quinta-feira, maio 29, 2008

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal


Qualquer pessoa um pouco ligada em cinema sabe que não há mistério na receita para se fazer um bom filme. Bom roteiro, bom elenco, boa equipe e bom diretor quase invariavelmente resultam num bom filme. Há casos, porém, em que o roteiro parece ótimo, o elenco é cheio de figurões, a equipe técnica é oscarizada e o diretor tem uma filmografia quase impecável, mas o resultado é uma droga. Em que categoria se enquadra Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal?

Comecemos nossa análise pelo roteiro. Bem estruturado, faz o espectador entrar na história de modo envolvente. Com ingredientes clássicos como mapas em código, povos remotos, tesouros perdidos, objetos mágicos e segredos misteriosos, traz também pitadas de humor e inúmeras citações intertextuais com os primeiros três filmes da série. Além disso, ao fixar o ano das ações em 1957, lança mão de humor político, com menção à guerra fria EUA x Rússia e à "caça às bruxas" ianque contra os "comunistas", ocorrida na década de 1950. Por isso, com um ou outro senão, é possível afirmar que o roteiro foi muito bem trabalhado e executado.

O elenco do filme? Bem, é chover no molhado falar, por exemplo, na qualidade de Cate Blanchett, mas a verdade é que ela comprova mais uma vez o grande talento como a gélida Irina Spalko, militar e pesquisadora russa que procura de modo obstinado descobrir a origem e a verdade sobre a Caveira de Cristal. Karen Allen, no papel de Marion Ravenwood, numa ótima jogada dos roteiristas, dá o ar de sua graça na série, depois de um longo e tenebroso inverno (só tinha estrelado Os Caçadores da Arca Perdida). Ela contribui com seu charme (que não diminuiu com a idade) para tornar o filme melhor. Já Shia LaBeouf (isso lá é nome de gente?), um dos atores mais versáteis e solicitados na Hollywood atual (senão, vejamos: participou do blockbuster Transformers [2007], do obscuro Paranóia [2007] e do alternativo Bobby [2006]), não podia deixar de marcar presença e não decepciona na pele de Mutt Williams, o rebelde motoqueiro que pede ajuda a Indy para resgatar o Professor Oxley, perdido em algum lugar da América do Sul. Oxley, por sua vez, é interpretado por um descabelado e alucinado John Hurt, outro mestre da metamorfose (já fez por exemplo O Homem Elefante, de David Lynch e serviu de pasto para o primeiríssimo Alien, de Ridley Scott). Ray Winstone interpreta Mac, parceiro de Indy nas aventuras, enquanto Jim Broadbent encarna o reitor da Universidade que é obrigado a afastar Indiana Jones, devido às investigações da CIA. Em resumo, o elenco tem peso, inspiração e todos os clichês mais que você conseguir lembrar. Mas, falta falar dele, não é?
Sim, e o que dizer do nosso velho Harrison Ford? Em 35 anos de carreira, já trabalhou com alguns dos melhores diretores, como George Lucas (American Grafitti, 1973; Guerra nas Estrelas, 1977; O Império Contra-Ataca, 1980 e O Retorno de Jedi, 1983); Francis Ford Coppola (A Conversação, 1974 e Apocalypse Now, 1979); Steven Spielberg (Os Caçadores da Arca Perdida, 1981, Indiana Jones e O Templo da Perdição, 1984, Indiana Jones a A Última Cruzada e Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, 2008); Peter Weir (o filmaço imortal A Testemunha, 1985, e o incompreendido A Costa do Mosquito, 1986); Ridley Scott (o cult dos cults Blade Runner, 1982); Mike Nichols (Uma Secretária de Futuro, 1988); Roman Polanski (Frantic, 1988); Alan Pakula (Presumed Innocent, 1990); Phylip Noyce (Jogos Patrióticos, 1992, e Perigo Real e Imediato, 1994); Andrew Davis (O Fugitivo); Sidney Pollack (que os Deuses do bom cinema o tenham, Sabrina, 1995) e Kathryn Bigelow (K-19, 2002). Diga-me com quem andas, que eu dir-te-ei quem és. Só o fato de ter trabalhado com tanta gente genial já poderia atestar a qualidade e o carisma de Harrison Ford. Mas não se trata disso, de citar currículo por citar, de criar fama e cair na cama. O carpinteiro que virou ator humilde nunca quis ser diretor. Ford é um cara que sabe as próprias limitações. E apesar delas, deu vida a inúmeras personagens e cenas gravadas na retina de quem ama cinema.
Falando em retina, essa é a deixa para comentar sobre a equipe reunida para otimizar o filme. Sim, pois O Reino da Caveira de Cristal tem uma das características marcantes dos filmes de Spielberg: a excelente fotografia assinada por Janusz Kaminski. A música? John Williams. A produção? George Lucas e Frank Marshall. O roteiro? David Koepp, baseado em história de George Lucas. Para quem não lembra de David Koepp: ele assinou nada menos que Jurassic Park, Missão Impossível, Homem Aranha, Quarto do Pânico, sem falar nos dois filmes de Brian De Palma: Carlito's Way e Olhos de Serpente. Em suma, uma bela equipe como era de se esperar.
O que nos leva ao homem que ganha o crédito artístico: o diretor. No caso, Steven Spielberg. Desde que estreou com o baixo orçamento de Encurralado (1971), passando pelo blockbuster Tubarão (1975), pelo pioneiro Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e pela magia de E.T. (1982), até chegar ao Oscar em A Lista de Schindler (1993), unindo faro comercial, talento visual e timing infalível, mesclando o senso de humor (1941 - Uma guerra muito louca, 1977; Prenda-me se for capaz, 2002; O Terminal, 2004) à capacidade de urdir dramas (A Cor Púrpura,1985) e de retratar realidades cruéis (vide Munique, 2005), eclético, indo da aventura (O Império do Sol, 1987) à guerra (O Resgate do Soldado Ryan, 1998), do suspense (Twilight Zone, 1983) à ficção (A.I., 2001, Minority Report, 2002, A Guerra dos Mundos, 2005), Spielberg é o protótipo do CINEASTA. Completo.
Bem, dirá um leitor crítico, que tal parar de citar nomes e currículos e falar um pouco sobre o filme? Ora, um filme é feito de nomes e de currículos. O que eu posso dizer é que Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal faz jus ao currículo das pessoas envolvidas. Claro que tudo tem um pequeno senão, e, nesse caso, já havia comentado en passant que o roteiro, mesmo excelente, tinha seus senões. Pois bem, o senão é que a fundamentação científica (?) está mais para Erich von Däniken do que para Carl Sagan. Mas isso não chega a comprometer a 'obra como um todo'.

domingo, maio 18, 2008

Encurralados

O título original de Encurralados (Butterfly on a Wheel), produção independente britânica (cujo DVD recebeu nos EUA o título Shattered ), é uma referência à frase "Who breaks a butterfly upon a wheel?", citação de Alexander Pope; por sua vez, alusão à forma de tortura em que as vítimas eram amarradas a uma roda e tinham fêmures e úmeros quebrados por uma barra de ferro. Uma das conotações da expressão "estraçalhar uma borboleta sobre uma roda" é dispender um esforço grande para alcançar algo sem importância. Para quem gosta de música pop: Butterfly on a Wheel é, também, o título da bela canção do Mission, cujo refrão é Love breaks the wings of a butterfly on a wheel.
E o amor de Amy (Maria Bello) e Neil Warner (Gerard Butler) pela filha Sophie será colocado à prova. Neil Warner, bem-sucedido executivo do ramo de publicidade, na agência onde trabalha cultiva a inveja de alguns e a admiração de outros, como o seu chefe e a secretária Judy (Claudette Mink). Num fim-de-semana em que Neil tem programado um encontro com o chefe e Amy um encontro com as amigas, o casal é obrigado a contratar uma babá para cuidar da filha Sophie (Emma Karwandy). Tudo parece estar calmo, mas de súbito os dois se vêem raptados por Tom Ryan (Pierce Brosnan) e informados de que a filha deles, na verdade, está nas mãos de uma cúmplice. A partir daí, o roteirista William Morrissey tenta fazer de Tom Ryan um vilão implacável com objetivos obscuros. Os fatos sucedem-se de modo tão vertiginoso que, se o espectador se deixar confundir, pode até chegar a pensar que está vendo um bom thriller. Porém, a despeito dos esforços dos atores, o argumento é mesmo frágil como asas de borboleta. Não bastasse o exagero e a falta de bom senso das situações, o filme conta com uma das cenas finais mais mal-resolvidas e constrangedoras dos últimos tempos. Não à toa o filme nem entrou em cartaz nos Estados Unidos: ir ao cinema para assistir Encurralados é despender muito esforço para um retorno ínfimo.


sábado, maio 17, 2008

Homem de Ferro

Gwyneth Paltrow em Iron Man está linda como Pepper, a fiel e eficiente secretária particular de Tony Stark; Robert Downey Jr. não deixou por menos e fez um trabalho fenomenal como Tony Stark/Iron Man. Paltrow, de modo contido, faz de Pepper o protótipo da secretária competente, que nutre pelo chefe algo mais que respeito e admiração. Downing Jr., por sua vez, faz com maestria e charme o papel do patrão frio e calculista, que finge não saber da paixão da secretária.
O diretor Jon Favreau conduz a história de modo ágil, focando (méritos para o roteiro) sempre a personalidade contraditória, carismática e enigmática do engenheiro nato Tony Stark. Herdeiro da Stark Industries, empresa líder em produção de armas pesadas, após a demonstração de um novo armamento no Afeganistão, é capturado por uma milícia local. Seriamente ferido, é salvo por um estratagema científico de seu colega de prisão Yinsen (Shaun Toub). A situação obriga Tony a usar toda a sua habilidade e o seu conhecimento para fazer uma armadura rudimentar mas poderosa e tentar escapar com vida.
Esse é apenas o resumo da situação inicial de Homem de Ferro. A experiência abala as convicções de Stark, o que provocará choque de interesses com o sócio Obadiah Stane (Jeff Bridges) (a propósito, o veterano e eficiente ator faz de Obadiah um dos vilões mais carecas e mais patéticos do cinema). Nos EUA, com toda tecnologia à disposição em pleno porão de sua casa encravada num penhasco à beira-mar, Tony desenvolve uma nova espécie de energia, constrói a armadura perfeita e se torna o Homem de Ferro, para tentar desfazer males criados pela sua própria indústria. A voz de Jarvis, o computador que é a 'alma' da armadura, é do ator Paul Bettany.
A equação do Homem de Ferro: boa fonte + roteiro inspirado + atores consistentes + direção ágil = puro divertimento.

sexta-feira, maio 16, 2008

Um beijo roubado

Jeremy (Jude Law), um imigrante inglês, toca o próprio negócio - espécie de confeitaria intimista - em Nova York. Uma das freguesas assíduas é Elizabeth (Norah Jones), com quem Jeremy trava aquele tipo de amizade inocente e desinteressada, mas com potencial de quem sabe, talvez, um dia, ir um pouco, bastante, muito além de uma relação cordial-comercial. Porém, entretanto, todavia, eis que o fato desencadeador acontece: o relacionamento de Elizabeth está se desintegrando. Sem aviso prévio, pára de freqüentar a confeitaria, por um simples motivo: está a centenas de milhas, em busca da auto-estima perdida.
Para os novos amigos, justifica o fato de trabalhar noite (com o nome Lizzie num bar) e dia (com o codinome Beth numa lancheria) pelo objetivo de juntar dois mil dólares para comprar um carro.
Mas, entre um emprego e outro, entre uma cidade e outra, entre o testemunho de uma história paralela e outra (que incluem o relacionamento tempestuoso de Arnie [David Strathairn], um policial beberrão, e sua sensual, mas perdida esposa [Rachel Weisz]; e as aventuras da jogadora de pôquer Leslie [Natalie Portman]), Elizabeth mantém o contato com Jeremy por meio de cartões-postais enviados à confeitaria.
Wong Kar Wai, diretor oriundo de Hong Kong, abusa dos closes, das câmaras lentas e das cores fortes para tentar dar um tom 'artístico' a My Blueberry Nights (que virou Um beijo roubado). Alguém poderia ponderar que, devido às andanças de Elizabeth, a amizade dela com Jeremy fica em segundo plano boa parte do filme. Outro rebateria que perde o 'romance', mas ganha o 'road movie'. Um espírito mais crítico poderia avaliar que, devido à dispersão de foco nas histórias paralelas, a história 'principal' (Jeremy e Elizabeth) acaba mal-desenvolvida. Outro retrucaria que, na verdade, o filme não é sobre Jeremy e Elizabeth, e sim sobre a viagem de reconstrução da vida de Elizabeth. Talvez essa seja uma boa definição - e uma das qualidades - de Um beijo roubado: difícil de rotular.

sexta-feira, maio 02, 2008

A vida começa aos 40

A médica ginecologista Elisabeth Staf estaciona o carro com pressa e com mais pressa sai do carro em direção à igreja. É o casamento do filho. A pressa não a impede, porém, de argumentar com a fiscal de trânsito, ansiosa por multá-la. A conversa entre doutora e fiscal vira bate-boca (com direito a tapa no quepe e troca de comentários não muito elogiosos). É assim que Colin Nutley, diretor britânico radicado na Suécia, apresenta as protagonistas de seu novo filme: A vida começa aos 40 (Schwedisch für Fortgeschrittene / Heartbreak Hotel).

Por essa primeira cena, o espectador pode avaliar a personalidade das duas. Elizabeth: decidida, petulante, do tipo que não leva desaforo para casa. Gudrun: discreta, zelosa, do tipo que leva as coisas ao pé-da-letra. Claro que essas personagens vão se encontrar de novo e a desavença inicial será esquecida em prol de uma amizade irresistível, avassaladora, do tipo que não acontece muitas vezes. Afinal, as duas têm muita coisa em comum: quarentonas, (enrustidamente) fogosas e (teoricamente) desimpedidas. Dessa forma, Gudrun e Elizabeth passam a freqüentar juntas nas frias noites suecas a pista animada do Heartbreak Hotel.

Misto de Embalos do Sábado à Noite com Thelma e Louise, o tema da película realizada na Suécia (como os demais filmes de Nutley) é a importância de certos itens: a amizade, a música, a dança, a diversão, a compreensão dos filhos, a colaboração dos cônjuges (no caso, êx-conjuges). Se esses itens já são importantes em situações ditas normais, mais importantes se tornam num contexto de reestruturação. Aos quarenta e poucos anos, a recatada Gudrun (Maria Lundqvist) e a extrovertida Elisabeth (Helena Bergström, esposa do diretor e presença constante em seus filmes) não precisam mais ter vergonha de nada (nem mesmo de aceitar o fato de nunca ter tido um orgasmo). No auge das células cinzentas, dão-se ao luxo de escolher o momento apropriado de não utilizá-las.


A trajetória do diretor Colin Nutley é no mínimo inusitada:
mesmo sem falar sueco fluente firmou-se como um dos mais importantes realizadores contemporâneos do país escandinavo. Seu maior sucesso foi talvez Änglagard (House of Angels, 1990), sobre a estranha chegada de dois forasteiros numa pequena cidade. Nas palavras do jornalista Rob Hincks, o filme é "provavelmente a quintessência dos filmes suecos de verão de todos os tempos". Foi tanto o sucesso que rendeu uma seqüência.

Nutley já foi procurado por Hollywood, mas até o momento tem resistido a "vender a alma". Gosta mesmo é de trabalhar na Suécia e fazer os filmes a seu modo, com pouco de roteiro e muito de improviso. Segundo Nutley (ver entrevista em
http://www.sweden.se/templates/cs/Article____14295.aspx),
seu método de trabalho é simples. O elenco só fica sabendo sobre o que vai ser a cena três minutos antes dela ser rodada. Então Nutley discute com o elenco como seria a reação deles àquela situação na vida real. E o resto é por conta dos atores. A vida começa aos 40 é uma boa amostra dos prós e contras desse método.