quarta-feira, agosto 28, 2019

A vida invisível: o Brasil no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro

No século XXI, o Brasil ainda não teve um filme entre os cinco finalistas que concorrem ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A última vez que isso aconteceu foi em 1999, com Central do Brasil.

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Com A vida invisível, de Karim Aïnouz, adaptação do livro A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha, há uma esperança de terminar com essa seca. E, quem sabe, também de ganharmos o nosso primeiro Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Um sonho a mais não faz mal.

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Num ano particularmente inspirado de nosso cinema, A vida invisível chega com as credenciais de ter sido agraciado com o prêmio Un Certain Regard, no Festival de Cannes, e ter recebido resenhas elogiosas em importantes revistas, como Hollywood Reporter, Screen Daily e Variety.

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Para representar o Brasil na disputa, o filme de Karim Aïnouz passou por uma peneira difícil, superando outros pesos-pesados como Bacurau e Sócrates, que ganhou 4 estrelas no site do finado Roger Ebert.

A história do Brasil no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro é uma eterna história de "bater na trave". Até agora nunca a bola entrou.

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O prêmio foi instituído pela Academia em 1948, e tivemos até agora apenas 4 indicações:

1963 - O pagador de promessas, perdemos para a França (Sempre aos domingos)
1996 - O quatrilho, perdemos para a Holanda (Antonia)
1998 - O que é isso, companheiro?, perdemos para a Holanda (Karacter)
1999 - Central do Brasil, perdemos para a Itália (A vida é bela)

 Neste gráfico podemos ver que a Itália lidera, seguida por França, Espanha, Dinamarca, Holanda, Suécia e antiga União Soviética. 

Entre os sul-americanos, a vizinha Argentina já levou em duas oportunidades e o Chile, uma.

Como às vezes os filmes são coproduções, a contagem por país pode mudar conforme a fonte. 

Outra diferença é que, no formato atual, com 5 países concorrentes, a contagem começa apenas em 1956. 

Antes havia uma espécie de "Oscar Especial/Honorário", como mostra a estatística oficial da Academia: 

FATOS SOBRE O OSCAR DE MELHOR FILME ESTRANGEIRO

PAÍSES COM MAIS INDICAÇÕES E PRÊMIOS
[Atualizado até a 91º cerimônia do Oscar (3/19)]



PAÍSES COM MAIS INDICAÇÕES

 ([#] indica número de prêmios) 

37 França  [9 (+ 3 prêmios Honorários)] 

28 Itália  [11 (+ 3 prêmios Honorários)] 
19 Espanha  [4] 
16 Suécia  [3] 
13 Japão [1 (+ 3 prêmios Honorários)] 
12 Dinamarca  [3] 
11 Alemanha  [2] 
11 Polônia  [1] 
10 Hungria  [2] 
10 Israel  [0] 
9 México  [1] 
9 União Soviética  [3] 
8 Alemanha Ocidental [1] 
7 Argentina  [ 2] 
7 Bélgica [0] 
7 Canadá  [1] 
7 Holanda [3] 
7 Rússia  [1]


PAÍSES COM MAIOR NÚMERO DE PRÊMIOS  ([#] indica número de indicações) 


11 Itália  [28]  (+ 3 prêmios Honorários) 
9 França  [37]  (+ 3 prêmios Honorários
4 Espanha  [19] 
3 Dinamarca  [12] 
3 Holanda  [7] 
3 Suécia  [16] 
3 União Soviética [9] 
2 Argentina  [7] 
2 Áustria  [4] 
2 Tchecoslováquia [6] 
2 Alemanha [11] 
2 Hungria  [10] 
2 Irã  [3] 
2 Suíça  [5] 
1 Argélia  [5] 
1 Bósnia & Herzegovina  [1] 
1 Canadá  [6] 
1 Chile  [2] 
1 República Tcheca  [3] 
1 Alemanha Ocidental  [8] 
1 Costa do Marfim  [1] 
1 Japão  [13] (+ 3 prêmios Honorários
1 México  [9] 
1 Polônia  [11] 
1 Rússia  [7] 
1 África do Sul  [2] 
1 Taiwan  [3]

Observe também que em seu banco de dados, a Academia conta o ano da produção dos filmes, não o ano da festa de premiação, critério adotado pela nem sempre confiável, mas quase sempre disponível, Wikipédia.

 Quando os prêmios honorários são contados, o Japão aparece com 4 vitórias.

Por sua vez, este artigo compara o número de indicações de cada país com a sua população. Nesse quesito, a Dinamarca lidera, com maior número de vitórias per capita.

Em 2020, um ponto que conta a nosso favor nessa corrida pelo tão cobiçado Oscar de Melhor Filme Estrangeiro é que o livro de Martha Batalha é um sucesso internacional que já foi traduzido para muitos idiomas. E o filme também está sendo distribuído mundialmente. 

Nesta entrevista, o diretor Karim Aïnouz fala entre outras coisas do encontro com a escritora Martha Batalha e que ela gostou bastante do filme.


A vida invisível passou pela primeira etapa. Ainda tem um longo percurso pela frente, mas sonhar não custa nada. Será que agora vai?

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terça-feira, agosto 27, 2019

Era uma vez em Hollywood

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Não seria leviandade afirmar que o nono filme de Quentin Tarantino brinca com coisa séria. Sei de uma pessoa que vai concordar comigo: a filha de Bruce Lee. Por sua vez, Emanuelle Seigner, a esposa de Roman Polanski, também deu sua alfinetada em Tarantino.

Também não seria nenhuma novidade afirmar que tornou-se um clichê incensar Tarantino. Disparadamente é o cineasta mais "queridinho da crítica" (e também do público geek). Parece não existir crítico com sangue nas veias e a coragem para descer a ripa no Tarantino. 



Por exemplo, no "Veredito" do Omelete, um trio de críticos analisou o filme. Dois curtiram bastante, só a loirinha timidamente fez algumas ressalvas. Essa é uma boa amostragem do que acontece por aí nas resenhas ditas "especializadas". A tendência sempre é ver seus filmes com olhos condescendentes. Quem cria um mito agarra-se a ele para não colocar em risco a própria credibilidade construída sobre um cabedal infinito de elogios que beira a lisonja e a tietagem. 

Tanto melhor que vozes dissidentes se manifestam. Por exemplo, Caspar Salmon do The Guardian classificou as fantasias de Era uma vez em Hollywood como pueris e misóginas e lamentou que Tarantino parece não ter algo significante a dizer. Já o New York Times listou fontes de pesquisa sobre OUATIH.

Eis que me encontro na salutar categoria de um cinéfilo que não é fã de Tarantino (não está em meu TOP 10 de diretores vivos) e, assim, posso assistir a Era uma vez em Hollywood com certo distanciamento, sem a paixão de quem "quer gostar a qualquer custo".

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Sem sombra de dúvidas Tarantino é um bom arquiteto de diálogos. Seus roteiros apoiam-se nessa extrema habilidade de tecer conversas cortantes e críveis. A escritora que mais vendeu livros em todos os tempos, Agatha Christie, também se destacava nesse quesito e, por isso, é difícil largar um livro dela. Por isso também é difícil não se deixar levar por um filme de Tarantino, tal é a sua habilidade de criar um sem-número de situações curiosas, engraçadas, bizarras e surpreendentes. Sob certo prisma, Era uma vez em Hollywood mantém essas características. A diferença é que desta vez Tarantino está brincando com fatos e personagens reais.




Em seu nono filme, Tarantino começa a brincadeira no título, uma alusão direta aos filmes de Sergio Leone, Era uma vez no Oeste e Era uma vez na América. É como se Tarantino quisesse homenagear o cineasta italiano e oferecer uma terceira parte para uma possível trilogia.

Os personagens principais do filme são um ator e seu dublê, vividos por DiCaprio e Pitt. O ator é vizinho de Sharon Tate. Aí que começa o "jogo", ou "brincadeira", entre realidade e ficção. Essa proximidade espacial é a deixa para mesclar as histórias de personagens fictícios com personagens que realmente existiram. 



Ousadamente (ou arrogantemente?) Tarantino está a fim de transgredir as barreiras entre a ficção e a realidade, entre o que aconteceu e o que poderia ter acontecido. Tarantino chutou o balde ao declarar que não pediria permissão nem autorização de ninguém, nem tampouco para Roman Polanski, por retratar ficcionalmente Sharon Tate, a atriz que esperava um filho do cineasta polonês quando tudo aconteceu.

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A propósito, será que alguém entra no cinema sem ter o tétrico "conhecimento prévio" sobre o que significa a palavrinha "tudo" da frase anterior? 
Invejo essa pessoa que desfrutará do filme de um modo que eu não pude desfrutar.


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A rigor isso não faz diferença para Tarantino. Ele não está nem aí com o conhecimento prévio do espectador porque, na opinião dele, ele é um cineasta que pode tudo.

Pode ridicularizar um ídolo das artes marciais, pode alterar a linha do tempo, pode criar um final alternativo.  

Que eu saiba se alguém usar o nome ou imagem de pessoas reais tem que ter permissão sob o risco de levar um processo. O raciocínio parece não funcionar no caso de Quentin "pode-tudo" Tarantino. E o que é pior: ele se aproveita da situação de que algumas das pessoas caricaturizadas por ele já estão mortas ou encarceradas em prisão perpétua. Será que vale tudo para fazer um filme?


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Tarantino, um mestre no marketing pessoal, declarou bombasticamente que só fará 10 filmes na carreira. Depois disso, começou megalomaniacamente a anunciar seus filmes com um número ordinal acoplado. Que importância tem para o espectador se é o nono ou o décimo sétimo filme da filmografia? Em geral, o espectador nem se importa muito com o nome do diretor, à exceção, é claro, de fenômenos como... Tarantino. O espectador quer assistir a um filme honesto, que não exsude pretensão do início ao fim. Este vídeo discute se EUVEH ultrapassa os limites:




E o "meu" veredito? No frigir dos ovos, Era uma vez em Hollywood é um filme com boas atuações e algumas cenas divertidinhas, mas a serviço de uma ideia que não tem nada de "madura". Metalinguagem aqui é cortina de fumaça para falta de imaginação. EUVEH beira a irresponsabilidade pela maneira como trata de personalidades não fictícias. Flerta com a sensação de "não estar nem aí", de que a "arte" (ou, melhor dizendo, a arte dele) está acima de tudo. Foi esse o principal sentimento que o filme me transmitiu.

As far as I am concerned, que venha logo o décimo e derradeiro filme, e que Tarantino possa se aposentar e ter uma rotina parecida com 

SPOILER SPOILER SPOILER 
SPOILER SPOILER SPOILER
SPOILER SPOILER SPOILER

a daquele velhinho que passa os seus dias dormindo na cabana, talvez o personagem mais honesto de todo o filme.

Margot Robbie as Sharon Tate in Once Upon a Time in Hollywood.



sexta-feira, agosto 23, 2019

Eu vi no Brasília: Pânico na multidão

 
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O blog olhar cinéfilo vai homenagear o saudoso 
Cinema Brasília de Carazinho numa série de três posts, começando com este.

O Brasília e o Recreio foram os cinemas de minha infância. Sim! Naquela época, Carazinho ainda tinha dois cinemas.

No Brasília passavam os filmes melhores. Do outro lado da rua, no Recreio, a programação era mais focada em trash movies, faroestes spaghetti, filmes de kung fu e quejandos. 

Aquele gurizinho frequentava o Brasília, parafraseando o diretor Joe Dante, como se aquele local fosse um templo, um local de peregrinação.  Não me pergunte como ele conseguia entrar em filmes proibidos para menores de 18 anos. Naquela época as coisas eram menos rígidas.

Assim foi se moldando uma capacidade de "gostar" de tudo que é filme, de apreciar o que os filmes têm de melhor, independentemente do estilo ou público-alvo.


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Um dos filmes marcantes que assisti no Brasília, na época em que ele era uma sala gigantesca (depois foi reduzido apenas ao mezanino), foi este Pânico na multidão (Two-minute warning, 1976), dirigido por Larry Peerce e indicado ao Oscar de Melhor Edição. 


Em recente visita a Porto Alegre, estive numa locadora icônica da capital, E o vídeo levou, onde encontrei na seção de filmes que eram do acervo de outra locadora que fechou, a Espaço vídeo, por míseros 10 reais, a edição de colecionador de Pânico na multidão.



Não pestanejei e comprei.

Foi a segunda vez que assisti ao filme. E com olhos diferentes.

O menino só assistia, ávido pela história, pelo desenrolar do drama e do suspense.

O agora pai de dois meninos pesquisa, medita e questiona. 




 















O roteiro baseia-se no livro homônimo de um escritor que teve seus dias de glória, mas hoje é completamente obscuro, pois nem página tem no Wikipedia: George La Fountaine. Em compensação, existe um vídeo no YouTube em que ele dá um depoimento sobre os conflitos vividos por um escritor.



Com a idade, é inevitável nos tornarmos mais chatos, digamos assim. Aos olhos do inocente menino, Pânico na multidão teve contornos de "filmão", com todos os ingredientes de um thriller palpitante. Ainda bem que o menino não havia lido a resenha de Roger Ebert, que na época esculachou a produção, nem a crítica do New York Times. Sugestivamente, o blog "Filmes para doidos" tem uma opinião contrária.

Mas o menino cresceu e se tornou um cinéfilo que escreve. Terei me tornado tão chato quanto um crítico deve ser?

Claro, aspectos e detalhes que me passavam despercebidos, "falhas" ou "furos" do filme, já são mais facilmente detectados. Mas ao revisitar este clássico do cinema-catástrofe quero enaltecer as qualidades que o filme tem.

Começa efetivo em despertar a curiosidade e o interesse do espectador. A câmera se posiciona como se fosse o olhar do personagem. Suas mãos montam uma arma de precisão, e o rifle é levado à janela do hotel. Um casal está pedalando numa rua das imediações. A luneta da arma focaliza a provável vítima e um tiro é disparado. A próxima cena é a mulher gritando segurando a cabeça ensanguentada do marido abatido como se fosse caça.

O homem desce ao saguão e faz o check-out. A câmera não mostra o seu rosto e continua na estratégia de narrar "em primeira pessoa". O assassino entra no carro e sai com o rádio ligado, e o assunto é o grande jogo de futebol americano que acontecerá na cidade, com 90 mil espectadores e a presença do presidente dos EUA.

Esta parte é o "prólogo". Em seguida vários personagens são apresentados, e o elenco é bem conhecido. Eis alguns dos nomes:


Charlton Heston é o chefe da polícia que é alertado sobre a presença de um suspeito no estádio e chama a SWAT para ajudar no caso. John Cassavetes é o sargento que comanda o pelotão da SWAT. Martin Balsam é o administrador do estádio. Beau Bridges traz a esposa e dois filhos para ver o jogo. 

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David Janssen e Gena Rowlands encarnam um casal em meio a uma certa estagnação ou crise no relacionamento. 

Tem ainda um padre que é aficionado pelo esporte e recebe um ingresso de um dos jogadores. Ele vai sentar-se ao lado do personagem de Jack Klugman, um apostador que pede ao padre rezar para que seu time ganhe, caso contrário ele vai estar em maus lençóis.

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Esta é a tônica do filme: sem pressa, vai apresentando os pequenos dramas de alguns membros da audiência, enquanto paralelamente as ações do suspeito são monitoradas, até que o capitão Peter (Charlton Heston) avisa a SWAT que ela pode agir a partir do toque do "Two-minute warning", que é um aviso nos jogos de futebol americano, a dois minutos do fim do jogo.


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O suspense é bem construído até a hora em que "bate o pavor" em todos os presentes. A partir daí, muita gente vai ser pisoteada, esmagada, obrigada a se dependurar e a cair de locais altos. Nesse sentido, o modo como o filme é construído lembra uma barragem que vai estancando a ação até o ponto em que ela se rompe e leva tudo pela frente.

Por isso, em termos de ação, o melhor de Pânico na multidão está na parte final, após o "aviso de dois minutos" típico do futebol americano.
 
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Sequência clássica: em meio ao pânico, a multidão invade o campo e avança em direção aos jogadores que, atônitos, também começam a correr, não apenas pelos tiros, mas para não serem atropelados pela turba alucinada. Vide trailer abaixo.



Ebert criticou o filme porque ele seguia uma fórmula e não questionava os motivos do atirador, nem se mostrava interessado em quem ele era. A minha ressalva seria do tipo "por que tal personagem não fez tal coisa", mas nem sempre a decisão mais lógica numa situação é a mais interessante para manter o drama e o suspense.

Pânico na multidão não ganhou o Oscar de Melhor Edição e não entrou na história de filmes premiados pela Academia. Mas passou no Brasília naquela matinê de sábado e assim entrou para a história de minha vida como cinéfilo. Entrou na lista de filmes marcantes que vi no Brasília.  

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A série de três posts se completa com 

2) Um cult com a sensual Charlotte Rampling; e

3) Uma proverbial e clássica aventura de mercenários, com uma música-tema inesquecível.





quarta-feira, agosto 21, 2019

Fronteiras do Pensamento: o obstetra Denis Mukwege clama por justiça, liberdade e dignidade






O covencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2018, o médico Denis Mukwege, falou no Salão de Atos da UFRGS sobre a sua trajetória e seu trabalho. A conferência realizada na segunda-feira, dia 19 de agosto de 2019, teve como moderador o jornalista Daniel Scola.

Com impressionante eloquência, Mukwege desconcertou todos os presentes com uma palestra em que as palavras tinham um significado maior do que meros lexemas pronunciados atrás do púlpito da Braskem.



Mukwege (que ano passado dividiu o Nobel da Paz com a iraquiana Nadia Murad, cuja inspiradora história, por sinal, em breve será publicada no Brasil pela Editora Novo Século, diga-se de passagem, com tradução minha) fez uma narrativa envolvente sobre a sua trajetória, desde pequeno até hoje.


Ao contar a história da vida dele, contou também a história de seu país natal, a República Democrática do Congo (antigo Zaire), devastado por guerrilhas e disputas territoriais, com guerra civil, e uso do estupro como arma de guerra.



Uma das coisas mais chocantes que ele contou foi que a mineração do tântalo, mineral aplicado na indústria de smartphones, é uma das principais causas das guerras internas lá na RDC. Perguntado sobre a responsabilidade dessas empresas, ele afirmou que elas sabem de onde vem o minério e das circunstâncias envolvidas. Em outras palavras, são coniventes. 

Sem papas na língua, em sua narrativa, Denis contou que desde criança já sabia que seria médico, quando acompanhava o pai e notava o quanto o país era carente de remédios e atendimento na área de saúde.



Mais tarde, escolheu a especialidade ao se revoltar com a mortalidade infantil e também com o alto índice de mortalidade materna nas cidades e aldeias da RDC.

Desenvolvendo um trabalho sério, hoje Denis Mukwege lidera um hospital que ajuda a mitigar as violências físicas e psicológicas sofridas por mulheres, por conta das turbulências internas no país. Por conta de seu ativismo, em 2012 ele sofreu um atentado que vitimou seu segurança.



Ao longo do palpitante discurso, ele descreveu as atrocidades que as mulheres sofrem na RDC e o trabalho desenvolvido no hospital.

A plateia fez muitas perguntas e aplaudiu de pé o conferencista.

No final, Daniel Scola perguntou a Denis Mukwege qual autoridade ou líder que ele gostaria que abraçasse a causa de levar dignidade às mulheres da RDC.

A resposta de Denis Mukwege revelou o quanto ele é sábio e agregador: "O presidente do Brasil".

Toy Story 4



O tempo passou e Andy cresceu. Woody e seus amigos agora pertencem à menina Wendy, que tem sistematicamente deixado de lado o xerife em suas brincadeiras. A única coisa que ela aproveita de Woody é a estrela de xerife, que desprende para afixar em Jessie e transformá-la na xerife da brincadeira. Woody fica largado no armário escuro.

A menina vai começar a frequentar a educação infantil, e os brinquedos dela estão preocupados. Será que a menina vai se adaptar? Woody sorrateiramente entra na mochila dela para conferir tudo isso de perto.

Dito e feito. Lá na escolinha, sem ninguém perceber, Woody faz de tudo para que Wendy sinta-se em casa. Uma das atividades é construir um boneco, o Garfinho, que vai ganhar vida e se transformar no novo brinquedo de Wendy e o mais novo componente da famosa patota.

No sistema americano, as crianças ficam uns dias indo à escola para um contato inicial, e depois as férias continuam. Essa é a deixa em que se apoia o roteiro. 

Os pais de Wendy alugam um trailer e saem para uma viagem que será marcante para todos. Uma personagem ambígua, a boneca Gabi, que mora num antiquário, será uma espécie de vilã, mas no fundo ela é apenas um brinquedo que nunca recebeu atenção adequada de uma criança. Ela é uma boneca complexada, pois acha que a culpa de não ter tido uma oportunidade é o fato de que a sua voz não funciona.

Quando Woody acaba entrando no antiquário atrás de Betty, a boneca Gabby Gabby vê a oportunidade de consertar a sua voz e, assim, conquistar o amor de uma criança. A propósito, o fato de a vilã ter uma espécie de deficiência a ser consertada foi criticado por uma colaboradora freelancer da importante revista Hollywood Reporter.

 
Alguns fãs da até então trilogia Toy Story me disseram que não curtiram o filme com a empolgação devida. Em outras palavras, prefeririam que a franquia tivesse encerrado no emocionante Toy Story 3

De minha parte, entendo esse purismo de uma parcela dos fãs, porém, é preciso reconhecer que Toy Story 4 é uma oportunidade também para a evolução da animação digital, que está cada vez mais perfeita. E tudo isso com um roteiro bem construído e personagens icônicos. Woody volta a ser o foco, e é no destino dele que o filme se concentra. 

Entre outras lições de vidaToy Story 4 é sobre abrir mão de certas coisas em prol de outras. É sobre o quanto é doloroso crescer. Por isso, acaba se tornando um bom epílogo para a saga. Claro que uma pergunta sempre fica. Acabou-se o que era doce? Esta será mesmo a última aventura desses amados personagens?







segunda-feira, agosto 12, 2019

Atentado ao Hotel Taj Mahal

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Anthony Maras é a bola da vez.

Depois de 
estreia em longas-metragens mais um bom diretor australiano.
Com um tema polêmico, Maras realiza um filme honesto, que não é maniqueísta. Existe um espaço para o aspecto humano dos jovens que perpetram os atos terroristas, no momento em que um deles liga para os familiares. 
É aterrador constatar que os dramas mostrados na tela se assemelham aos fatos reais acontecidos em 2008. Uma coisa que chama a atenção até do mais leigo dos espectadores é a demora do sistema indiano de segurança para entrar em ação.
De acordo com Atentado ao Hotel Taj Mahal, as forças táticas estavam em Nova Délhi, e demoraram muitas horas para chegar ao local. Enquanto isso, policiais mal armados e sem os equipamentos necessários tiveram que fazer algo.
O proverbial estilo dos filmes-catástrofe é mantido: personagens que vão passar por situações extremas são apresentados. O espectador se identifica com um ou mais de um deles e depois sofre ao colocar-se no lugar das vítimas.
Maras faz um trabalho soberbo logo no primeiro filme. É bom ficar de olho neste novo diretor que vem das áridas (mas culturalmente férteis) terras de Down Under.






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sábado, agosto 10, 2019

Casamentos extremos

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Extreme engagement é o título original desta série documental do tipo "reality show" da plataforma Netflix. 

O cineasta Tim Noonan registra um ano de viagens com sua adorável noiva PJ Madam, âncora do programa Sunday Night, sucesso na tevê australiana. Já o diretor é conhecido por estrelar e dirigir os episódios de Boy to Man,  documentário do canal Discovery sobre ritos de passagem masculinos em diversas culturas.

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Os oito episódios são filmados em oito países e povos distintos e abordam diferentes facetas de um relacionamento: os ciúmes, as inseguranças, os vaivéns decisórios, as dúvidas... Também ajudam a refletir sobre o que realmente importa num noivado e num casamento.

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Um dos episódios trata da delicada questão da fertilidade: Noonan quer muito ser pai, mas PJ Madam tem problemas de endometriose e congelou alguns óvulos para o futuro.

O casal passa um ano visitando lugares desafiadores, da gélida Mongólia ao calor do Brasil, e aprendendo mais sobre o mundo, sobre si próprios e sobre o companheiro.

Um articulista sênior da Forbes entrevistou o casal sobre o projeto.

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Do ponto de vista fílmico, achei muito interessantes as tomadas de Noonan, boa parte delas com câmeras portáteis, do lombo de um cavalo ao dorso de um camelo, sem falar nas inúmeras cenas em embarcações frágeis.

O resultado?

Se você se interessa por culturas diferentes, países exóticos e ainda tem um pouco de romantismo correndo nas veias, vai apreciar profundamente os 8 episódios de Extreme Engagement.

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sexta-feira, agosto 09, 2019

O mistério do gato chinês




O filme Adeus, minha concubina, do cineasta chinês Chen Kaige, venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1993. A produção de Hong Kong mergulhava em 50 anos importantes da história da China, dos anos 1920 aos 1970, contando a trajetória de dois atores da Ópera de Pequim e uma concubina.

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Pois o tema da concubina volta com força no mais novo filme de Chen Kaige, a superprodução O mistério do gato chinês (The Legend of the Demon Cat, 2017). O perfeccionista diretor caprichou no visual para contar uma história intrigante.

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Tudo no filme gira em redor de um misterioso gato que deixa um rastro de sangue por onde passa. Quem é essa entidade? Que segredos ela guarda? E o que isso tem a ver com a linda concubina do imperador chinês de 30 anos atrás?

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Uma dupla inusitada, poeta chinês e monge japonês, é quem tenta amarrar os pontos soltos dessa história, que resulta na descoberta de um manuscrito com revelações surpreendentes sobre um famoso imperador da dinastia Tang, outro período relevante na história chinesa.

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Parte considerável da metragem é dedicada a esse flashback, e uma comentarista ocidental alegou que esta é a parte mais interessante. A caucasiana realça que o filme demora a engrenar e desaconselha seus seguidores a conferir o filme.




Por sua vez, uma comentarista de traços orientais postou no YouTube um longo solilóquio sobre o filme. Nos 25 minutos de sua análise, ela divide a resenha em duas partes, com e sem spoilers. Ela classifica o filme como "multilayered", ou seja, um tanto hermético, com várias camadas a serem descobertas pelo espectador. No frigir dos ovos, a visão dela é bem mais positiva.



Eis agora a opinião de um espectador ocidental, que concordou mais com a comentarista oriental.

De fato, o filme pode parecer um pouco lento para quem esperava, por exemplo, uma sequência de lutas de artes marciais. Não é o caso. O ritmo lembra mais o de uma investigação policial, com os dois curiosos detetives mergulhando em explicações fantásticas para fatos históricos.

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Acredito que há uma barreira cultural quase intransponível na cadência e nos temas deste filme, e no modo como tudo se desenrola. O mundo ocidental anda muito impaciente, enquanto no Oriente ainda existe espaço para transcendência, meditação, poesia... para o romantismo, sacrifícios, amores impossíveis e almas reencarnadas...

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Ouso afirmar que as pessoas mais imaginativas e acostumadas com "filmes estrangeiros" podem desfrutar das qualidade de O mistério do gato chinês com mais facilidade. Quem está acostumado com o "jeito americano de filmar" terá mais propensão a criar um estranhamento com o filme de Chen Kaige.

Como sói acontecer no escuro do cinema, tudo depende do quanto você está disposto a se desfazer de seus preconceitos e de assistir ao filme com olhos mais abertos e com um olhar mais... cinéfilo.





quinta-feira, agosto 08, 2019

Líricas Históricas no Teatro do Sesc em Carazinho

Gabriela Geluda canta ao som dos bonitos acordes da harpa (Fotos: Henrique Guerra)

Em 7 de agosto de 2019, com início às 20 h, aconteceu no Teatro de Sesc de Carazinho a apresentação do grupo LÍRICAS HISTÓRICAS, parte do projeto Sonora Brasil. Neste ano, o foco são as Líricas Femininas, a presença da mulher na música brasileira.

O grupo Líricas Históricas apresentou 20 músicas no Teatro do Sesc, em Carazinho, RS

O grupo é composto por quatro musicistas de diferentes estados da federação: duas fluminenses, uma pernambucana e uma paulista. Gabriela Geluda, uma das vocalistas, e a harpista Vanja Ferreira são do Rio de Janeiro. Priscilla Ermel, violonista, compositora de três canções do setlist, vem de São Paulo. Last but not least, Anastácia Rodrigues, que canta e toca kalimba e pandeirão, tem suas raízes em Pernambuco.


O quarteto Líricas Históricas em ação

Triângulo, escaleta e viola caipira são alguns dos outros instrumentos tocados pela trupe que percorre o Brasil para mostrar um pouco da tradição lírica, em especial, canções e melodias compostas por mulheres.


Anastácia Rodrigues num momento bem-humorado do show


Entre as letras musicadas aparecem versos de poetisas brasileiras e portuguesas, como Cecília Meireles, Hilda Hilst e Florbela Espanca.


Priscilla Ermel descansa o violão no show intimista 

Ao longo do show, as quatro deram um panorama da lírica nacional, passando por canções primevas, pérolas esquecidas e também clássicos de compositoras famosas como Chiquinha Gonzaga. 


O repertório formou um panorama de várias fases da música brasileira

As artistas conversaram sobre suas origens e sobre as influências de cada uma das avós em sua vida. Enfatizaram que antigamente as compositoras do sexo feminino não podiam assinar as canções por preconceito, e tinham que colocar "Uma amadora" ou coisa parecida.


Vanja Ferreira dedilha destramente o seu delicado instrumento 

Foi um espetáculo variado, com jogos de vozes, arranjos bizarros e alternando momentos mais introspectivos (na bela A chuva, eu cheguei a me beliscar para ter a certeza de que não estava num show do Madredeus) e de descontração e bom humor.