domingo, fevereiro 12, 2017

Manchester à beira-mar

Manchester à beira-mar pretende ser um contundente estudo sobre uma alma conturbada. O resultado é um pretensioso e acidentado distúrbio fílmico sem alma.
A pessoa mais sensata da plateia foi o senhor de cabelos brancos como neve que se retirou no meio da sessão para não mais retornar.
Quando Lee Chandler (Casey Affleck) põe seu prato de comida no micro-ondas, seleciona 2 minutos e fica olhando o prato girar, confesso que eu tive vontade de imitar o gesto daquele corajoso espectador.
Mas faltou-me sangue nas veias, neutralizado pelo pudor de quem gastou 30 reais, pela teimosia de um cinéfilo otimista que se nega sistemática e peremptoriamente a não pescar algo da experiência.

Assim como não existe um filme completamente sem erros, não há filme completamente ruim. O filme de Kenneth Lonergan tem um certo humor e trechos bem encenados. No início do filme até ensaiei algumas risadas acompanhando as tentativas de Lee Chandler de dialogar com os moradores dos prédios em que ele trabalhava como janitor, uma espécie de zelador, responsável pela manutenção predial, não só das áreas comuns, mas também da parte hidráulica dos apartamentos. Enfim, um faz-tudo. 
Vou citar em especial duas cenas em que Manchester à beira-mar (a propósito, o título do filme vem do balneário Manchester-by-the-sea, perto de Boston) revela qualidades. O adolescente órfão junta um galho no chão e vai passando na grade enquanto caminha, à espera do calor da primavera para enterrar o próprio pai. A ex-mulher que conversa com o ex-marido. Nessas cenas, Lonergan mostra o potencial que o filme tinha para se tornar bom.

Também outros dois detalhes do roteiro merecem ser citados positivamente, a ideia que Lee Chandler tem para comprar o motor novo do barco e a maneira discreta como são mostrados os porta-retratos.
Mas, eis que as poucas cenas eficazes são alternadas com outras cenas que não funcionam, cenas que poderiam (ou deveriam) ser cortadas ou deletadas, e, o que é pior, cenas inapelavelmente manipuladoras.
Particularmente a sequência que mais causou-me asco foi “a” sequência, a chave para a amargura no olhar de Lee Chandler, a explicação para o fardo insuportável que ele carrega.
E por que aquela cena me provocou engulhos?
Pelo simples fato que como trilha sonora alguém escolheu, de modo manipulador, artificial e herético, o hipnótico adágio em Sol menor de Albinoni (ou de Giazotto, vide Who Wrote the Adagio in G Minor: A Musical Mystery) utilizado emblematicamente por Peter Weir em Gallipoli.
A sequência de Weir é um exemplo de como imagem e som combinam-se à perfeição.
A sequência de Lonergan soa falsa e patética. A música sublime apenas realça a fragilidade das imagens.

Pretensiosamente Manchester à beira-mar tenta produzir catarse abordando temas como culpa e perda. Mas quando aparecem os créditos finais, uma parcela dos espectadores (na qual me incluo) suspira de alívio. Saí do cinema sentindo uma ponta de culpa por ter levado a esposa para assistir a um filme que não era do tipo que ela gosta. 
E eu, qual o tipo de filme de que eu gosto? O que me motiva a escrever uma resenha.

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