Ó David, meu amado David.
Você que fez Eraserhead, o cult movie que desconcerta o espectador de um modo que ninguém mais se esquece, talvez o filme mais influente da segunda metade do século XX, o filme que assisti no "cinema cofre" do cine Santander de Porto Alegre, na primeira sessão pública em terras gaúchas.
Você que fez O homem elefante, sobre um homem julgado um monstro pela sua aparência horrenda, mas uma pessoa bonita por dentro, muito castigada pela vida, pelo preconceito, pelo julgamento precipitado, pela ignorância humana de não querer conhecer o diferente. Recentemente revi o clássico em versão com extras, que contam a história do verdadeiro homem elefante.
Você que fez Coração selvagem, o filme que todas as mulheres por quem me apaixonei foram "obrigadas" a ver. O filme que resume a minha personalidade, do qual pincei o toque de meu celular, o filme que se você for mulher, e não viu, e quiser ver comigo, não vai ver, porque agora estou casado e bem casado, mas pode ver com seu amorzinho, se ele for um cara cabeça aberta, um cara alternativo, inteligente, de bom gosto, que aprecia cenas violentas, cenas engraçadas, cenas patéticas, cenas de pura declaração de amor entre um casal, cenas de louvor à liberdade pessoal.
Você que fez Duna, o Duna primordial, que a crítica malhou, que o público não gostou, mas o único que tem o Kyle, portanto o Duna com o protagonista mais carismático, o Duna com as cores mais fortes, o Duna com o Sting, o Duna que todo fã de Duna tem que assistir, porque é o Duna de David Lynch, for God's sake.
Você que fez História real, o filme mais normal de sua filmografia de 10 filmes, o mais inusitado "road movie" já feito, com certeza, o mais lento, afinal o veículo é um cortador de grama John Deere. Na jornada Alvin Straight conhece pessoas que mudam ao conhecê-lo, uma moça grávida que está fugindo da família, uma motorista que atropela cervos, um padre que aconselha os andarilhos, um bom samaritano que o ajuda a consertar o veículo, uma dupla de mecânicos atrapalhados que recebe uma lição... tudo para se encontrar com o irmão e fazer as pazes com ele.
Você que fez A estrada perdida, sessão odiada por alguns amigos que foram comigo, e quanto mais as pessoas odeiam David Lynch, mais eu entendo porque eu gosto dele, foi assim também com a série Twin Peaks, indiquei o piloto para um colega de Ensino Médio e o cara odiou e veio me tirar satisfação, por que eu havia indicado aquela porcaria para ele? Com isso aprendi que não devo indicar nada para ninguém, afinal, eu que devo estar perdido em minha estrada alucinógena pilotada por um onírico David Lynch.
Falando em onírico, você que fez Cidade dos sonhos, O império dos sonhos e Twin Peaks: Fire Walks With Me, filmes que nos fazem andar na corda bamba entre a realidade e o sonho, a mentira e a verdade, o sólido e o etéreo...
Você que fez o sadomasoquista "Hit me!" Veludo azul, embalado pelas canções celestiais de Angelo Badalamenti, estrelando a sua musa fatal Isabela Rosselini, com um Dennis Hopper mais doido do que em Born to Be Wild.
David, você que nasceu para ser selvagem e foi doce, que me encantou e me emocionou,
muito obrigado,
David, pelas cenas sobre as lavouras de milho em História real,
pela cena dos gravetos que não se vergam quando amarrados, símbolo de família forte,
Ó David que nos fez rir muito nos episódios de Twin Peaks, com um humor mais revigorante que já passou nas telas da televisão mundial,
Ó David que veio ao Brasil para o Fronteiras e que me autografou seu livro, ó David que vai deixar saudades infinitas.
Amanhã acordarei num mundo sem David Lynch, um mundo menos desafiador.
O cinema sem David Lynch é um cinema menos rebelde.
E não haverá um "novo" David Lynch, ao menos não para mim, porque não existe outra pessoa capaz de juntar tantas coisas que me agradem no mesmo filme.
Restam os 10 filmes e as 3 temporadas de Twin Peaks...
Restam as cenas que jamais saem da retina.
E a convicção de que sou um cara de sorte.
Sorte de ter acompanhado "em tempo real" a trajetória desse cineasta.
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