domingo, abril 30, 2006

Crime Ferpeito



Rafael é chefe do setor de roupas femininas mas quer o cargo de gerente do andar. Para obter a promoção, que sedimentaria sua posição de garanhão acostumado a traçar todas as belas vendedoras do setor de roupas femininas, precisa vender mais que o concorrente à vaga, Don Antônio, chefe do setor masculino. Lourdes, por sua vez, é uma das poucas mulheres que trabalham com Rafael e nunca foram assediadas por ele: é feia como um raio. Mas acalenta o desejo secreto de um dia ter Rafael na cama.

Don Antônio vence a competição interna e usa o poder de seu cargo para rebaixar Rafael; num dia os dois entram em contenda corporal nos provadores, e a luta resulta no óbito do asqueroso chefe. Mas uma pessoa que estava na cabina ao lado, da qual Rafael só consegue ver os sapatos, é testemunha de tudo e começa a chantagear Rafael.
Essas são as ideias iniciais de Crime ferpeito, meticuloso estudo sobre os efeitos da feiúra humana realizado pelo diretor espanhol Álex de la Iglesia (O dia da besta, O bar). 

 Crime Ferpeito (Crimen Ferpecto, 2004), Álex de la Iglesia | O Dia ...
Especializado em uma mistura de horror e humor tétrico, Iglesia demonstra timing para comédia e faz bom trabalho na tarefa de criar e manter o interesse da audiência a maior parte do tempo. Repleto de citações explícitas e implícitas de filmes de suspense, entre eles Encurralado, de Steven Spielberg, o terrir espanhol apenas peca na metragem um pouco estendida (1h43min).

Impressões de um Cinéfilo: Crime ferpeito e seu desfile de bizarrices

Quase tão divertida e movimentada quanto a película foi a sessão, que incluiu a retirada de uma vovó horrorizada com seu netinho ao presenciar a cena em que uma das vendedoras cavalga Rafael numa das camas da loja, a quase queda no escurinho do cinema de um incauto espectador nos degraus perigosos do Aero Guion e as gargalhadas histriônicas e exageradas de um senhor que às vezes provocavam mais risos que as próprias cenas.

sábado, abril 29, 2006

Terapia do Amor


A produtora Rafi (Uma) se vê, no esplendor físico e intelectual de seus 37 anos, divorciada e sem fihos. A sua psicóloga (Meryl Streep) tenta ajudá-la a substituir a frustração de um relacionamento onde primava a mentira pela oportunidade de vida nova. Não demora, ela volta a sair com os amigos. E qual o programa ideal para desopilar, purgar os males, alcançar a catarse, ver gente nova? O cinema, é claro. É reprise de um filme de Antonioni e na fila Rafi conhece o aspirante a pintor Dave (Bryan Greenberg), que, mesmo acompanhado, se encanta com Rafi. Poucos dias depois procura o nome dela no guia telefônico.
Tudo seria perfeito não fosse um detalhe: Dave tem apenas 23 anos. Rafi e Dave começam um embate entre o raciocínio e a pele, a lógica e o desejo, a segurança e o risco, o futuro e o presente, mediado sempre pelas visitas semanais de Rafi à terapeuta. Dave mergulha pra valer no namoro, afinal, Rafi tem cabelos loiros, olhos azuis, feições marcantes, papos articulados, finanças estáveis e, last but not least, curvas perfeitas – e carentes. Rafi, por sua vez, é mais cautelosa e não se entrega inteira.
O filme de Ben Younger, cientista político que já trabalhou como assessor, garçom, motorista e estreou na direção com O Primeiro Milhão (Boiler Room, 2000), é o tipo de ‘comédia romântica’ não descartável, que costura, com humor inteligente, situações que envolvem aceitação e personagens secundários que fazem a diferença, como o impecável porteiro do prédio de Rafi e a bisavó de Dave – que demonstra de modo inusitado sua indignação e perplexidade.

terça-feira, abril 25, 2006

Um Herói do Nosso Tempo


Radu Mihaileanu não é um cineasta muito prolífico. Sua filmografia engloba Trahir (1993), Train de Vie (Trem da Vida, 1998) e Va, vis et deviens (Go, See and Become / Um Herói de Nosso Tempo, 2005). Xodó do público no Festival de Berlim, vencedor do César de Melhor Roteiro Original, a nova película do diretor romeno está em cartaz no Guion, em sessões concorridas. Seus projetos são demorados mas sempre contundentes. Trem da Vida chamou atenção pela originalidade e ousadia da história. E ao acender das luzes de Um Herói de Nosso Tempo, queda o público imóvel, como que envolvido por uma forte carga emotiva, e como quem demora um pouco para se recompor e/ou disfarçar as lágrimas.
O apelo ao sentimento é uma constante nos 140 minutos do longa-metragem, que parte de um fato histórico, a Operação Moisés, que removeu em 1984 milhares de falashas (judeus etíopes) de seu país de origem para uma nova vida em Israel. Ao contar as peripécias de Schlomo, menino, adolescente e jovem adulto, a produção franco-israelense debate temas como fome, amor filial e ao torrão natal, discriminação racial e religiosa, adoção, relações familiares, descoberta da sexualidade e idealismo.
A diversidade étnica mostrada no filme aparece no elenco. Yaël Abecassis (israelense) e Roschdy Zem (francês filho de marroquinos) interpretam mãe e pai adotivos de Schlomo. Três atores talentosos vivem o personagem principal: o primeiro é Moshe Agazai, de 11 anos, nascido em Rehovot, um dos subúrbios pobres de Tel Aviv; Mosche Abebe (16), nascido em Adis Abeba, capital da Etiópia e Sirak M. Sabahat (25), de Walita, norte da Etiópia. A mais jovem participante do elenco é a comportada e meditativa Rivkalée Abravachy. Nascida há 5 anos num kibutz a 40 Km ao norte de Tel Aviv, interpreta Mandala, a vaca holandesa. Outra promissora atriz é a namorada de Schlomo (Roni Hadar).
Problemas na cadência do filme – a história é contada sem pressa até uma altura e então passa a acelerar demais – não chegam a comprometer a força da obra. Um diálogo possível ao final do filme é trocar idéias do tipo “Em que parte você chorou?”

segunda-feira, abril 10, 2006

Stephen Frears Apresenta



Ashes to ashes, dust to dust. Assim começa o novo filme de Stephen Frears (Minha Adorável Lavanderia, Ligações Perigosas): Sra. Henderson Apresenta. No enterro do Sr. Henderson, uma circunspecta viúva está prestes a tomar as rédeas de sua fortuna. Contenção britânica: a viúva não derrama uma lágrima durante o funeral. Para desabafar, tão logo a esquife é baixada e o povo dispersa, pede ao motorista para pegar um desvio e descer ao cais. Toma um bote, rema até o meio do rio e, ao se ver sozinha, chora. Aparece outro barco e ela silencia de novo.
Não há viuvez, porém, que não faça bem: a serelepe Sra. Laura Henderson, ninguém menos que Judi Dench, compra um teatro velho e manda reformá-lo. Falta, entretanto, alguém com know-how e pulso para transformar a renovada casa num empreendimento de sucesso. Ela procura uma pessoa capaz de coordenar tudo. A cena em que contrata o gerente Vivian Van Damm (Bob Hoskins) é um bom exemplo do que uma grande atriz e um grande ator podem fazer quando o script ajuda.
Sra. Henderson gosta do perfil do gerente. Ele é teimoso, sabe o que quer e tem idéias ousadas. Logo de cara resolve adotar um sistema de espetáculos contínuos, em vez de apenas dois espetáculos diários. A idéia é um sucesso e o teatro prospera.
O palco está pronto para Stephen Frears nos apresentar a sua singela história de esperança em meio a uma Londres prestes a ruir – não tarda a estourar a Segunda Guerra Mundial. O Windmill Theater, depois de um começo meteórico, enfrenta dificuldades pelas imitações da concorrência. É preciso inovar. Sra. Henderson usa de sua perspicácia e influência para conseguir autorização para expor a nudez das atrizes. Consegue a permissão, desde que as 'partes pudendas' sejam devidamente depiladas e as atrizes desnudas permaneçam imóveis no palco.
Mamilos, seios e ventres; dorsos, espáduas e nádegas; colos, costelas e coxas: o público ávido volta a lotar a casa. De estático, porém, o enredo não tem nada. Desenrolam-se elementos como o ciúme que Sra. Henderson demonstra ao saber que o gerente do teatro é casado; a atriz que despe o corpo mas não o entrega a ninguém; o filho de Sra. Henderson, morto na Primeira Guerra, que jaz num cemitério francês; os bombardeios sobre uma Londres estupefata e impotente. Tudo Stephen Frears apresenta com propriedade e faz de Sra. Henderson Apresenta um bom acréscimo à sua respeitada filmografia.

Anjos da Noite - A Evolução


Durante a sessão, uma pessoa dirigia a outra perguntas do tipo “Por que ele é um híbrido?”, “O que aconteceu mesmo no primeiro filme?”, e assim por diante. Na verdade, vamos combinar, pouco importa se você viu ou não o primeiro filme.
A continuação dá um breve insight dos fatos, mas tudo isso é irrelevante. Tanto a primeira como a segunda película sustenta-se não pelos meandros da trama, mas sim pela silhueta, os cabelos, a roupa, a tez e os olhos de Selene, a gótica heroína, encarnada por Kate Beckinsale.
A atriz nascida em 1973 na Inglaterra superou a anorexia da adolescência e estreou no filme ‘Muito Barulho por Nada’ (1993), de Kenneth Brannagh. Sua filmografia inclui The Prince of Jutland (1994), Cold Comfort Farm (1995), Brokedown Palace (A Viagem, 1999), The Golden Bowl (A Taça de Ouro, 2000), Pearl Harbor (2001), Escrito nas Estrelas (Serendipity, 2001), Anjos da Noite (Underworld, 2003) e Van Helsing (2004). Fará par romântico com Adam Sandler na comédia Click (2006).
Sobre o conteúdo (?) de Anjos da Noite – A Evolução, a dizer, apenas, que remete às origens da divisão genética entre lycons (lobisomens) e vampiros, em que dois irmãos, na Idade Média, bifurcaram as linhagens. De quebra o roteiro traz vários intertextos espalhados, em especial citações do cult movie “Quando Chega a Escuridão”, de Kathryn Bigelow, em que uma troupe de vampiros atravessa as planícies norte-americanas num trailer.
A bonita fotografia argêntea e algumas cenas valem o filme: Kate pilota um caminhão enquanto Michael, o namorado híbrido, tenta repelir o ataque do vampiro primigênio; a dupla de heróis invade um antro guardado por lycons a fim de conseguir informações importantes e o embate final na caverna inundada contra os dois irmãos seculares. Catarse dark.

O Plano Perfeito

Fazer reféns num banco não é novidade no cinema. Já rendeu pelo menos um pequeno clássico do diretor Sidney Lumet – ‘Um dia de cão’, em que um Al Pacino alucinado e seu bando invadem o banco com o nobre objetivo de arrecadar grana para a operação de troca de sexo de seu amante (Chris Sarandon).
No filme Inside Man (2006), de Spike Lee, novamente um banco é alvo do ataque de uma quadrilha, desta vez mais organizada. O quanto essa quadrilha é organizada, aliás, é recomendável não se comentar. Melhor que o espectador perceba ao longo do filme. Os motivos para o roubo? Também o espectador pode tirar suas conclusões, ou acreditar no que diz Dalton Russel, o líder da quadrilha (Clive Owen). Afirma ter feito tudo apenas para provar que... era capaz de fazer.
Sucesso de bilheteria, o filme representa um passo de Spike Lee para longe de seus temas familiares, étnicos e sociais. Pululam os clichês: nesse tipo de filme, para lidar com a situação toda, sempre é chamado um detetive negociador. Lá vem o indefectível Keith Frazier, personagem de Denzel Washington e seu pseudo bom-mocismo. Exigências são feitas pelos seqüestradores-ladrões. Policiais tentam ganhar tempo e enrolar. Represálias dos seqüestradores, que são (ou se acham) sempre mais inteligentes, espertos e violentos que a polícia. E para (tentar) aumentar o suspense, que tal uma inverossímil história de bastidores envolvendo o dono do banco e seu obscuro passado?
No fim das contas, a pergunta que o fora-da-lei se faz no começo sobre o motivo do roubo, pode ser dirigida a Spike Lee, o autor de Faça a Coisa Certa, sobre o motivo de ter realizado este filme. Por que?