Acho engraçado quando pessoas cultas, inclusive jornalistas, artistas e escritores, se confundem na hora de se expressar sobre um assunto que envolve a escolha de títulos de filmes.
Só para dar um exemplo, o escritor José Roberto de Castro Neves, na obra Shakespeare e os Beatles: o caminho do gênio, fez o seguinte comentário:
"(...) Os reis do iê-iê-iê (a tradução feiosa de A Hard Day's Night) ".
Como se a "culpa" do título escolhido fosse de um tradutor.
Desconhecimento de como se faz a escolha de títulos.
Nem sempre (ou talvez o mais exato seria dizer raramente?) a equipe de tradução é ouvida, ou se é ouvida, a opinião dela não é levada em conta.
Seja como for, em muitos casos é realmente necessário uma adaptação, porque a tradução literal "não funciona" culturalmente ou até mesmo afugentaria o público.
No caso citado acima, chama atenção o fato de que o autor, recentemente escolhido para a Academia Brasileira de Letras, se acha engraçadinho ao criticar a "feiura" da tradução, mas prefere, é claro, ficar longe de tentar uma "tradução" melhor.
Do ponto de vista de um tradutor profissional, eu preciso elogiar, primeiro, o trabalho da tradução das dublagens brasileiras (outra coisa que os arrogantes que acham que sabem inglês vivem criticando, sempre se apressando a declarar que só assistem a filmes legendados, afinal, é claro, assistir a filme dublado é coisa do povão).
E em segundo lugar, vai meu elogio também aos gênios que colocam títulos brasileiros nos filmes.
Muitas sacadas são geniais e os títulos originais são superados (p. ex. Levada da breca, O poderoso chefão, Curtindo a vida adoidado, etc.)
Quem são esses gênios?
Eu gostaria de saber.
Funcionários e executivos da distribuição de filmes, imagino eu.
Em mesas-redondas, se reúnem para tomar a decisão.
"Armas", sugere o tradutor literal.
"Armas do crime", palpita o tradutor explicativo.
Um debate sobre o filme se segue, e a especialista em plots avisa:
"O título original não vai funcionar e ainda por cima é spoiler."
E explica os motivos.
O estagiário levanta a mão:
"Tenho uma ideia. O fato desencadeador acontece às 2:17 da madrugada. Que tal 'A hora fatal?'."
O tradutor explicativo protesta dizendo que nesse caso deveria ser "O horário fatal".
Um brainstorm se segue, em que vêm à tona vários títulos nessa linha, entre eles, "A hora da bruxaria", "A hora das armas" (sugerida pelo tradutor literal), e "A hora do enigma".
Até que o executivo-chefe, em sua poltrona maior na cabeceira da mesa, com seu infalível faro comercial, vaticina:
"A hora do mal".
Aplausos e comemorações se seguem, e o grupo sai dali direto a um happy hour.
Tudo isso para dizer que Weapons é um bom filme de Zach Cregger, cujo título original "Armas" não funcionaria, além de ser meio spoiler, e por isso foi bem ou mal substituído pelo genérico e insosso A hora do mal.
E por que é spoiler? Se eu explicar aqui, vou estar dando spoiler.
A estrutura do filme, arquitetada em sequências contadas sob diferentes pontos de vista, cada qual intitulada com o nome do personagem em questão, é um dos pontos fortes do roteiro.
Permite ao espectador reconstruir os fatos sem pressa e compreender as angústias e intenções de cada pessoa envolvida.
O fato de Zack Cregger ser um comediante que está se especializando em filmes de terror é algo digno de nota, e explica o constante e eficiente uso de alívios cômicos ao longo da tensa narrativa.
Que a indústria não absorva mais esse novo talento em franquias.
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