Senão, vejamos.
Uma canção: Porto dos Mortos, composta por Felipe Longhi, é considerada pelo diretor a “canção de sua vida”. Um carro: um dos trunfos do filme, o Maverick preto e seu motor V8 emprestam uma sonoridade que domina o road movie. Um diálogo (?): emblema da falta de comunicação de nossos dias, o garoto caroneiro simula um diálogo com o calado motorista do Maverick. Uma cena: o cinema trash já tem sua clássica e desconcertante cena de escada (ver foto abaixo); os degraus de Eisenstein e De Palma que se cuidem. Uma originalidade: os zumbis, aqui, são um mal a ser evitado, não uma ameaça real e imediata; estão ali, ao redor, e inspiram mais pena do que medo; os retornados são, nas palavras do diretor Davi de Oliveira Pinheiro após a sessão do Clube de Cinema, uma espécie de “direção de arte” do filme.
Uma quebra de paradigmas: se você vai ver um filme de zumbi, espera ver um zumbi atacar e devorar miolos de pobres humanos; em Porto dos Mortos, porém, a maior e dantesca crueldade é perpetrada por um humano “não infectado” contra um zumbi cego e indefeso. Uma otimização do baixo custo: a película porto-alegrense entra para o rol de cults como Repo Man, Liquid Sky, Bad Taste e El Mariachi, em que orçamentos relativamente baixos são otimizados pela produção; chega a ser comovente o esforço do elenco e dos responsáveis pelas diversas áreas técnicas como figurino, fotografia, som, etc. para obter ótimos resultados apesar do orçamento limitado.
A falta de “alívio cômico” tem uma explicação: o diretor contou para os presentes à sala P. F. Gastal que a cena mais engraçada foi cortada, com o objetivo de manter a unidade e o clima da obra. Pensando bem, existe um humor nas entrelinhas do roteiro, como na mencionada conversa unilateral e nas falas monossilábicas do protagonista. Tudo somado, dos requisitos necessários para se tornar cult, Porto dos Mortos talvez ainda não tenha apenas um: cultuadores.