Este é o segundo de três posts da série "Eu vi no Brasília", que homenageia o cinema de minha cidade natal. O primeiro foi sobre Pânico na multidão e o terceiro será sobre... aguarde a surpresa!
Era uma vez na América do Sul uma sala de cinema que com sua sangrenta programação moldou o estoicismo e a tenacidade de um pequeno cinéfilo. Era uma vez um menino tímido que sofria bullying na escola e buscava um porto seguro naquelas catárticas matinês de sábado.
Era uma vez uma cena trágica que ficou na retina do menino, uma cena entristecedora, ao som da atmosférica trilha de Enio Morricone...
A sessão? Orca, a baleia assassina, de Michael Anderson.
A cena? Uma orca fêmea é ferida com arpão e pendurada no barco. Então, para a surpresa e a perplexidade de todos, um feto é abortado no convés do pesqueiro.
Esta cena ficou gravada em meu cérebro e somente agora tive a oportunidade de rever o filme, em companhia de meu filho de 11 anos. Quando eu vi no Brasília eu deveria ser mais novo do que ele.
Eu ia sozinho ver tudo que é tipo de filme, dos mais trágicos aos mais sanguinolentos.
Os danos ou benefícios que esse hábito (ou vício?) causou a minhas faculdades cognitivas em formação, só um estudo mais aprofundado poderá revelar.
Voltando à vaca, digo, à orca fria: existem muitos detalhes neste filme que poderiam permitir que ele se tornasse um cult, mas um cult daquele tipo "renegado pela crítica".
Foi destruído pelos especialistas mais eruditos. Guias o classificam com cotações nada lisonjeiras.
Dino de Laurentiis, o pragmático produtor, contratou uma dupla de roteiristas imaginativos, um excelente compositor, um diretor com Oscar de Melhor Filme na estante (A volta ao mundo em 80 dias), um ator carismático (Richard Harris, na pele do pescador Nolan) e uma atriz hipnotizante (Charlotte Rampling, que vive a bióloga marinha que tenta ajudar/entender Nolan).
Tudo isso para contar uma trama de vingança das mais básicas. Para completar o prato, umas pitadas de atores para serem sacrificados ao longo do percurso, como a estreante (e estonteante) Bo Derek (que faria depois Mulher Nota 10) e um deslocado Robert Carradine, de A vingança dos nerds.
Este último, na pele do marujo Ken, tem uns 30 segundos de tela antes de encerrar sua patética participação e ser destroçado pelos dentes afiados da orca macho que deseja se vingar de Nolan e sua tripulação.
A ambientação da história não poderia ser mais adequada: a ilha de Terra Nova, no Canadá. A orca fêmea trucidada por Nolan acaba encalhada na praia, trazida pelo revoltado companheiro. Então o vingativo e inteligente cetáceo começa a protagonizar vários ataques ao redor do píer. A comunidade de pescadores pressiona Nolan a voltar ao mar para resolver o "problema" criado por ele.
Sinceramente, ao rever o filme eu fico me perguntando como ele foi tão estigmatizado. Não é tão ruim assim. É um filme B que se propõe contar uma história de vingança e conta de modo bastante honesto, com as "armas" e o orçamento que tem. Um filme simples, mas não simplório. Um filme que não precisa se agarrar na desgraça alheia para atrair público. E digo mais, a obsessão com o tema vingança está ali de um modo incrivelmente original.
O filme carece de verossimilhança? Ora, esse argumento é um mau argumento. Orca tem uma forte "verossimilhança interna", uma congruência e lógica que funcionam naquele mundo ficcional.
Um certo misticismo é acrescentado à trama com a presença de um nativo americano, que conta sobre as lendas envolvendo orcas em gerações passadas.
Na parte final, o filme se torna mais e mais soturno, com Nolan se transfigurando num Ahab moderno.
Pelas cenas originais, a trilha etérea, a atuação de Harris e Rampling, a direção discreta de Anderson e o surrealismo da sequência final, Orca, a baleia assassina tem o seu honroso lugar na categoria de filmes Humanidade x Natureza. Em certos aspectos, o filme é um verdadeiro precursor da preocupação com a harmonia entre seres humanos e o mundo marinho.
Era uma vez na América do Sul uma sala de cinema que com sua sangrenta programação moldou o estoicismo e a tenacidade de um pequeno cinéfilo. Era uma vez um menino tímido que sofria bullying na escola e buscava um porto seguro naquelas catárticas matinês de sábado.
Era uma vez uma cena trágica que ficou na retina do menino, uma cena entristecedora, ao som da atmosférica trilha de Enio Morricone...
A sessão? Orca, a baleia assassina, de Michael Anderson.
A cena? Uma orca fêmea é ferida com arpão e pendurada no barco. Então, para a surpresa e a perplexidade de todos, um feto é abortado no convés do pesqueiro.
Esta cena ficou gravada em meu cérebro e somente agora tive a oportunidade de rever o filme, em companhia de meu filho de 11 anos. Quando eu vi no Brasília eu deveria ser mais novo do que ele.
Eu ia sozinho ver tudo que é tipo de filme, dos mais trágicos aos mais sanguinolentos.
Os danos ou benefícios que esse hábito (ou vício?) causou a minhas faculdades cognitivas em formação, só um estudo mais aprofundado poderá revelar.
Voltando à vaca, digo, à orca fria: existem muitos detalhes neste filme que poderiam permitir que ele se tornasse um cult, mas um cult daquele tipo "renegado pela crítica".
Foi destruído pelos especialistas mais eruditos. Guias o classificam com cotações nada lisonjeiras.
Dino de Laurentiis, o pragmático produtor, contratou uma dupla de roteiristas imaginativos, um excelente compositor, um diretor com Oscar de Melhor Filme na estante (A volta ao mundo em 80 dias), um ator carismático (Richard Harris, na pele do pescador Nolan) e uma atriz hipnotizante (Charlotte Rampling, que vive a bióloga marinha que tenta ajudar/entender Nolan).
Tudo isso para contar uma trama de vingança das mais básicas. Para completar o prato, umas pitadas de atores para serem sacrificados ao longo do percurso, como a estreante (e estonteante) Bo Derek (que faria depois Mulher Nota 10) e um deslocado Robert Carradine, de A vingança dos nerds.
Este último, na pele do marujo Ken, tem uns 30 segundos de tela antes de encerrar sua patética participação e ser destroçado pelos dentes afiados da orca macho que deseja se vingar de Nolan e sua tripulação.
A ambientação da história não poderia ser mais adequada: a ilha de Terra Nova, no Canadá. A orca fêmea trucidada por Nolan acaba encalhada na praia, trazida pelo revoltado companheiro. Então o vingativo e inteligente cetáceo começa a protagonizar vários ataques ao redor do píer. A comunidade de pescadores pressiona Nolan a voltar ao mar para resolver o "problema" criado por ele.
Sinceramente, ao rever o filme eu fico me perguntando como ele foi tão estigmatizado. Não é tão ruim assim. É um filme B que se propõe contar uma história de vingança e conta de modo bastante honesto, com as "armas" e o orçamento que tem. Um filme simples, mas não simplório. Um filme que não precisa se agarrar na desgraça alheia para atrair público. E digo mais, a obsessão com o tema vingança está ali de um modo incrivelmente original.
O filme carece de verossimilhança? Ora, esse argumento é um mau argumento. Orca tem uma forte "verossimilhança interna", uma congruência e lógica que funcionam naquele mundo ficcional.
Um certo misticismo é acrescentado à trama com a presença de um nativo americano, que conta sobre as lendas envolvendo orcas em gerações passadas.
Na parte final, o filme se torna mais e mais soturno, com Nolan se transfigurando num Ahab moderno.
Pelas cenas originais, a trilha etérea, a atuação de Harris e Rampling, a direção discreta de Anderson e o surrealismo da sequência final, Orca, a baleia assassina tem o seu honroso lugar na categoria de filmes Humanidade x Natureza. Em certos aspectos, o filme é um verdadeiro precursor da preocupação com a harmonia entre seres humanos e o mundo marinho.
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