No coração do Planalto Médio Rio-grandense, Carazinho, capital da hospitalidade, da logística e do galeto com massa, sita a 280 km de Porto Alegre e 40 km de Passo Fundo, não é uma cidade que se destaca das outras.
Com cerca de 60 mil habitantes há vários censos, a população não cresce, nem diminui. É uma cidade de passagem, um ponto de parada, um entroncamento rodoviário importante, entre a BR-285 e a BR-386, e sua avenida principal, a avenida Flores da Cunha, é um divisor de águas entre duas importantes bacias, a Bacia do Jacuí e a Bacia do Uruguai. A chuva que cai de um lado (mais a leste) da avenida corre ao Rio Glória, afluente do Rio Jacuí, e a que cai do outro lado (mais a oeste) corre ao Rio da Várzea, afluente do Rio Uruguai.
Carazinho é importante para mim não só por ser a cidade natal minha e de meus três irmãos, mas também porque foi pra cá (a propósito, entre as explicações do nome estão o peixe cará, o nome de uma taquara e a expressão "cá é rasinho") que meu avô, nos fins da década de 1920, participou da comissão de emancipação e se tornou o primeiro prefeito do novo município, em 24 de janeiro de 1931.
Sei que o meu avô Homero Guerra, formado em engenharia-civil, lia francês e inglês, era um homem culto, industrial, empreendedor e produtor rural, amava as ciências e os livros, mas não sei se era cinéfilo como a nora dele, a Dona Nídia, homenageada neste post.
Sei que Carazinho, nos tempos áureos do cinema como entretenimento, tinha três cinemas, o Glória, o Recreio e o Brasília. E sei que tenho uma série aqui no meu blog chamada "Eu vi no Brasília", que homenageia o finado e mais importante cinema da cidade, até hoje.
Até hoje, sim, porque o mais importante, hoje, não é um cinema do passado, e sim o cinema do presente, um cinema concreto, não uma ficção.
É o Cine Lúmine, recém-inaugurado na Estação 599, local com várias opções culinárias, supermercado e agora também um cinema moderno.
Com a esposa e os filhos conferimos a sessão das 21h de terça-feira. O filme não importava muito, importava era marcar presença nesse momento histórico.
Eis que, por acaso do destino, as aventuras da resiliente havaianinha Lilo e seu amigo alienígena Stitch servirão para sempre como símbolo dessa retomada, um símbolo do vínculo que a comunidade local tem com a cultura, a cultura popular do cinema, arte não excludente, arte do povo.
A frase clichê "Carazinho não tem sequer um cinema", que foi válida desde que o Brasília fechou, há 14 anos (esteve em operação de 1955 a 2011, conforme esta reportagem do ZH) agora se tornou obsoleta.
Com resiliência, o povo de Carazinho resistiu um tempo sem cinema, e agora, pode estufar o peito e dizer: minha cidade tem cinema!
Vida longa ao Cine Lúmine de Carazinho, e que o povo continue lotando as sessões como nesta semana de estreia.