Qualquer pessoa um pouco ligada em cinema sabe que não há mistério na receita para se fazer um bom filme. Bom roteiro, bom elenco, boa equipe e bom diretor quase invariavelmente resultam num bom filme. Há casos, porém, em que o roteiro parece ótimo, o elenco é cheio de figurões, a equipe técnica é oscarizada e o diretor tem uma filmografia quase impecável, mas o resultado é uma droga. Em que categoria se enquadra Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal?
Comecemos nossa análise pelo roteiro. Bem estruturado, faz o espectador entrar na história de modo envolvente. Com ingredientes clássicos como mapas em código, povos remotos, tesouros perdidos, objetos mágicos e segredos misteriosos, traz também pitadas de humor e inúmeras citações intertextuais com os primeiros três filmes da série. Além disso, ao fixar o ano das ações em 1957, lança mão de humor político, com menção à guerra fria EUA x Rússia e à "caça às bruxas" ianque contra os "comunistas", ocorrida na década de 1950. Por isso, com um ou outro senão, é possível afirmar que o roteiro foi muito bem trabalhado e executado.
O elenco do filme? Bem, é chover no molhado falar, por exemplo, na qualidade de Cate Blanchett, mas a verdade é que ela comprova mais uma vez o grande talento como a gélida Irina Spalko, militar e pesquisadora russa que procura de modo obstinado descobrir a origem e a verdade sobre a Caveira de Cristal. Karen Allen, no papel de Marion Ravenwood, numa ótima jogada dos roteiristas, dá o ar de sua graça na série, depois de um longo e tenebroso inverno (só tinha estrelado Os Caçadores da Arca Perdida). Ela contribui com seu charme (que não diminuiu com a idade) para tornar o filme melhor. Já Shia LaBeouf (isso lá é nome de gente?), um dos atores mais versáteis e solicitados na Hollywood atual (senão, vejamos: participou do blockbuster Transformers [2007], do obscuro Paranóia [2007] e do alternativo Bobby [2006]), não podia deixar de marcar presença e não decepciona na pele de Mutt Williams, o rebelde motoqueiro que pede ajuda a Indy para resgatar o Professor Oxley, perdido em algum lugar da América do Sul. Oxley, por sua vez, é interpretado por um descabelado e alucinado John Hurt, outro mestre da metamorfose (já fez por exemplo O Homem Elefante, de David Lynch e serviu de pasto para o primeiríssimo Alien, de Ridley Scott). Ray Winstone interpreta Mac, parceiro de Indy nas aventuras, enquanto Jim Broadbent encarna o reitor da Universidade que é obrigado a afastar Indiana Jones, devido às investigações da CIA. Em resumo, o elenco tem peso, inspiração e todos os clichês mais que você conseguir lembrar. Mas, falta falar dele, não é?
Sim, e o que dizer do nosso velho Harrison Ford? Em 35 anos de carreira, já trabalhou com alguns dos melhores diretores, como George Lucas (American Grafitti, 1973; Guerra nas Estrelas, 1977; O Império Contra-Ataca, 1980 e O Retorno de Jedi, 1983); Francis Ford Coppola (A Conversação, 1974 e Apocalypse Now, 1979); Steven Spielberg (Os Caçadores da Arca Perdida, 1981, Indiana Jones e O Templo da Perdição, 1984, Indiana Jones a A Última Cruzada e Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, 2008); Peter Weir (o filmaço imortal A Testemunha, 1985, e o incompreendido A Costa do Mosquito, 1986); Ridley Scott (o cult dos cults Blade Runner, 1982); Mike Nichols (Uma Secretária de Futuro, 1988); Roman Polanski (Frantic, 1988); Alan Pakula (Presumed Innocent, 1990); Phylip Noyce (Jogos Patrióticos, 1992, e Perigo Real e Imediato, 1994); Andrew Davis (O Fugitivo); Sidney Pollack (que os Deuses do bom cinema o tenham, Sabrina, 1995) e Kathryn Bigelow (K-19, 2002). Diga-me com quem andas, que eu dir-te-ei quem és. Só o fato de ter trabalhado com tanta gente genial já poderia atestar a qualidade e o carisma de Harrison Ford. Mas não se trata disso, de citar currículo por citar, de criar fama e cair na cama. O carpinteiro que virou ator humilde nunca quis ser diretor. Ford é um cara que sabe as próprias limitações. E apesar delas, deu vida a inúmeras personagens e cenas gravadas na retina de quem ama cinema.
Falando em retina, essa é a deixa para comentar sobre a equipe reunida para otimizar o filme. Sim, pois O Reino da Caveira de Cristal tem uma das características marcantes dos filmes de Spielberg: a excelente fotografia assinada por Janusz Kaminski. A música? John Williams. A produção? George Lucas e Frank Marshall. O roteiro? David Koepp, baseado em história de George Lucas. Para quem não lembra de David Koepp: ele assinou nada menos que Jurassic Park, Missão Impossível, Homem Aranha, Quarto do Pânico, sem falar nos dois filmes de Brian De Palma: Carlito's Way e Olhos de Serpente. Em suma, uma bela equipe como era de se esperar.
O que nos leva ao homem que ganha o crédito artístico: o diretor. No caso, Steven Spielberg. Desde que estreou com o baixo orçamento de Encurralado (1971), passando pelo blockbuster Tubarão (1975), pelo pioneiro Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e pela magia de E.T. (1982), até chegar ao Oscar em A Lista de Schindler (1993), unindo faro comercial, talento visual e timing infalível, mesclando o senso de humor (1941 - Uma guerra muito louca, 1977; Prenda-me se for capaz, 2002; O Terminal, 2004) à capacidade de urdir dramas (A Cor Púrpura,1985) e de retratar realidades cruéis (vide Munique, 2005), eclético, indo da aventura (O Império do Sol, 1987) à guerra (O Resgate do Soldado Ryan, 1998), do suspense (Twilight Zone, 1983) à ficção (A.I., 2001, Minority Report, 2002, A Guerra dos Mundos, 2005), Spielberg é o protótipo do CINEASTA. Completo.
Bem, dirá um leitor crítico, que tal parar de citar nomes e currículos e falar um pouco sobre o filme? Ora, um filme é feito de nomes e de currículos. O que eu posso dizer é que Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal faz jus ao currículo das pessoas envolvidas. Claro que tudo tem um pequeno senão, e, nesse caso, já havia comentado en passant que o roteiro, mesmo excelente, tinha seus senões. Pois bem, o senão é que a fundamentação científica (?) está mais para Erich von Däniken do que para Carl Sagan. Mas isso não chega a comprometer a 'obra como um todo'.
Bem, dirá um leitor crítico, que tal parar de citar nomes e currículos e falar um pouco sobre o filme? Ora, um filme é feito de nomes e de currículos. O que eu posso dizer é que Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal faz jus ao currículo das pessoas envolvidas. Claro que tudo tem um pequeno senão, e, nesse caso, já havia comentado en passant que o roteiro, mesmo excelente, tinha seus senões. Pois bem, o senão é que a fundamentação científica (?) está mais para Erich von Däniken do que para Carl Sagan. Mas isso não chega a comprometer a 'obra como um todo'.