Uma das coisas que eu mais prezo é a coerência.
E quem lê este blog sabe das vicissitudes de um amante do cinema que mora no interior, longe da capital.
Sabe que eu vivo comentando o quanto é difícil filmes de arte chegarem aqui.
Então seria muita incoerência de minha parte não ir assistir a O último azul no Cine Lumine de Carazinho.
Ainda por cima na semana em que o ingresso está a 10 pila.
Com direção de Gabriel Mascaro e elenco liderado por Rodrigo Santoro e Denise Weinberg, o filme brasileiro foi consagrado com o Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri no Festival Internacional de Cinema de Berlim, segunda maior honraria do festival (só perdendo para o Urso de Ouro).
O roteiro focaliza a saga de Tereza (Denise Weinberg) que, aos 77 anos, recebe do governo a ordem de ser levada compulsoriamente à colônia dos idosos. Ela reluta porque tem outros planos.
Dispensada dos trabalhos no frigorífico de jacarés onde trabalha na linha de abate e esfola, Tereza se vê tolhida por um sistema governamental autoritário, pelo qual ela deve usar fraldas e morar longe dos familiares mais jovens.
Rebelde, ela dribla a equipe responsável pela "coleta" dos idosos e parte para uma viagem em busca de redenção e livramento.
A jornada que ela faz é pelas águas, e em cada embarque vai conhecendo pessoas e tendo experiências diferentes.
Um dos barcos é pilotado por Cadu (Rodrigo Santoro), que a ensina como conduzir o leme e acionar as alavancas de comando.
Entre um aprendizado e outro, Tereza mergulha nos mistérios das águas amazônicas e no poder místico e esotérico de um caracol que solta um muco azul.
Cadu mostra à Tereza que, ao pingar esse muco nos olhos, as pupilas dilatam e a parte branca do olhos se colore de anil, com a pessoa entrando em um transe ou delírio sensorial.
Algo que remete o espectador às experiências psicodélicas do livro As portas da percepção, de Aldous Huxley, em que o autor narra suas experiências com a mescalina, livro que inspirou Jim Morrison a criar a banda The Doors.
Outro livro que dialoga com o filme de Mascaro é um que li recentemente, escrito por Drauzio Varella: O sentido das águas: Histórias do Rio Negro.
Enquanto Tereza deslizava pelas misteriosas águas amazônicas na tela, recordei de algumas histórias contadas no livro do famoso médico brasileiro, histórias reais, histórias de casas flutuantes e de palafitas, histórias sobre os indígenas, flagrantes intimistas de esperança e singeleza, exemplos de preservação histórica e da natureza, mas também sobre o pior que o ser humano é capaz.
No distópico mergulho ao futuro brasileiro de Mascaro, esse contato com a natureza nos faz migrar do bucólico e romântico ao cruel e ganancioso, e isso chega ao auge em uma sequência emblemática, em que Tereza, desesperada para conseguir dinheiro para comprar sua liberdade, aposta tudo que tem e até o barco em uma briga mortal de peixes-beta.
Em O último azul, a beleza da natureza está sempre contrastada com a rudeza dos homens.
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