As palavras que brotam destes personagens não são quaisquer palavras, são palavras perenes da literatura universal.
Mas quanto à linguagem cinematográfica?? Aí que reside o triunfo maior do filme. Almereyda realiza um trabalho eficiente na adaptação de uma peça escrita em 1601 para o limiar do século XXI. O país vira a corporação Dinamarca. O castelo vira o prédio Elsinor. Algumas cenas, é claro, são cortadas. Bem dizer todo o primeiro ato. Algumas modificações são feitas. Marcelo vira Marcela, namorada de Horácio. Talvez para evitar qualquer conotação homossexual entre Hamlet e Horácio, os amigos inseparáveis. No Hamlet de Shakespeare, é Marcelo que fala:
– Há algo podre no reino da Dinamarca.
No de Michael Almereyda, este comentário é deletado. Mas as demais principais falas estão todas lá, inclusive o solilóquio To be or not be, that is the question (Existir ou não existir, aí está o problema, na tradução de Elvio Funck), que é murmurado, com um desânimo pungente, por um Hamlet perdido em meio às estantes da Blockbuster, mais especificamente, a seção de ação. Hamlet, tão detratado pela sua inação, avança e a câmera vai recuando, mostrando as placas ACTION afixadas às estantes.
Sobre a intrigante personalidade de Hamlet, vale pinçar alguns comentários de Bloom, livro citado acima:
"Hamlet não faz nada prematuramente; algo nele está determinado em não ser super determinado".
"A quintessência de Hamlet é nunca estar completamente comprometido a qualquer instância ou atitude, qualquer missão, ou mesmo a qualquer coisa".
"Hamlet é muito inteligente para aceitar qualquer papel, e a inteligência em si é descentralizada quando aliada ao desinteresse exacerbado do príncipe".
Bloom também reclama de um Hamlet que viu na Broadway, interpretado por Ralph Fiennes. Já Ethan Hawke desincumbe-se bem da tarefa... em sua interpretação, o aspecto sombrio de Hamlet é muito bem trabalhado. Destaques também para Julia Stiles – uma Ofélia perturbadora – e Bill Murray – no papel do controvertido Polônio.
A cena final quase põe o filme a perder. Mas a principal falha de Michael Almereyda foi cortar o aspecto pândego e irônico de Hamlet. Mesmo não sendo um filme perfeito, quem assistir ao Hamlet do diretor Michael Almereyda e abominar, das duas uma, ou ambas: não gosta de literatura ou/e não gosta de cinema.
Outras versões de Hamlet no cinema:
1996: De Kenneth Brannagh, a mais extensa e fiel, com quase 4 horas de duração.
1990: De Franco Zeffirelli, com Mel Gibson.
1948: De Laurence Olivier, a versão "definitiva", Oscar de Melhor Filme e Ator.
Leitura recomendada: "Hamleto", traduzido pelo poeta brasileiro Tristão da Cunha. Disponível em e-book.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é bem-vindo!