Os incautos devem pensar que a Academia "mudou o perfil" e, de uns anos para cá (leia-se, a partir de Crash) tem premiado filmes de produtoras menores, mais "artísticos" e menos "comerciais". Essa é a percepção de quem não tem conhecimento da história do Oscar, o mais importante prêmio do cinema mundial. Afinal, SEMPRE a Academia premiou filmes independentemente de seu orçamento, SEMPRE a Academia chamou a atenção para filmes que valem a pena serem vistos, SEMPRE a Academia serviu ao público de baliza do melhor que se faz do cinema num ano, numa década. E 12 anos de escravidão só confirma a tradição da Academia em acertar em cheio. O filme de Steve Mcqueen abiscoitou três Oscars: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Coadjuvante. O roteiro bem alinhavado de John Ridley baseia-se no livro 12 years a slave, narrativa verídica publicada em 1853, e conta a assustadora situação de Solomon Northrup (Chiwetel Ejiofor), violinista nova-iorquino que é raptado e vendido para trabalhar como escravo nas fazendas de algodão, no sul dos EUA. De fazenda em fazenda, Solomon vivencia vários dramas e conhece a realidade de outros escravos, como a tímida Patsey (Lupita Nyong'o), assediada pelo fazendeiro Edwin Epps (Michael Fassbender, indicado para o Oscar de coadjuvante). A saga de Solomon é contada com um supremo cuidado com todos os detalhes, desde o figurino até a maquiagem, e, é claro, a fotografia e a direção. Com um elenco de apoio bastante expressivo (Paul Dano, Sarah Paulson, Paul Giamatti, Benedict Cumberbatch e Brad Pitt, entre outros), 12 anos de escravidão mostra com uma fotografia deslumbrante a contundente beleza das paisagens sulistas, contrastando ainda mais com os horrores humanos que ali aconteceram. Nos extras, o diretor Steve Mcqueen explica como concebeu e foi realizada a cena do açoite de Patsey, uma das mais impactantes do filme. E também o ator Chiwetel Ejiofor lê trechos do livro, permeados com cenas e depoimentos dos atores e profissionais que participaram da produção.
domingo, julho 20, 2014
Olho nu
O grupo Secos e molhados fez um sucesso meteórico na década de 1970 no Brasil, musicando poemas e teatralizando nas apresentações. Foi um dos momentos mais significativos da carreira do cantor Ney Matogrosso, camaleônico intérprete da MPB. Essa fase e outras tantas aparecem no documentário Olho nu, de Joel Pizzini. A película mostra o background do cantor, sua relação conturbada com o pai militar (mas que no fim aceita o fato de o filho ser artista), sua dificuldade em se resignar com as imposições do "mercado fonográfico", sua versatilidade de repertório, suas muitas e férteis parcerias com outros cantores e compositores. Prato cheio para quem deseja conhecer mais sobre a história não só de um importante cantor nacional, mas de nossa música.
Oslo, 31 de agosto
Com direção de Joachim Trier, Oslo, 31 de agosto é um filme que nos desperta sensações ambíguas. Ou melhor, nada a ver usar plural majestático num blog de cinema. E sobre suas próprias sensações, aliás, cada um deve tentar identificar e saber reconhecer. Portanto, vou falar das minhas. Ora, quem é que vai numa sala de cinema alternativa em plena manhã dominical para assistir a um filme norueguês cuja resenha já indica que é do tipo “de cortar os pulsos”? No mínimo, nenhum desavisado. No mínimo, alguém que já sabe que o filme remete a Trinta anos esta noite, realizado por Louis Malle em 1960, adaptação do livro Fogo fátuo, de Pierre Drieu La Rochelle, inspirado na vida do poeta francês Jacques Rigaut. Mesmo assim, não consigo negar que o filme me provocou, a princípio, uma profunda irritação. Mais um filme tedioso composto sob a égide do dogma 95, mais uma película sobre vazio existencial, sucessão de diálogos cotidianos e enfadonhos cujo interlocutor sempre é o mesmo e enfadonho protagonista. Pausa. Respire fundo. Tente ir além. Observe o rigor formal. A arte que involucra a história. A música que não toca, exceto quando há música de verdade, A-ha tocando no rádio do táxi, um piano melancólico tocado em uma casa prestes a ser vendida. Cena após cena, a irritação começa a dar espaço à admiração. Em especial, a cena em que Anders senta sozinho num café e passa a prestar atenção quase involuntariamente nas conversas das mesas ao redor. Identifiquei-me com esta cena. Anders (Anders Danielsen Lie) é meio assim, parece que mesmo sem querer, nada lhe escapa, tem uma audição panorâmica e um radar até meio paranoico, tipo, que nota quando alguém lhe observa ou comenta algo sobre ele. Começo a tentar entender Anders e a me identificar com ele, e não é difícil para ninguém se identificar com um perdedor com QI alto habitante de um país nórdico. Ah, a bela sonoridade das línguas escandinavas! Para desfrutar de Oslo, 31 de agosto, basta isso: baixar a guarda. Entregar-se ao filme e à arte cinematográfica como um suicida imola a alma.
Getúlio
Assinar:
Postagens (Atom)