Mitt liv som hund (My Life as a Dog, 1985), adaptação do romance de Reidar Johnsson, tornou o diretor sueco Lasse Hallström mundialmente famoso e o ajudou a fazer a transição a Hollywood.
O autor do romance é um dos corroteiristas do filme.
Ingemar (Anton Glanzelius) é um menino de 12 anos que mora com a mãe e o irmão mais velho. O pai está no Equador exportando bananas.
A mãe de Ingemar adoece, e uma amiga afirma que o pai deveria voltar para cuidar dele. Ao que o menino responde, muito sério: "E quem vai cuidar das bananas?".
Esse ponto de vista meio estoico, meio bem-humorado em relação aos acontecimentos é uma característica forte da personalidade de Ingemar.
Ele é apenas um garoto entrando na puberdade que vive fazendo artes e deixando a mãe ensandecida.
Ele vive fazendo comparações, lembrando de pessoas e animais que passaram por situações mais críticas do que ele. Como Laika, a cadela-cobaia sacrificada a bem da ciência espacial.
Quando a mãe piora de saúde (está com tuberculose), os dois filhos são obrigados a se afastar, para que ela possa tentar melhorar. A cachorrinha de Ingemar é colocada num canil, e o garoto é enviado de trem para uma temporada com o tio Gunnar, numa cidadezinha do sul da Suécia.
Lá, conhece personagens diferentes, como o homem que conserta telhados, o equilibrista, o escultor, a moça contratada para ser a modelo de uma escultura e o inválido avô Arvidsson (que às escondidas pede a Ingemar ler uma revista com anúncios de cintas modeladoras femininas).
Aos poucos, faz novas amizades, principalmente com Saga (Melinda Kinnaman), com quem estabelece uma relação muito especial.
Com rara sensibilidade, Lasse Hallström constrói um filme que se tornou uma referência quando o assunto é a transição da infância com a adolescência, quando a criança é obrigada a amadurecer meio à força, por conta das adversidades inesperadas.
A máxima do Barão de Itararé, "De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo", não vale para este filme de baixo orçamento que rendeu três vezes o seu custo nas bilheterias e acabou se tornando um cult do terror.
Lewis Teague é o nome dele. Ninguém esperava muito deste filme, então um cara sem muita expressão foi escalado para dirigi-lo.
O moçoilo, que havia se preparado como diretor de segunda unidade de ninguém menos que Samuel Fuller no filme Agonia e glória e estreado com Alligator (1980), ao pegar o roteiro adaptado da obra de Stephen King nas mãos, murmurou consigo: "Eu não chamo Lewis Teague se este filme não fizer um baita sucesso".
Dito e feito.
A direção é extremamente bem elaborada, e obteve resultados sensacionais no trabalho com o protagonista, levando em conta que muitas das cenas em que Cujo aparece foram feitas com um cachorro de verdade. Hoje em dia jamais esse filme poderia ter sido feito, pois as Associações de Proteção aos Animais não teriam deixado. Afinal de contas, o belo são-bernardo que interpreta Cujo é submetido a uma horrenda maquiagem e atua com perfeição em todas as cenas.
Na direção das cenas dos ataques e do pavor das personagens, Lewis Teague também mandou bem. Ele inclusive bolou uma tomada clássica, dentro do carro, em que a câmera vai girando lentamente, ora focando a mãe que está com a coxa toda arrebentada pelas mandíbulas do cão raivoso, ora o filho dela, praticamente asfixiado de terror, e a câmera vai aos poucos acelerando, até chegar a um ritmo vertiginoso...
É mais ou menos assim que a história de Cujo se desenrola.
A situação impasse é algo só possível na mente de um demente Stephen King: um carro estragado, um cão raivoso, duas pessoas dentro do carro sem poder sair, nem pedir socorro.
As pessoas que não concebem a vida sem telefone celular deveriam assistir a este filme. A ação ocorre há poucas décadas, mas algumas inovações tecnológicas não existiam ainda. Telefonia, só de aparelhos fixos.
Mas no fundo Cujo mostra um modus vivendi pouco diferente do atual... O adultério é um subtema importante aqui, e Stephen King procura investigar se existe uma redenção possível nesses casos.
Na ocasião, o diretor Lewis Teague mal sabia que estava dando um passo importante para dois anos depois realizar seu filme de maior orçamento: Joia do Nilo (1985, cuja lucrativa bilheteria quadruplicou o orçamento), não sem antes fazer outro inspirado em Stephen King: Olhos de gato (dobrou o orçamento).
Não dá para entender por que cargas d'água esse diretor parou de ser aproveitado em Hollywood. Seus filmes sempre lucraram bem mais que o valor investido nas realizações, e ele demonstrou talento em seus projetos. Por algum motivo foi sendo colocado de lado pela indústria e, após a década de 80, só fez filmes para a televisão.
Hoje em dia há uma aparente falta de talento na indústria de cinema. Assim, qualquer cineasta com um mínimo de inspiração pode ser a "bola da vez", ganhar os holofotes e, de quebra, ser escalado para encabeçar o novo filme de uma velha e combalida franquia. Numa era sem heróis, a indústria se esforça para inventar alguns.
O que Taika Waititi tem com isso? Nada. Ele apenas tem uma boa dose de imaginação e talento. O cineasta neozelandês segue à risca a cartilha de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa: "Ah, se ousares, ousa!". Os filmes de Waititi são agradáveis, abordam temas interessantes, são repletos de citações, provocam discussões, risos e talvez algumas lágrimas. Ninguém poderia exigir mais de um diretor hoje em dia.
Acontece que Jo-Jo Rabbit ganhou nada mais nada menos que um Oscar de Melhor Roteiro. Estamos falando do ápice da qualidade textual em termos de cinema. Algo me diz que a honraria foi mais pela "temática" do que pelo roteiro em si, que tem várias partes desconjuntadas, e que, em muitos momentos, "it does not ring true".
Não é preciso ser um gênio para perceber que esta é a resenha de alguém que estava com muita vontade de assistir ao filme, mas, ao pagar o "pay-per-view" em streaming, coisa que nunca fizera em sua carreira de cinéfilo, e assistir ao filme em sua casa, com a internet travando toda hora, decepcionou-se.
Claro que eu teria apreciado mais a experiência em uma sala de cinema decente, mas é inegável que eu esperava mais deste filme. É o tipo do filme inferior ao trailer. Não estou dizendo que não vale a pena assistir a Jo-Jo Rabbit ou que o filme não merece a atenção que recebeu. Ele se destaca justamente porque vivemos numa era de mesmice, na qual um mínimo de originalidade e ousadia é suficiente para a tentativa de criar "the next big thing".
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A indústria do cinema parece em vias de falta de oxigenação. Já estava a perigo antes da pandemia, e agora o seu futuro é mais incerto ainda.
O cinema está em franca decadência em dois planos: na qualidade das produções e nas políticas de distribuição.
A arrogância de manter a política de ingressos caros, a burrice de inventar regras burras e de tirar a autonomia dos funcionários.
A mania de nivelar por baixo a inteligência do público e a obsessão por pasteurizar cineastas promissores.
Eu já vi este filme antes... Tantos diretores talentosos que "vendem a alma para Hollywood" e, após dirigirem filmes de franquias famosas, ficam mascarados e "perdem a mão". Acabam presos numa gaiola como coelhinhos e jamais voltam a ser os mesmos.
É um círculo raramente virtuoso. Quando se é independente, reclama-se da falta de grana. Quando se tem grana, reclama-se da falta de liberdade artística. Vamos ver se Taika Waititi conseguirá o tão sonhado equilíbrio entre sucesso comercial e artístico, coisa que pouquíssimos diretores foram capazes de conseguir.