O título original do filme de Ken Loach (The wind that shakes the barley; em tradução literal, O vento que balança a cevada) é o mesmo de uma canção do século XIX. Na película de Loach, os primeiros versos dessa canção são entoados de modo plangente por uma velha senhora, pranteando um parente morto pelos militares ingleses, durante a Guerra da Independência e da Partição (1919-1921).
A título de curiosidade, publico aqui a letra integral da canção:
I sat within the valley green, I sat me with my true love
My sad heart strove the two between, the old love and the new love
The old for her, the new that made me think on Ireland dearly
While soft the wind blew down the glen and shook the golden barley
'Twas hard the woeful words to frame to break the ties that bound us
But harder still to bear the shame of foreign chains around us
And so I said, "The mountain glen I'll seek at morning early
And join the bold united men," while soft winds shake the barley
While sad I kissed away her tears, my fond arms round her flinging
A yeoman's shot burst on our ears from out the wildwood ringing
A bullet pierced my true love's side in life's young spring so early
And on my breast in blood she died while soft winds shook the barley
I bore her to some mountain stream, and many's the summer blossom
I placed with branches soft and green about her gore-stained bosom
I wept and kissed her clay-cold corpse then rushed o'er vale and valley
My vengeance on the foe to wreak while soft wind shook the barley
But blood for blood without remorse I've taken at Oulart Hollow
And laid my true love's clay cold corpse where I full soon may follow
As round her grave I wander drear, noon, night and morning early
With breaking heart when e'er I hear the wind that shakes the barley.
Escrita por Robert Dwyer Joyce (1836-1883), professor e poeta nascido em Limerick, fala de um jovem irlandês que, depois de ter a namorada morta, vai participar da rebelião irlandesa de 1798 (na qual os irlandeses declararam sua fé num futuro pacífico). Naquela ocasião, a rebelião foi controlada pelos ingleses. Segundo o site Wikipedia, as referências à cevada na canção decorrem do fato de que os rebeldes carregavam grãos de cevada e aveia nos bolsos, como provisões durante as marchas.
Essa não é a história contada por Ken Loach em seu filme homônimo, que lhe valeu a Palma de Ouro em Cannes 2006. Apenas tomou emprestado o título da canção, símbolo de um povo marcado pela violência. A canção fala em "foreign chains" e em "blood for blood"; simboliza tanto o desejo de se libertar do jugo inglês como o desejo de vingança, a vontade e a necessidade de lavar sangue com mais sangue.
Esses sentimentos impregnam a película de Ken Loach, no contexto da luta irlandesa para se tornar uma nação independente, liderada pelo IRA (Irish Republican Army), a partir de 1919. O filme acompanha a trajetória de Damien O'Donovan (Cillian Murphy), que, após presenciar o assassinato de um jovem irlandês de 17 anos pela milícia inglesa, desiste de prosseguir nos estudos para se unir ao Exército Republicano Irlandês. Seu irmão Teddy O'Donovan (Padraic Delaney) é um dos líderes locais do IRA, que intensifica as ações de guerrilha contra os ingleses, na base de olho por olho, dente por dente, o que obriga o governo inglês a procurar um acordo. Quando, porém, os demais revolucionários tomam conhecimento das bases do acordo assinado por Michael Collins (o comandante do IRA) com os ingleses, a maioria não concorda e decide continuar a guerrilha. É aí que o filme chega na parte mais triste: o que antes era um banho de sangue entre ingleses e irlandeses, agora se torna uma carnificina interna, entre os irlandeses que passam a controlar e fiscalizar o cumprimento do tratado, e aqueles rebeldes inconformados, que passaram a chamar Michael Collins de traidor. Entre estes, Damien, que passa a enfrentar o próprio irmão Teddy, oficial da nova polícia local.
Questões complexas e delicadas, abordadas por Ken Loach com coragem. Ventos da liberdade mostra bem as trágicas consequências do radicalismo de ambas as partes.
quarta-feira, junho 13, 2007
sexta-feira, junho 01, 2007
Homem Aranha 3
Agora que todos pseudocríticos já fizeram suas análises pseudoprofundas e pseudofilosóficas, todos moviefreaks infestaram as listas de cinema com suas freakmensagens freakestapafúrdias, todos patrulheiros-de-coincidências-no-roteiro de plantão já fizeram seus veementes protestos, agora, só agora, que não há mais perigo de escrever algum spoiler pois todo mundo já viu, pode um cinéfilo freethinker manifestar-se.
“Há coincidências demasiadas no roteiro.” “Que filme estou vendo? – perguntou, incrédulo, o namorado à namorada.” “Grande falha do diretor colocar um figurante parecido com o cara que faz o Duende Verde (Willem Dafoe)”. “O filme é um insulto à minha inteligência.” Etc.
Costumo ser leal aos diretores preferidos e, quando eles são criticados, aí mesmo que me dá vontade de defendê-los ferrenhamente. Não é o caso. Sam Raimi está na lista dos meus top ten, por várias razões que caberiam aqui, mas, além de já ter escrito sobre isso no post O alucinante olhar de Sam Raimi (http://olharcinefilo.weblogger.terra.com.br/200407_olharcinefilo_arquivo.htm), quero tentar fazer o exercício dos que se supõem superiores a seus gostos pessoais e capazes de serem ‘imparciais’, daqueles que dizem conseguir ‘sublimar’ esse respeito para com o diretor e deter-se apenas no produto em si: Homem Aranha 3.
Começando pela primeira alegação: segundo consta, quem levantou essa lebre foi um roteirista de Hollywood que fez uma crítica aberta ao roteiro de Homem Aranha 3, enumerando as supostas coincidências. E a partir do momento que esse suposto texto circulou na net, transformou-se numa verdade insofismável. E é verdade mesmo. O roteiro é uma série assustadora de incríveis coincidências encadeadas.
Quanto à constatação daquele espectador que não sabia que filme estava vendo: sentiu-se roubado porque o filme tem um momento em que muda um pouco o foco, o ritmo e o assunto, deixando de ser Homem Aranha 3 para ser “O que acontece com um homem quando a autossuficiência lhe sobe à cabeça”. Pertinente a reclamação.
A terceira queixa: na cena do bar numa mesa atrás da de Peter Parker, há um cara muito parecido com Norman Osborn/Duende Verde. A câmera passeia rapidamente no rosto de um sósia de Willem Dafoe, uns trinta anos mais novo. Igualmente incontestável.
Sobre o filme ser um insulto à inteligência seja de quem for, bem, aí já entramos na área pessoal.
De modo que, de certa forma, as quatro críticas procedem.
Entretanto, para fazer o contraponto, apresento algumas possíveis defesas às críticas:
Defesa 1 - coincidências elevadas à enésima potência: intencionais, com o objetivo de impregnar o filme com a característica de banda desenhada e não querer ‘intelectualizar’ um personagem que sempre foi popular;
Defesa 2 – Shakespeare em seus dramas sempre inclui trechos de alívio cômico, uma cena em que o tópico deixa de ser o motivo principal da peça para retratar uma faceta desconhecida do herói (vide a cenas dos coveiros em Hamlet ou a cena do porteiro em Macbeth); o trecho do filme em que Peter Parker está ‘se achando’ é nessa linha; sem falar que toda essa situação provoca um debate psicológico que enriquece o personagem e o filme;
Defesa 3 – o lance do sósia é uma sacada típica do Sam Raimi, ele fez por gosto, uma brincadeira com a plateia, a exemplo do que ele faz ao colocar o Bruce Campbell, o Ash de Uma noite alucinante, em uma ponta em cada um dos filmes da trilogia (1. apresentador das lutas; 2. porteiro do teatro; e 3. mâitre).
Defesa 4 - filmes de Sam Raimi provocam esse tipo de reação, desde o começo da carreira dele. Quando convidei uma galera de três colegas da graduação de Agronomia para ver o filme Uma noite alucinante no saudoso Cinema Cacique, um deles se matou rindo, o outro ficou neutro e o terceiro odiou. Achou Evil Dead II um insulto à sua inteligência. Acho que isso acontece sempre que o espectador não se deixa levar ou não entra no espírito do filme.
Mas a pergunta que eu gosto de responder quando vou assistir a um blockbuster de um ex-diretor independente: o diretor está mascarado? Há sangue dele no filme ou pasterizou-se por completo? Vendeu a alma ao sistema? A boa notícia é que Sam Raimi, se não continua o mesmo, não perdeu a centelha criativa e a capacidade de fazer cenas de cinema puro.
“Há coincidências demasiadas no roteiro.” “Que filme estou vendo? – perguntou, incrédulo, o namorado à namorada.” “Grande falha do diretor colocar um figurante parecido com o cara que faz o Duende Verde (Willem Dafoe)”. “O filme é um insulto à minha inteligência.” Etc.
Costumo ser leal aos diretores preferidos e, quando eles são criticados, aí mesmo que me dá vontade de defendê-los ferrenhamente. Não é o caso. Sam Raimi está na lista dos meus top ten, por várias razões que caberiam aqui, mas, além de já ter escrito sobre isso no post O alucinante olhar de Sam Raimi (http://olharcinefilo.weblogger.terra.com.br/200407_olharcinefilo_arquivo.htm), quero tentar fazer o exercício dos que se supõem superiores a seus gostos pessoais e capazes de serem ‘imparciais’, daqueles que dizem conseguir ‘sublimar’ esse respeito para com o diretor e deter-se apenas no produto em si: Homem Aranha 3.
Começando pela primeira alegação: segundo consta, quem levantou essa lebre foi um roteirista de Hollywood que fez uma crítica aberta ao roteiro de Homem Aranha 3, enumerando as supostas coincidências. E a partir do momento que esse suposto texto circulou na net, transformou-se numa verdade insofismável. E é verdade mesmo. O roteiro é uma série assustadora de incríveis coincidências encadeadas.
Quanto à constatação daquele espectador que não sabia que filme estava vendo: sentiu-se roubado porque o filme tem um momento em que muda um pouco o foco, o ritmo e o assunto, deixando de ser Homem Aranha 3 para ser “O que acontece com um homem quando a autossuficiência lhe sobe à cabeça”. Pertinente a reclamação.
A terceira queixa: na cena do bar numa mesa atrás da de Peter Parker, há um cara muito parecido com Norman Osborn/Duende Verde. A câmera passeia rapidamente no rosto de um sósia de Willem Dafoe, uns trinta anos mais novo. Igualmente incontestável.
Sobre o filme ser um insulto à inteligência seja de quem for, bem, aí já entramos na área pessoal.
De modo que, de certa forma, as quatro críticas procedem.
Entretanto, para fazer o contraponto, apresento algumas possíveis defesas às críticas:
Defesa 1 - coincidências elevadas à enésima potência: intencionais, com o objetivo de impregnar o filme com a característica de banda desenhada e não querer ‘intelectualizar’ um personagem que sempre foi popular;
Defesa 2 – Shakespeare em seus dramas sempre inclui trechos de alívio cômico, uma cena em que o tópico deixa de ser o motivo principal da peça para retratar uma faceta desconhecida do herói (vide a cenas dos coveiros em Hamlet ou a cena do porteiro em Macbeth); o trecho do filme em que Peter Parker está ‘se achando’ é nessa linha; sem falar que toda essa situação provoca um debate psicológico que enriquece o personagem e o filme;
Defesa 3 – o lance do sósia é uma sacada típica do Sam Raimi, ele fez por gosto, uma brincadeira com a plateia, a exemplo do que ele faz ao colocar o Bruce Campbell, o Ash de Uma noite alucinante, em uma ponta em cada um dos filmes da trilogia (1. apresentador das lutas; 2. porteiro do teatro; e 3. mâitre).
Defesa 4 - filmes de Sam Raimi provocam esse tipo de reação, desde o começo da carreira dele. Quando convidei uma galera de três colegas da graduação de Agronomia para ver o filme Uma noite alucinante no saudoso Cinema Cacique, um deles se matou rindo, o outro ficou neutro e o terceiro odiou. Achou Evil Dead II um insulto à sua inteligência. Acho que isso acontece sempre que o espectador não se deixa levar ou não entra no espírito do filme.
Mas a pergunta que eu gosto de responder quando vou assistir a um blockbuster de um ex-diretor independente: o diretor está mascarado? Há sangue dele no filme ou pasterizou-se por completo? Vendeu a alma ao sistema? A boa notícia é que Sam Raimi, se não continua o mesmo, não perdeu a centelha criativa e a capacidade de fazer cenas de cinema puro.
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