sexta-feira, junho 27, 2008

Antes que o diabo saiba que você está morto

O legendário Sidney Lumet (nascido em 25 de junho de 1924) traz a lume um aterrador estudo sobre a corrupção moral e ética de membros de uma família de classe média alta. Com cinqüenta filmes no currículo, entre eles Doze Homens e uma Sentença (1957), Serpico (1973), Assassinato no Expresso Oriente (1974), Um Dia de Cão (1975), Rede de Intrigas (1976) e O Veredito (1982), Lumet ganhou fama como "diretor de atores", ou seja, o tipo de cineasta que costuma fazer ensaios das cenas (nas décadas de 50 e 60 dirigiu teatro na Broadway) e extrair do elenco atuações iluminadas. Ethan Hawke está frágil e manipulável como Hank, o irmão mais novo do maquiavélico Andy (Philip Seymour Hoffman). Apesar de pertencerem a uma "boa família" e de terem crescido como satélites de um pai bem sucedido nos negócios, os dois mancebos chegam na maturidade quebrados e desesperados por dinheiro. Andy concebe um plano perfeito: roubar uma pequena joalheria cuja atendente é uma senhora de idade e lucrar com o roubo a bagatela de 600 mil dólares, entre o caixa e as jóias. Com um pequeno detalhe: a joalheria pertence a Charles (Albert Finney), ninguém menos que o pai deles. Outro detalhe sórdido (?) desta sórdida história tem a ver com Gina (Marisa Tomei), esposa de Andy e amante de Hank. É legal lembrar que as lúcidas películas de Lumet continuam iluminando a arte dos irmãos Lumière - como é legal perceber que o corpo de Marisa Tomei continua perfeito.

Na minha cabeça este filme faz intertexto com a canção abaixo:

Pace is the trick (Interpol)
You can't hold it too tight
These matters of security
You don't have to be wound so tight
Smoking on the balcony
But it's like sleaze in the park
You women you have no self-control,
We angels remark outside
You are known for insatiable needs
I don't know a thing
I've seen love
And I follow the speed in the starlight
I've seen love
And I follow the speed in the starswept night
Yeah pace is the trick
And to all the destruction in man
Well I see you as you take your pride, my lioness
Your defences seem wise I cannot press
And attentions at demise, my lioness
Can't you hurt it some, think I hurt it
I've seen love and I follow the speed in the starlight
I've seen love
And I follow the speed in the starswept night
And now I select you,
Slow now I let you
See how I stun, see how I stun
Now I select you, slow now I bet you
See how I stun, see how I stun
and to all the destruction in man
and to all the corruption in my hand...
And now I select you,
Slow now I let you see how I stun, see how I stun
Now I select you, slow now I bet you see how I stun, see how I stun
Now I select you,
Slow now I let you, see how I stun, see how I stun
Now I select you, slow now I let you
I always follow the speed in the starswept night...
You don't hold a candle

sábado, junho 21, 2008

Chega de saudade

Filme conceitual de Laís Bodanzky, o segundo da cineasta de Bicho de sete cabeças. Diferentemente de O baile (1983), de Ettore Scola, que por meio da música e das memórias das personagens de um salão de baile retoma 60 anos de história da França, Chega de saudade (2008), bem menos pretensioso, conta
apenas a história de um baile. Neste democrático salão paulista, dançam pessoas de todas as idades, cores e credos. Desde o malevolente Eudes (Stepan Nercessian), que dá em cima de Marici (Cássia Kiss), mas tira para dançar Bel (Maria Flor), namorada do DJ Marquinhos (Paulo Vilhena), colega de trabalho do garçom Gilson (Marcos Cesana), conselheiro do viúvo Álvaro (Leonardo Villar), que briga com a também viúva Alice (Tonia Carrero), que dança com o argentino Hugo (Raul Bordale), que protagoniza cenas tórridas com a fogosa Rita (Clarisse Abujamra), até a triste Elza (Betty Faria), que inutilmente tenta atrair atenção dos coroas. Uma cornucópia de personagens que flutua num salão onde tudo pode acontecer. Entre blecautes e cenas de ciúmes, embalado por som ao vivo ou "mecânico", o baile progride e revela a essência de cada personagem. Uma boa (e dançante) surpresa.

domingo, junho 15, 2008

O Incrível Hulk

Começo a achar que sou "do contra". Quando "crítica" e "fãs" decepcionaram-se com Hulk (2003), publiquei texto intitulado Hulk, King Kong e o Lobisomem (http://olharcinefilo.weblogger.terra.com.br/200306_olharcinefilo_arquivo.htm)
elogiando o trabalho de Ang Lee. Portanto, se supostamente este O Incrível Hulk (2008) foi feito no intuito de desfazer a impressão do primeiro, no meu caso essa tese não se aplica. O francês Louis Leterrier, o diretor do novo filme (que tem no currículo Cão de Briga - Unleashed, 2005 - e Carga Explosiva 2 - Transporter 2, 2005), prefere um discurso humilde e conciliador. Em entrevista recente ao jornal Folha de São Paulo, comenta sobre as reações ao primeiro Hulk: "É engraçada a reação ao filme de Ang Lee. Os fãs mais radicais odiaram de verdade, mas alguns gostaram por seu valor cinematográfico. Esse foi o desafio, fazer algo suficientemente diferente para agradar aos fãs, mas não irritar quem gostou do filme de Ang. Tentei fazer um complemento à obra dele". O diretor Louis Leterrier alcançou o objetivo: o novo Hulk não desagrada as pessoas que gostaram do primeiro (entre outros, pessoas que admiram o trabalho de Ang Lee como diretor e o trabalho de Jennifer Connelly como atriz). E, ao buscar as raízes da personagem nas HQs e na série televisiva, procura satisfazer e renovar os fãs do anti-herói esverdeado.
Segundo Stan Lee, o criador da personagem, Hulk é um misto da criatura de Victor Frankenstein (concepção de Mary Shelley, no livro Frankenstein, de 1818) e Mr. Hyde, a face monstruosa do Dr. Jekyll (O Médico e o Monstro, 1886, de Louis Robert Stevenson). Fã de aliterações (vide Peter Parker), Stan Lee deu ao cientista nome e sobrenome com a mesma letra: Bruce Banner. Interpretado por Bill Bixby (mais aliterações!) na série televisiva dos anos 70 e por Eric Bana em 2003, agora Banner é vivido por Edward Norton (As Duas Faces de um Crime, 1996; O Clube da Luta, 1999). O papel de Jennifer Connelly, Betty Ross, agora é de Liv Tyler. O general Ross é encarnado por ninguém menos que o oscarizado William Hurt. O ator inglês Tim Roth é o militar Emil Blonsky, que depois se transforma na Abominação. Curiosidade: o fisiculturista Lou Ferrigno, que pintado de verde fazia o Hulk da TV, faz a voz do Hulk 2008, além de uma ponta como o segurança que aceita uma pizza como propina.
O roteiro nos leva ao Rio de Janeiro, na Favela da Rocinha (na verdade as cenas foram filmadas na favela Tavares Bastos, com tomadas aéreas da Rocinha), onde Bruce Banner trabalha numa antiga indústria de bebidas. Aqui, um parênteses nacionalista. É constrangedor o modo que os "brasileiros" do filme falam português. Arrevesado, enrolado e totalmente fora do vernáculo. Segundo o diretor Louis Leterrier explicou-se à Folha, ficaria muito "caro" contratar atores brasileiros para filmar no Canadá (onde a maioria das cenas foi realizada). Daí, nós brasileiros somos obrigados a tolerar este tipo de coisa. Diga-se de passagem, os dois únicos atores genuinamente brasileiros do elenco enriquecem esta fase do filme: a brejeira Débora Nascimento, colega de Banner na fábrica, e o convincente Rickson Gracie, instrutor de artes marciais que ensina Banner a dominar a respiração e a adrenalina. Banner está no Brasil atrás de uma flor que pode servir como antídoto para a sua condição (de se transformar num monstro poderoso e incontrolável quando sente muita raiva, medo ou emoções fortes). Pela Internet, Banner mantém contato e recebe dicas de um misterioso cientista, Mr. Blue (Tim Blake Nelson). Mas o incansável General Ross (Hurt) está no encalço de Banner, a fim de transformá-lo numa cobaia-modelo para um super-soldado. Para a missão de capturá-lo no Brasil, contrata o veterano Emil Blonsky (Roth, não o Celso). Quando a missão gringa chega ao Brasil atrás de Banner, começa a ação, a perseguição - e os crimes contra a geografia. Não é à toa que o povo americano não entende patavinas de geografia. Hulk foge do Rio e Banner acorda na Guatemala! Tudo bem que ele se locomove com pulos quilométricos, mas não precisavam exagerar tanto. Podia ter feito uma paradinha na Venezuela, ou até mesmo no Panamá. Da Guatemala ao México e do México aos Estados Unidos, Banner vai atrás dos dados que podem lhe ajudar a alcançar a cura. Leterrier capricha na agilidade da câmera, mas seu O Incrível Hulk perde para o Hulk de Ang Lee.

sábado, junho 14, 2008

Bella

Filme preferido do público em Toronto 2006, Bella é o longa de estréia do mexicano Alejandro Gomes Monteverde. Segundo alega superiormente o crítico Roger Ebert, ele "consegue entender" por que este filme foi a escolha popular e, em vez de dizer o que o filme é, prefere dizer o que não é: nem "profundo" nem "estúpido".
Puxa vida! O famoso resenhista não esclarece, porém, o que ele considera um filme "profundo" e um filme "estúpido". Filme profundo seria, talvez, aquele que possibilita leituras variadas, faz intertextos, gera reflexões, provoca o intelecto ao mesmo tempo que carrega ternura? Filme estúpido seria, talvez, a antítese do filme profundo, aquele que não possibilita leitura alguma, faz pastiches, não gera reflexão alguma, afronta o intelecto ao mesmo tempo que carrega repulsa? Profundo seria Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman? Estúpido seria Fome Animal, de Peter Jackson?
O raciocínio de que Bella "não é estúpido" soa-me uma tremenda estupidez.
Bella é bem mais do que apenas isso. Comparado com a maioria dos filmes atuais, Bella é um filme profundíssimo. Tipo do filme que dá vontade de cultuar e de ver repetidas vezes, assim como Lúcia e o Sexo (leia sobre o filme de Julio Medem em

(http://olharcinefilo.weblogger.terra.com.br/200305_olharcinefilo_arquivo.htm). Por sinal, Monteverde deve ter algum tipo de admiração por Julio Medem. Os dois filmes tecem retalhos intertextuais e sob certos aspectos abordam temas afins.
Em Bella, Jose (o carismático Eduardo Verastegui) trabalha como cozinheiro-chefe do restaurante de seu irmão Manny. No dia em que o exigente Manny despede Nina (Tammy Blanchard) por ter chegado a terceira vez com atraso ao trabalho, Jose abandona a cozinha e segue Nina. Os dois passam o dia juntos, numa jornada de conhecimento mútuo e revelações pessoais. Delicado e sensível, Bella merece a atenção de quem é capaz de apreciar cinema - desde os filmes mais profundos até os mais estúpidos.

terça-feira, junho 10, 2008

As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian

A obra acadêmica mais importante do irlandês C. S. Lewis (1898-1963) chama-se The Allegory of Love: A Study in Medieval Tradition (1936). É na fonte da literatura medieval e das mitologias romana, grega e nórdica que Lewis embasa o mundo de seres fantásticos e animais falantes criado nas Crônicas de Nárnia, série de 7 livros infanto-juvenis lançada ao longo da década de 1950 (1950, O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa; 1951, Príncipe Caspian; 1952, A Viagem do Peregrino da Alvorada; 1953, A Cadeira de Prata; 1954, O Cavalo e seu Menino; 1955, O Sobrinho do Mago; e 1956, A Última Batalha). Marcadas pela apologética cristã, as Crônicas de Nárnia são uma metáfora da luta do bem (os habitantes de Nárnia - animais, centauros, faunos) contra o mal (o povo Telmarine, de aparência humana). O único personagem presente em todos os livros é o leão Aslam (que, para alguns, representa Jesus Cristo). Dublado por Liam Neeson, Aslam em O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa comanda as ações; em Príncipe Caspian aparece pouco, mas decisivamente. O diretor do primeiro filme das Crônicas de Nárnia, Andrew Adamsom (co-diretor de Shrek e Shrek 2), continua o maior responsável pelo processo de trazer à tela a obra rica de Lewis. Partícipe da roteirização, Adamson enfatiza a ação e as batalhas, sem, entretanto, privar a película da alegoria do amor, no caso, entre Caspian (Ben Barnes), príncipe dos Telmarines, e Susan Pevensie (Anna Popplewell), tímida estudante londrina/rainha arqueira de Nárnia. A sessão contou com a simpática presença de um grupo de adolescentes do sexo feminino, que dominou a fileira de cima e, por sua inquietude, impaciência e certa falta de etiqueta cinéfila, provocou contínuas (e infrutíferas) reclamações de Telmarines, digo adultos rabugentos.