um cinéfilo raiz e um crítico é essencialmente esta: o crítico é uma pessoa treinada para apontar os defeitos, enquanto o cinéfilo desde que se conhece por gente se criou se deleitando com as qualidades, poucas, médias ou muitas, do filme (literalmente) em tela.



7) E o filme em tela, Babilônia, é algo que vai se tornar objeto de culto entre cinéfilos. As partes que os críticos gostariam de deixar na mesa de edição são as partes que eles mais vão comentar e se lembrar. As partes exageradas do roteiro, as partes que os críticos torcem o nariz e acham "extra-vagantes" ou "um pouco meio muito", os cinéfilos as terão na ponta da língua. Serão as partes mais cultuadas.



8) A transição do cinema mudo para o cinema falado é um tema palpitante, mas Babilônia não é um filme monotemático.

9) A melhor atuação de Lukas Haas continua sendo em A testemunha de Peter Weir. 



10) Dificilmente vou sair do cinema tão fascinado este ano, mas vou assistir em breve Os Fabelman(s) e Os Banshees de Inisherin. Aguardem os posts.


Elvis



Falar deste filme de Baz Lurhmann para mim tem um sabor especial.

Tive a sorte de estar no lugar certo na hora certa.

A sorte favorece os preparados, alguém poderá dizer.

O fato é que sorte nunca faltou a Elvis Presley. 

Após traduzir os dois volumes da biografia de Peter Guralnick, formei uma imagem do Rei que é a minha imagem.





Cada um enxerga as coisas com os seus próprios olhos, e se enquanto tradutor tentei respeitar ao máximo as palavras, o estilo e a visão do autor, isso não me impede de encarar os fatos a meu modo, aqui em meu humílimo blog.


Sortudo, esse rapaz. Em primeiro lugar, é o sobrevivente de dois gêmeos.

O irmãozinho dele nasceu morto.

Sorte ou azar? Depende do ponto de vista.

Tudo na vida dele aconteceu em seu devido tempo e na devida hora.

De tanto passar na gravadora Sun, de tanto bater na tecla, de tanto bater na pedra dura com sua água cristalina (uma voz nunca antes ouvida e uma confluência de estilos nunca antes vista), Sam Phillips lhe deu a chance. Sam Phillips lhe entregou a banda que ia se tornar clássica, um baixista que toca baixo acústico, um guitarrista muito técnico, um gênio em se tratando de passar do simples e eficaz ao sofisticado e virtuoso. Nos primeiros tempos nem tinham baterista fixo. Sam Phillips lhe entregou os primeiros singles de sucesso, o primeiro empresário...

O jovem cantor entra no radar de outro empresário, de mais cacife e com ampla rede de contatos em Hollywood e na RCA Records.



O resto é história, e assistir ao filme de Baz Luhrmann tem um grande efeito catártico para os admiradores de Elvis, tanto os mais antigos quanto os recém-chegados como eu.

O leitor de Último trem para Memphis vai reconhecer no filme muitos e muitos momentos narrados no livro.

E a partir de agosto, quando chegar às livrarias a segunda parte da biografia, Amor descuidado, o ciclo se completa. A segunda parte de sua vida, a vida na Alemanha como soldado, o namoro com Priscilla, a volta para casa, a participação no programa de Frank Sinatra, a retomada da carreira em Hollywood (antes de ir à Alemanha, tinha feito 4 filmes), a estagnação da carreira como ator, a reviravolta no especial da tevê em 1968, as muitas temporadas em Las Vegas.

Esse roteiro é um roteiro de muitas alegrias entremeado com muitos contratempos. A vida de Elvis não foi um mar de rosas, mas também não foi uma tragédia. Sob quase todos os prismas foi a vida de um vitorioso.

Respeito muito quem sente "pena" de Elvis, mas para mim Elvis viveu a vida que ele quis. 

Inteligente como era, sempre participou ativamente de todas as decisões artísticas e assinou quase todos os contratos. 

Concordo que os roteiros de alguns de seus filmes como ator poderiam - até deveriam - ser melhores, mas até nisso considero que as pessoas em geral (Elvis e Peter Guralnick inclusos) subestimam a carreira cinematográfica de Elvis Presley.

Mas voltando à vaca fria, esta deveria ser uma resenha sobre o filme de Baz Luhrmann.

Um triunfo do excesso, o filme tem mais qualidades que deméritos.

O principal está ali, inclusive o influxo da música e da cultura negras na vida e na formação artística de Elvis. Isso Luhrmann captou com maestria, essa coisa quase mística que envolve a ligação de Elvis com a música gospel, a música spirit e o blues.

Elvis é uma esponja não preconceituosa que absorveu várias influências musicais, amalgamou-as num cadinho e fez explodir a mente de Sam Phillips nos estúdios Sun. O dono da gravadora não teve dúvidas desde que ouviu a versão de Elvis para "That's All Right" que estava ouvindo música revolucionária.

Essas coisas não são exatamente o foco do filme, o roteiro se concentra em coisas mais polêmicas da vida do Rei, e tenta transformar o Coronel Parker em vilão; talvez esse seja o maior lapso do filme, se bem que muitos fãs concordem com essa visão um tanto rasa do relacionamento entre cantor e empresário.



Peter Guralnick, por exemplo, não defende isso. Essa é uma das coisas que está no filme, mas não está no livro. Tanto isso é verdade que o próximo livro de Guralnick é uma coletânea das cartas do Coronel Parker, para mostrar um pouco mais dessa personalidade multifacetada.

Seja como for, assistir a Elvis no cinema foi um deleite, e rever o filme será também um deleite. 

O ator Austin Butler concorre ao Oscar e até mereceria a estatueta, não fosse a concorrência de Brendan Fraser em A baleia, filme de um meus diretores no TOP TEN DIRETORES VIVOS, Darren Aronofski.