Não seria leviandade afirmar que o nono filme de Quentin Tarantino brinca com coisa séria. Sei de uma pessoa que vai concordar comigo: a filha de Bruce Lee. Por sua vez, Emanuelle Seigner, a esposa de Roman Polanski, também deu sua alfinetada em Tarantino.
Também não seria nenhuma novidade afirmar que tornou-se um clichê incensar Tarantino. Disparadamente é o cineasta mais "queridinho da crítica" (e também do público geek). Parece não existir crítico com sangue nas veias e a coragem para descer a ripa no Tarantino.
Por exemplo, no "Veredito" do Omelete, um trio de críticos analisou o filme. Dois curtiram bastante, só a loirinha timidamente fez algumas ressalvas. Essa é uma boa amostragem do que acontece por aí nas resenhas ditas "especializadas". A tendência sempre é ver seus filmes com olhos condescendentes. Quem cria um mito agarra-se a ele para não colocar em risco a própria credibilidade construída sobre um cabedal infinito de elogios que beira a lisonja e a tietagem.
Tanto melhor que vozes dissidentes se manifestam. Por exemplo, Caspar Salmon do The Guardian classificou as fantasias de Era uma vez em Hollywood como pueris e misóginas e lamentou que Tarantino parece não ter algo significante a dizer. Já o New York Times listou fontes de pesquisa sobre OUATIH.
Eis que me encontro na salutar categoria de um cinéfilo que não é fã de Tarantino (não está em meu TOP 10 de diretores vivos) e, assim, posso assistir a Era uma vez em Hollywood com certo distanciamento, sem a paixão de quem "quer gostar a qualquer custo".
Sem sombra de dúvidas Tarantino é um bom arquiteto de diálogos. Seus roteiros apoiam-se nessa extrema habilidade de tecer conversas cortantes e críveis. A escritora que mais vendeu livros em todos os tempos, Agatha Christie, também se destacava nesse quesito e, por isso, é difícil largar um livro dela. Por isso também é difícil não se deixar levar por um filme de Tarantino, tal é a sua habilidade de criar um sem-número de situações curiosas, engraçadas, bizarras e surpreendentes. Sob certo prisma, Era uma vez em Hollywood mantém essas características. A diferença é que desta vez Tarantino está brincando com fatos e personagens reais.
Em seu nono filme, Tarantino começa a brincadeira no título, uma alusão direta aos filmes de Sergio Leone, Era uma vez no Oeste e Era uma vez na América. É como se Tarantino quisesse homenagear o cineasta italiano e oferecer uma terceira parte para uma possível trilogia.
Os personagens principais do filme são um ator e seu dublê, vividos por DiCaprio e Pitt. O ator é vizinho de Sharon Tate. Aí que começa o "jogo", ou "brincadeira", entre realidade e ficção. Essa proximidade espacial é a deixa para mesclar as histórias de personagens fictícios com personagens que realmente existiram.
Ousadamente (ou arrogantemente?) Tarantino está a fim de transgredir as barreiras entre a ficção e a realidade, entre o que aconteceu e o que poderia ter acontecido. Tarantino chutou o balde ao declarar que não pediria permissão nem autorização de ninguém, nem tampouco para Roman Polanski, por retratar ficcionalmente Sharon Tate, a atriz que esperava um filho do cineasta polonês quando tudo aconteceu.
Invejo essa pessoa que desfrutará do filme de um modo que eu não pude desfrutar.
A rigor isso não faz diferença para Tarantino. Ele não está nem aí com o conhecimento prévio do espectador porque, na opinião dele, ele é um cineasta que pode tudo.
Pode ridicularizar um ídolo das artes marciais, pode alterar a linha do tempo, pode criar um final alternativo.
Que eu saiba se alguém usar o nome ou imagem de pessoas reais tem que ter permissão sob o risco de levar um processo. O raciocínio parece não funcionar no caso de Quentin "pode-tudo" Tarantino. E o que é pior: ele se aproveita da situação de que algumas das pessoas caricaturizadas por ele já estão mortas ou encarceradas em prisão perpétua. Será que vale tudo para fazer um filme?
Tarantino, um mestre no marketing pessoal, declarou bombasticamente que só fará 10 filmes na carreira. Depois disso, começou megalomaniacamente a anunciar seus filmes com um número ordinal acoplado. Que importância tem para o espectador se é o nono ou o décimo sétimo filme da filmografia? Em geral, o espectador nem se importa muito com o nome do diretor, à exceção, é claro, de fenômenos como... Tarantino. O espectador quer assistir a um filme honesto, que não exsude pretensão do início ao fim. Este vídeo discute se EUVEH ultrapassa os limites:
E o "meu" veredito? No frigir dos ovos, Era uma vez em Hollywood é um filme com boas atuações e algumas cenas divertidinhas, mas a serviço de uma ideia que não tem nada de "madura". Metalinguagem aqui é cortina de fumaça para falta de imaginação. EUVEH beira a irresponsabilidade pela maneira como trata de personalidades não fictícias. Flerta com a sensação de "não estar nem aí", de que a "arte" (ou, melhor dizendo, a arte dele) está acima de tudo. Foi esse o principal sentimento que o filme me transmitiu.
As far as I am concerned, que venha logo o décimo e derradeiro filme, e que Tarantino possa se aposentar e ter uma rotina parecida com
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a daquele velhinho que passa os seus dias dormindo na cabana, talvez o personagem mais honesto de todo o filme.
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