sábado, junho 25, 2022

Feriado no harém


 Escolhido por John Wilson, o fundador do prêmio Framboesa de Ouro, como um dos "100 filmes mais deliciosamente ruins da história", Harum Scarum (no Brasil, Feriado no harém, 1965), tem a direção de Gene Nelson.

Espécie de "pau-para-toda-obra" da indústria do entretenimento, Gene Nelson alcançou mais reconhecimento como ator do que como diretor. Era um excelente e hábil dançarino. Atuou por exemplo em Oklahoma! (1955), dirigido por Fred Zinneman. Mais tarde Gene Nelson migrou para a direção de seriados de tevê, inclusive Star Trek.

O background e o conhecimento do diretor como bailarino são notáveis na ênfase dada em Harum Scarum às sequências de dança, talvez as partes mais bem dirigidas do filme, que tem como outros pontos fortes a direção de arte e o figurino.

Uma pena é o roteiro. De autoria de Gerald Drayson Adams, a história, segundo o site Elvis Australia, careceu de ser mais bem trabalhada: "Little effort was invested in the script". Não é uma surpresa que isso acaba se tornando o maior problema do filme.

Diga-se de passagem, Elvis Presley já tinha feito um filme com direção de Gene Nelson e roteiro de nosso querido e, às vezes, pouco esforçado (ou quem sabe, pressionado pelo tempo?) G.D.A: Kissin' Cousins (Com caipira não se brinca, 1964). 

Voltando à Feriado no harém, a atriz principal é a Miss América de 1959, Mary Ann Mobley, no papel da princesa Shalimar, que, é claro, se apaixona pelo personagem de Elvis.

Já a atuação de Elvis Presley na pele do cantor estadunidense Johnny Tyrone, que é raptado com o intuito de ser obrigado a assassinar o rei de Lunarkand, oscila ao longo do filme, como se em alguns dias de filmagem ele estivesse mais focado que em outros.

Inclusive na interpretação das canções é possível notar diferenças em seu empenho e consequente desempenho.

AS CANÇÕES

O filme tem boas canções, algumas até surpreendentes, como "Shake That Tambourine", em que Elvis toca um pandeiro e dança no meio da multidão, enquanto Baba (Billy Barty, portador de nanismo) sub-repticiamente vai fazendo a limpa entre a plateia.

Outra curiosidade é "Hey Little Girl", entoada por Elvis enquanto a menina órfã dança e, ao longo do número, Elvis passa a dançar com ela.



O auge musical do filme, se é que podemos chamar assim, está na balada "So Close, Yet So Far (From Paradise), do compositor Joy Byers.

Elvis canta com seu estilo único, sentado junto às grades de sua prisão.



DESPERDÍCIO DE TALENTO OU AS COISAS COMO ELAS SÃO?

Analisar o rumo que a carreira de Elvis tomou cinematograficamente é algo que envolve muitos fatores. É muito fácil criticar esse ou aquele, escolher um "culpado".

Mas a impressão que temos é que a indústria do cinema subestimou não só Elvis como também os fãs de Elvis.

O seu empresário, Coronel Parker, era muito bom em pragmatismo, mas não tão bom em perceber as aspirações artísticas genuínas de Elvis, que almejava participar de algo mais substancial e duradouro como ator. E se ele tivesse tido a oportunidade de atuar mais maduro, em papéis de cunho dramático? Elvis não teve essa chance.

Ao longo da década de 1960, parece que Elvis tentou, sem sucesso, se desvencilhar dessa fórmula de filmes "B" de nicho, mas ele também tinha sua dose de pragmatismo e acabou fazendo o seu melhor nas condições que recebeu e dispunha.  

O Rei atuou em mais de 30 filmes de resultados artísticos variados.

 LISTAS QUE RANQUEIAM OS MELHORES FILMES DE ELVIS PRESLEY

Estão disponíveis na web algumas listas úteis:

10 Melhores Filmes de Elvis Presley (Variety, Joe Leydon)

Todos os 33 filmes de Elvis ranqueados do pior ao melhor (The Wrap)

Dez melhores filmes de Elvis Presley para assistir antes de "Elvis" de Baz Luhrman (Collider)

Um guia dos "Filmes de Elvis" para fãs (Elvis Information Network, EIN)


Olha quem está falando

 


O que acontece quando um pai cinéfilo resolve "escolher" o filme na Netflix? Um verdadeiro caos doméstico, um pastelão nas telas e em casa.

A mulher saiu da sala sob protestos (absurdos, no meu ponto de vista) de que a película escolhida seria "machista".

O filho adolescente mostrou indiferença e deu uma espiada em momentos chave, sempre fazendo questão de tecer comentários sobre a falta de fundamentação científica de toda aquela premissa (como que o bebê podia "pensar" palavras que sequer havia aprendido?).

A salvação foi o meu preá.

Leia-se, "Pre-Adolescente".


O garoto de dez anos ficou com os olhos grudados na tela e adivinhou o final logo nos primeiros minutos do filme, assistido em sua versão dublada, é claro. E a dublagem brasileira é muito bem-feita, obrigado, ao contrário do que pensam os arrogantes cinéfilos que "só assistem a filmes legendados".

"Ela vai ficar com o James", vaticinou o Antônio.


 Ela, no caso, é Molly (Kirstie Alley), e James é ele (John Travolta).

Na verdade, Olha quem está falando (1989), o filme dirigido e escrito por Amy Heckerling, tem uma crítica bem-humorada aos homens machistas (simbolizado pelo boçal Albert, o pai biológico do menino Mikey).

As cenas do táxi em disparada no começo e no fim do filme estão entre as menos verossímeis e mais divertidas da história do cinema. 

Em suma, o que na minha cabeça otimista era pra ser uma harmoniosa sessão "para toda a família" acabou sendo isso que foi descrito aí em cima. Antônio salvou meu dia!




sexta-feira, junho 24, 2022

Tributo a Peter Bogdanovich: Na mira da morte e A última sessão de cinema

 A obra "Afinal, quem faz os filmes?" (Who The Devil Made It) focaliza essa figura um tanto desconhecida do "grande público", o diretor de cinema.



INTRO

Sendo filho de uma cinéfila que amava filmes de Ingmar Bergman e Woody Allen, foi algo natural para mim desde cedo começar a escolher filmes pelo diretor.

Após Peter Bogdanovich, o autor do livro citado e também ele próprio um cineasta de carreira respeitável, falecer em janeiro de 2022, estive na Zílvia Locadora em Passo Fundo (sim, estamos em junho de 2022, e a locadora permanece aberta) e aluguei dois filmes dele que ainda não tinha visto.

Targets, sua estreia como diretor, em que Peter também atua como ator, e A última sessão de cinema, talvez o ápice de sua carreira como diretor.


NA MIRA DA MORTE

Targets (Na mira da morte, 1968) é um filme assustador pelo retrato que faz de um franco-atirador, esta figura um tanto enigmática da ficção, e infelizmente, da realidade também.

A história deste filme é interessante. O lendário Boris Karloff devia dois dias de trabalho para o produtor e diretor Roger Corman, que escalou Peter para dirigir e escrever o roteiro, que teve Karloff como o herói que no final é um dos alvos do atirador.



Segundo Quentin Tarantino, Na mira da morte não é um thriller com um comentário social embutido, mas um comentário social com um thriller embutido. Espécie de precursor de Pânico na multidão, continua sendo até hoje um libelo a favor do controle de vendas de armas e munições nos EUA. 

Além disso, o diretor que estreou com Cães de aluguel declarou também que Targets é um dos mais poderosos filmes de 1968 e uma das maiores estreias como diretor de todos os tempos. 

Duas sequências são aterradoras: quando o psicopata surta e sobe em um reservatório à margem de uma rodovia e começa a atirar a esmo, abatendo as pessoas como se fossem gado. E a parte final em que o mesmo perturbado personagem invade um cinema drive-in, instala-se atrás da grande tela e começa um novo frenesi assasino, só interrompido por...


A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA

Do ponto de vista artístico, A última sessão de cinema (1971) é o mais admirável trabalho de Peter Bogdanovich como diretor.



É a clássica história de "coming-of-age" de uma heterogênea turminha numa cidade pequena dos EUA. O livro homônimo de Larry McMurtry foi a base do roteiro.

Com atuações magistrais de Timotty Bottoms, Ellen Burstyn, Jeff Bridges e, é claro, Cybill Shepherd, o filme foi rodado em preto e branco, e passa uma melancolia e uma desilusão que muitos filmes de hoje tentam passar, mas não conseguem.




Mas passa também sensualidade, um ar de mistério e os laços que se formam entre verdadeiros amigos.

Segundo Sérgio Vaz, titular do site "+50 anos de filmes":

 Nós todos envelhecemos – mas A Última Sessão de Cinema não envelheceu um dia. Não perdeu nada do seu brilho, não ficou datado, desfocado. Porque é um clássico, em vários dos sentidos da palavra. É modelar, exemplar. É também consagrado, teve seu valor posto à prova e resistiu à passagem do tempo. Mas, sobretudo, é sóbrio, sem excessos, sem modismos. Clássico.

A tristeza explode nas telas quando o cine Royal da pequena cidade vai fechar. A última sessão é um filme de Howard Hawks, Rio vermelho, com John Wayne. As personagens principais do filme comparecem à sessão e aceitam a vida como ela é: os cinemas têm de fechar quando o público migra para outras plataformas de entretenimento, ou simplesmente migra. No caso, os poucos habitantes da cidade preferem ficar em caso assistindo à televisão (a ação se passa no começo da década de 1950).

Só quem mora em cidade pequena e viu o cinema da cidade ser obrigado a fechar as portas sabe das sensações de perda e impotência envolvidas no processo. Mas é inexorável. O cinema fecha.

Na pacata cidadezinha de Anarene, segue o ímpeto irrefreável de peças pregadas pelo destino: temos a ironia de Jacy (Cybill Shepherd) que apesar da beleza (ou talvez por causa dela) tenta, tenta, mas não consegue a tão ansiada perda da virgindade, e o desalento de Duane, que em seu embarque para a guerra da Coreia pede para o amigo Sonny cuidar do seu carro. 

Para culminar, o mascote da cidade, o incompreendido, mas encantador Billy (Sam Bottoms), o garoto que inutilmente varre as ruas em meio às tempestades de areia, vai protagonizar uma das sequências mais tocantes do filme e do cinema. 


CONCLUSÃO

O diretor Peter Bogdanovich (1939-2022) tem um currículo com outros bons filmes, como Esta pequena é uma parada (1972), Daisy Miller (1974), Marcas do destino (1985), Um sonho, dois amores (1993), etc. mas se você assistir a estes dois terá assistido dois de seus filmes mais significativos.