segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan - 2006


Borat Sagdyiev, repórter do Cazaquistão (país asiático com um região européia: a área entre o rio Ural e a fronteira russa; um dos países que se tornaram independentes com a dissolução da URSS, em dezembro de 1991) é enviado aos EUA para trazer imagens e informações sobre o american way of life. Em terras ianques, o entrechoque cultural é inevitável; por conta das diferenças, o desengonçado repórter transcontinental envolve-se em uma série de situações estapafúrdias, enquanto tenta integrar-se ao novo meio, participando de programas de TV, aulas de auto-escola, aulas de etiqueta, jantares sociais, rodeios e cultos religiosos. Comodamente, o suposto documentário embrenha na carona de um ‘road movie’, uma jornada de Nova Iorque a Califórnia para encontrar Pamela Lee Anderson, atriz que interpreta uma salva-vidas no seriado Baywatch, por quem o intrépido jornalista cazaquistanês se apaixona.

O que me incomoda em Borat é o mesmo que me incomoda nos filmes de Michael Moore: a (dis)simulação. Tudo que acontece na tela faz parte de um roteiro em que os produtores do filme sabem exatamente onde querem chegar e as ‘vítimas’ – no caso, os cidadãos norte-americanos que topam participar da brincadeira sem saber a exata intenção do “documentário” – contracenam de forma inocente, muitas vezes para terem sua própria conduta, ou a de seu povo, ridicularizada. Usar a boa fé das pessoas contra elas é um humor no mínimo grotesco, sórdido e cruel.
O que salva Borat são o sotaque, os trejeitos e a figura engraçada do comediante britânico Sacha Baron Cohen (criador do controverso personagem Ali G), que interpreta o protagonista; por mais politicamente correto e supostamente sem preconceito anti-americano que o espectador pretenda ser, por mais que este seja sisudo e incapaz de 'pegar o espírito da coisa', é quase impossível segurar o riso.

domingo, fevereiro 11, 2007

Mais estranho que a ficção


Harold Crick (Will Ferrell) é um metódico e solitário auditor da Receita Federal que conta as escovadas nos dentes e os passos até pegar o ônibus. Passa os dias a investigar contribuintes pegos na malha fina. Seu único amigo é o colega de trabalho Dave (Tony Hale), a quem confidencia estar ouvindo uma voz feminina que narra em vocabulário cheio de metáforas e figuras de linguagem a sua previsível rotina, cujo próximo trabalho é auditar as contas de uma confeitaria. Harold consulta o Dr. Cayly (Tom Hulce), que lhe aconselha férias, e depois a psiquiatra Dra. Mittag-Leffler (numa pontinha da oscarizada Linda Hunt de O Ano em que Vivemos em Perigo) que, ao tomar conhecimento do problema narrativo de Harold, o recomenda a procurar alguém que entenda de literatura. É assim que Harold chega ao professor de teoria literária Jules Hilbert (Dustin Hoffman). In the meantime, Harold apaixona-se por Ana Pascal (Maggie Gyllenhaal), a rebelde dona da confeitaria. Paralelamente, a escritora Karen Eiffell (Emma Thompson), com a ajuda da assistente Penny Escher (Queen Latifah), luta para superar um bloqueio criativo.
Essas são as curiosas premissas de Stranger than Fiction (2006), o filme do realizador Marc Forster (cujo projeto para 2007 é O Caçador de Pipas). A filmografia do suíço formado em cinema na NYU inclui A Passagem (2005), Em Busca da Terra do Nunca (2004) e A Última Ceia (2001). Se em Mais estranho que a ficcção os temas soturnos e a obsessão com o suicídio e a morte permanecem, dão espaço para uma certa leveza e comicidade, elementos de um roteiro recheado de detalhes literários. O modo com que o Professor Hilbert intercede no intrigante caso de Harold vai deliciar quem aprecia uma boa narrativa e - mais ainda - quem tem a referência de um (a) professor (a) de teoria literária. Mais estranho que a ficção lembra - pelo lirismo, estofo literário e estilo 'filme-cabeça' - Adaptação (2002), dirigido por Spike Jonze e co-roteirizado por Charlie Kaufman.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

À procura da felicidade (The pursuit of happyness)


Para tentar abiscoitar o Oscar de Melhor Ator, Will Smith produziu e encarnou a personagem principal dessa 'biopic' passada na década de 80. Para a direção, selecionou o realizador de "L'ultimo bacio", o italiano Gabriele Muccino (que por sinal, está em alta em Hollywood: o seu filme de 2001 já ganhou versão ianque), que por sua vez convidou o músico Andrea Guerra para fazer a trilha. 

The pursuit of happyness conta a história verídica de Chris Gardner, homem abandonado pela mulher Linda (Thandie Newton), por conta da incapacidade de vender os milagrosos scanners de densidade óssea e pagar as contas da casa. Antes de ir para Nova York, Linda espezinha Chris e caçoa de sua tentativa de conseguir estágio em importante empresa de corretagem de ações; Christopher (Jaden Smith, filho de Will Smith), o filho do casal, fica com o pai em San Francisco.

O happYness do título refere-se a uma pichação na parede próxima à creche onde Chris deixa o filho enquanto anda pela cidade tentando vender a geringonça nos hospitais, tudo sem esquecer do sonho de melhorar de vida. Tanto insiste (usa até a habilidade em brincar de cubo mágico) que consegue a chance de uma entrevista. Então é preso por multas de trânsito e é obrigado a comparecer à entrevista todo sujo de tinta.

O termo "pursuit of happiness" foi cunhado por Samuel Johnson, na novela Rasselas. Publicada em 1759 para pagar o funeral da mãe, Johnson conta a história de Rasselas, o príncipe da Abissínia, que parte de sua terra natal - o Happy Valley - na companhia do mentor Imlac, da irmã Nekayah e o servo da irmã, Pekuah; os quatro atravessam o Egito à procura de um modo de vida mais feliz. Lá pelas tantas, Pekuah e Nekayah são obrigados a se separar, e Nekayah, sentindo a falta dele, pondera: "Yet what is to be expected from our pursuit of happiness, when we find the state of life to be such that happiness itself is the cause of misery? Why should we endeavour to attain that of which the possession cannot be secured?"
Para Chris, a felicidade passa a ser um lugar para dormir, um quarto no albergue municipal, para que ele e o filho não precisem dormir de novo no banheiro do metrô.


Em 1776, um intertexto com a novela de Samuel Johnson surgiria em plena Declaração da Independência Norte-Americana, de autoria de Thomas Jefferson: "We hold these truths to be sacred & undeniable; that all men are created equal & independent, that from that equal creation they derive rights inherent & inalienable, among which are the preservation of life, & liberty, & the pursuit of happiness; that to secure these ends, governments are instituted among men, deriving their just powers from the consent of the governed; that whenever any form of government shall become destructive of these ends, it is the right of the people to alter or to abolish it, & to institute new government, laying its foundation on such principles & organising its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their safety & happiness."

Para Will Smith, a felicidade este ano é levar o Oscar para casa.