quinta-feira, março 23, 2023

O homem que matou o facínora

 


Faroeste clássico dirigido por John Ford, tendo como base a atuação de três atores: John Wayne, James Stewart e Lee Marvin, respectivamente nos papéis de Tom Doniphon, o típico caubói que sempre anda armado, um cara do bem, mas cético em relação a resolver certos assuntos no diálogo e dentro da lei; Ransom Stoddard, um advogado que é espancado durante um ataque à diligência e depois se torna senador; e Liberty Valance, que os distribuidores brasileiros do filme transformaram no "Facínora" mais famoso do cinema.

E Liberty é realmente um facínora de marca maior. Usa e abusa da violência com as pessoas mais fracas, e com seu rebenque (ou relho) gosta de surrar pessoas quase até a morte. Foi ele é claro quem espancou Stoddard no roubo à diligência. Mais tarde no filme, os dois voltam a se encontrar. Desta vez, Stoddard está trabalhando como atendente num restaurante em que Liberty aparece para tumultuar o ambiente. Os dois se reconhecem, e novamente Stoddard vai sofrer nas mãos (e nos pés) de Valance.


Tom Doniphon está presente e intervém, mas Stoddard não quer saber de violência. Ele almeja um país onde as leis prevaleçam em vez da força.

Mas a questão da justiça com as próprias mãos não é a única situação importante a ser focalizada por John Ford. Também a relevância de um sistema eleitoral forte e livre, em que as pessoas não sejam coibidas de votar nesse ou naquele candidato, é abordada no filme.



A atriz Vera Miles é o pivô de um triângulo amoroso. Tom Doniphon a ama, Ransom Stoddard também. Ela parece indecisa entre o másculo caubói e o intelectual urbano. 

Woody Strode e Lee Van Cleef são nomes de peso no elenco de apoio.

A frase mais famosa do filme é falada por um jornalista: 

"This is the West, sir. When the legend becomes fact, print the legend.”

Eu resolvi assistir a esse filme que ano passado completou 60 anos (e foi homenageado com um artigo no The Guardian) após a referência em Os Fabelman de Steven Spielberg, cuja resenha ainda não tive tempo de fazer. 

Enquanto não a faço, vou citar en passant a cena final do mais recente filme de Spielberg, em que um outro cineasta famoso encarna John Ford dando uma dica importante ao jovem que começava no ramo de dirigir filmes.

É uma cena em que os fãs de David Lynch se deliciam.

SPOILER SPOILER SPOILER

SPOILER SPOILER SPOILER

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Se pretende assistir ao filme e ainda não o assistiu: não recomendo que leia o parágrafo a seguir. Não chega a ser um spoiler, mas dá uma informação que pode diminuir a surpresa no final. Se bem que venhamos e convenhamos, o título meio que entrega in the first place.

Em O homem que matou o facínora, é notável o pioneirismo no quesito "ângulos diferentes". Deve ter sido um dos roteiros precursores a mostrar a mesma cena sob diferentes pontos de vista, o que causa uma reviravolta na história.


segunda-feira, março 13, 2023

Peter Weir ganha Oscar pelo conjunto da obra


Quem ama cinema está feliz com a cerimônia de ontem, no 95º ano do Oscar. Foi a mais divertida e tocante dos últimos anos, uma cerimônia que marca o retorno do Cinema aos bons tempos. Após a pandemia, uma retomada vem por aí.

Momentos emocionantes não faltaram, como o de Jamie Lee Curtis homenageando o pai, Tony Curtis, e a mãe, Janet Leigh, dois ícones do cinema. Ela lembrou o fato de o pai e a mãe terem sido indicados ao Oscar (Tony Curtis, em 1959, ao Oscar de Melhor Ator, por Acorrentados, e Janet Leigh, em 1960, ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, por Psicose) e agora ela havia acabado de garantir o único Oscar da família, como Atriz Coadjuvante.

Ke Huy Quan, o vencedor da categoria Melhor Ator Coadjuvante, foi um caso à parte. Grande sucesso na infância, ostracismo, e agora a volta por cima. 

Brendan Fraser encarou o prêmio de Melhor Ator como uma redenção, uma benção ainda que tardia. A baleia, de Darren Aronofski, também abiscoitou o Oscar de Melhor Maquiagem.

Michelle Yeoh, a veterana atriz da Malásia, que iniciou sua carreira na forte indústria cinematográfica de Hong Kong, também lembrou que é preciso perseverar e nunca desistir de nossos sonhos.

O compositor da trilha sonora de Nada de novo no front, para mim, foi um dos destaques da cerimônia, falando com uma simplicidade e uma calma admiráveis. O filme terminou com 4 Oscars de categorias importantes: Melhor Filme Internacional, Melhor Trilha Sonora, Melhor Direção de Arte e Melhor Fotografia.

Falando em música, a cerimônia contou com ótimos números musicais, em que os candidatos à Melhor Canção Original se apresentaram em performances otimamente bem feitas e dirigidas. Quem venceu a categoria foi "Naatu Naatu", a canção do filme indiano RRR, um aceno para a diversidade.

Durante a cerimônia bem conduzida pelo apresentador Jimmy Kimmel, foram mostrados trechos de outro evento do Oscar, acontecido em novembro de 2022, em que pessoas receberam Oscars honorários.

Um desses Oscars eu não poderia deixar de mencionar aqui.

Peter Weir, meu diretor favorito, teve enfim sua obra reconhecida com a estatueta mais importante da indústria do cinema. E justamente um Oscar pelo conjunto da obra, uma honraria que ganha ainda mais relevância porque equivale a um Nobel da Literatura, que também é pelo conjunto da obra.

O cara que fez




Picnic na montanha misteriosa,

O ano em que vivemos em perigo 

e

Gallipoli

para ficarmos só na fase australiana.

Parabéns, Peter! 

Vale a pena ler a transcrição e ouvir o seu discurso de agradecimento:



Sobre o grande vitorioso da noite, Tudo em todo lugar ao mesmo tempo, isso carrega também tem um simbolismo. O novo prevalece sobre o velho. O inovador supera o tradicional. Novos caminhos se abrem para Hollywood.

domingo, março 05, 2023

Shtisel

 Sou o tipo de pessoa avessa a "maratonar" qualquer série.

Mas o que fazer se você se torna addicted a uma série que está com uma tarja 

"Última data para ver este título: 24 de março"?

Se eu ver dois episódios por dia ainda consigo ter uma ideia das três temporadas sobre as peripécias desta família ultraortodoxa judaica.

Estou assistindo a episódios avulsos, e a cada episódio, o vício aumenta, e quero mais e mais.

Como não querer mergulhar noutra cultura e noutra religião,

o estranhamento do idioma, dos costumes,

e ao mesmo tempo se identificar com o que temos em comum,

a humanidade,

a vida como ela é, 

com humor e realismo,

beleza e simplicidade, pureza e sensibilidade?

Postei aqui para quem tem Netflix e nunca viu, que se permita esse prazer antes que a série seja "descontinuada".



Por que um católico deve assistir à série dramática Shtisel? Os roteiros, as personagens e o elenco são primorosos. Afora isso, tem mais cinco motivos, citados aqui, em outras palavras.

 



sábado, março 04, 2023

O espantalho


 O bom de ser cinéfilo é que sempre acabamos descobrindo que não "entendemos nada" de cinema.

Pois é exatamente assim que o cidadão se sente ao assistir O espantalho (1973).

Esse filme não tem nada de extraordinário.

Uma história banal de dois amigos, um movie road de melancolia e sonhos que sabemos ser meros sonhos...

Mas quando o filme acaba você pensa: seu bobinho, você se achava um entendido sobre cinema e não tinha visto ainda O espantalho.

Seu paspalho!

Onde é que esse filme esteve todos esses anos?

Na estante da Zílvia Locadora, à tua espera.

Antes tarde do que nunca, parafraseando o nome da banda de rock carazinhense.

Gene Hackman e Al Pacino são os amigos que nos levam nessa jornada. 

Hackman declarou que sua melhor atuação na carreira foi esta.

Nesta entrevista do site Film Comment, o cineasta Jerry Schatzberg compara o modo de atuação dos dois, Al Pacino mais imersivo, Hackman construindo no andar da carruagem e apenas diante das câmeras... 

Schatzberg, que antes de ser cineasta tinha uma carreira sedimentada como fotógrafo, foi o responsável por escolher um ator de teatro que depois ganharia Oscar de Melhor Ator em 1993 por Perfume de Mulher.

Al Pacino estreou no cinema em Os viciados (Panic in Needle Park, 1971), também de Schatzberg.



Segundo Roger Ebert, e segundo Henrique Guerra também, o filme nos leva a fazer uma associação com outro clássico com dois atores, um alto e um baixo: em Perdidos na noite, os dois amigos são Joe Buck (Jon Voight) e Enrico Rizzo (Dustin Hoffman). A associação é meio óbvia pelo jeito. Eu pensei, o Ebert pensou, e o site Artifice fez um paralelo entre os dois filmes. Outra associação que Ebert fez foi com Ratos e homens, o livro clássico de John Steinbeck, cuja dupla de personagens principais era Lennie Small e George Milton. Ratos e homens teve várias adaptações ao cinema, mas esse é assunto para outro post.

Os personagens de Schatzberg são Francis Lionel (Al Pacino) e Max Millan (Gene Hackman). Os dois formam uma amizade em que Francis é o palhaço, o brincalhão, e Max é o sisudo, brigão. Max não perde uma oportunidade de entrar numa briga, e por isso, sempre está se metendo em confusão. Em países como os EUA, isso equivale a dizer que Max é um assíduo visitante das casas de correção penal.

Recém-saído da cadeia, conhece Francis à beira de uma rodovia californiana, ambos tentando pegar carona. O objetivo de Francis é chegar a Detroit para conhecer o filho ou filha que deixou para trás. O objetivo de Max é chegar a Pittsburgh para abrir um lava-carros.

No caminho visitam a irmã de Max, e participam de algumas situações que levam a amizade deles a se reestruturar.



Tudo culmina na sequência em que Francis, já tendo sofrido poucas e boas recentemente,
procura a casa da mãe de seu filho. A partir daí temos a sequência que torna o filme um cult.

Contar aqui seria injusto com quem está curioso para ver.

Acredite, você se tornará um cinéfilo melhor.

Para os interessados, a filmografia de Jerry Schatzberg pode ser conferida no site do Festival de Cannes, nesta página.