domingo, abril 24, 2022

Antes tarde do que nunca

 
Antes tarde do que nunca, tire o livro da gaveta e publique. Antes tarde do que nunca, declare o seu amor guardado. Antes tarde do que nunca, corra atrás de seus sonhos.

Antes tarde do que nunca, conheça mais o rock underground de sua cidade.

Foi isso que eu fiz no feriado de Tiradentes, dia 21 de abril de 2022.

Acompanhei o ensaio da banda carazinhense Antes tarde do que nunca num estúdio de gravação da cidade. Consiste numa salinha de controle separada do estúdio propriamente dito, cujas paredes estão cobertas por tapetes para melhorar a acústica.

Quando você não conhece uma banda, fica curioso: quais são as referências musicais dos componentes?

Que canções compõem o repertório?

À medida que o rock'n'roll começou a dominar o estúdio, essas perguntas começaram a ser respondidas.

O baixista Douglas Ribas, que também faz o backing vocal, busca inspiração nas raízes do blues enquanto traça linhas de baixo pulsantes que dialogam à perfeição com a radical guitarra de Evandro Pinheiro, instrumentista que tem no metal profundo o seu modelo. Os dois criam acordes que mantêm o ritmo em alta aceleração e densidade sonora. Essa massa de graves e agudos da linha de frente ganha a visceral vibração que vem da voz gutural do vocalista Ivan Lara e da bateria avassaladora de Ulf Drechsler, que se inspira em bandas de hard rock como Guns N' Roses.

O setlist do ensaio:

1. Cum'on Feel the Noise (canção do Slade, lançada em 1973, depois regravada pelo Quite Riot, em 1983, e Oasis, em 1996). Uma pauleira do começo ao fim em que a banda mostra todo seu entrosamento e Lara entrega todos os seus pulmões para tentar não ser abafado pela banda.

2. Que país é este? (Legião Urbana, 1987). A clássica e sempre atual canção de Renato Russo e sua trupe, numa versão mais pesada, de acordo com a filosofia e os preceitos da banda carazinhense, que emendou com a primeira música, num impacto de tirar o fôlego.

3. Rock'n'roll Preacher (Slade, 1981). Uma breve pausa antes dessa canção do álbum Til Deaf Do Us Part. A escolha mostra o quanto o quarteto local vai fundo em suas pesquisas, resgatando uma faixa que não fez tanto sucesso nas rádios, mas que é ideal para headbangers de todas as idades.

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Após esse aquecimento básico, o grupo enveredou em sua interessante tríade de canções autorais. Perguntei sobre o processo de composição. Eles me responderam que as letras são de Lara e a música conta com contribuições de todos. A banda tem se dedicado a divulgar o material próprio por meio de clipes no YouTube.

Ivan Lara, o cantor e letrista da banda, é fã do Kiss e um eterno romântico: as canções próprias da banda abordam de modo sarcástico o universo das relações interpessoais, mais particularmente, os deleites e dramas de amores platônicos ou não.

4. Acorda Zeca.  

5. Ela roubou meu coração. Um refrão que gruda na cabeça da gente.

6. Roseli psicopata.

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O repertório de covers continuou, mostrando a eclética diversidade e a força do rock brasileiro, para arrematar com a homenagem a uma das mais icônicas bandas do rock pesado internacional. 

7. Sônia Marisa (cover de Ana Júlia, com letra adaptada).

8. Garota de Berlim. O punk pop de Supla (1986) encontra o peso do rock carazinhense.

9. Até quando esperar. O eterno hino da Plebe Rude dos anos 80. Nessa parte do ensaio eu não me contive: saí da sala de controle e fui me posicionar lá no fundo do estúdio, ao lado do baterista. Foi muito legal acompanhar a banda entregando tudo bem ali na minha frente. Meus tímpanos estão zunindo até agora, mas valeu a pena. 

10. Envelheço na cidade. O sucesso do Ira! em uma roupagem mais pesada.

11. Paranoid. Black Sabbath na veia... 

O ensaio chegou ao fim. Aproveitando a deixa da letra de "Rock'n'roll Preacher", fiquei pensando uma coisa. Se o rock é uma religião, e toda banda de rock é um "pregador", acabo de ver um culto muito convincente. 



A banda de hard rock carazinhense ATDQN em momento bem-humorado. 

Da esquerda para a direita: 

Douglas (baixo e backing vocal), Lara (vocal), Ulf (bateria) e Evandro (guitarra). 

Foto: Marcos Tatsch.