Uma rápida olhada na programação e percebo a atraente possibilidade de duas sessões encordoadas nas salas de cinema da Casa de Cultura Mário Quintana (que, com a competente e austera Mônica Leal à frente da Secretaria da Cultura, certamente não irão fechar): Pequena Miss Sunshine às 18h20 e O Labirinto do Fauno às 20h. Sair de uma e entrar na outra. Dito e feito: dois filmes de culto, o primeiro, norte-americano, Oscar de Melhor Roteiro Original e Melhor Ator Adjuvante (Alan Arkin); o segundo, mexicano, Oscar de Fotografia, Direção de Arte e Maquiagem; ambos igualmente belos, cada qual a seu estilo, porém, diametralmente opostos nas sensações que provocam no público.
O filme do casal Valerie Faris e Jonathan Dayton (que trabalham juntos desde os tempos em que se conheceram na UCLA; entre outros trabalhos, produziram clips do REM e Smashing Pumpkins) em poucos minutos apresenta seis interessantes personagens de uma mesma família: a pequena e espontânea Olive (Abigail Breslin, a filha de Mel Gibson em Sinais), de sete anos, que fica entusiasmada com a oportunidade de participar de um concurso de beleza; seu irmão Dwayne (Paul Dano), leitor de Nietzsche, que se comunica através de um bloco e um lápis, por conta de um voto de silêncio; o pai Richard (Greg Kinnear), criador de uma técnica de chegar ao sucesso chamada 'Os nove passos'; o avô (Alan Arkin, no papel que lhe valeu o Oscar), pai de Richard, que mora junto na casa do filho após ser expulso da casa geriátrica por consumo de drogas; a esposa Sheryl (Toni Colette), elemento agregador-estabilizador da conturbada família, que tem ainda Frank, irmão de Sheryl, especialista em Marcel Proust, gay e suicida. Essa fauna, enquanto vai de Albuquerque a Redondo Beach, na Califórnia, trafegando em uma Kombi sem embreagem, realizar o sonho de Olive em participar do concurso "Little Miss Sunshine", é obrigada a funcionar como uma verdadeira família, onde as pessoas se aceitam, se encorajam e procuram se compreender.
Por sua vez, a película de Guillermo Del Toro traz uma fauna mais literal: sapos, louva-a-deus, escaravelhos, fadas, faunos, criaturas presentes na imaginação de Ofélia (Ivana Baquero). A menina, devoradora de contos-de-fadas, acompanha a mãe Carmen (Ariadna Gil), que está grávida, numa viagem de automóvel até uma base militar, cujo líder é o desalmado capitão Vidal (Sergi Lopez). Na concepção do comandante da base, um filho tem que nascer onde está o pai. Na nova morada, a introvertida Ofélia faz amizade com Mercedes (Maribel Verdu), uma das cozinheiras, e passa a vivenciar experiências preternaturais, envolvendo um fauno (Doug Jones) que mora num labirinto. Não demora, Ofélia percebe que Mercedes é informante dos rebeldes procurados pelos soldados de Vidal; enquanto a mãe se aproxima do parto e a violência a seu redor aumenta, Ofélia mergulha cada vez mais em sua dimensão paralela: precisa realizar as missões exigidas pelo fauno e provar ser a Princesa tão esperada.
O contexto histórico é a Espanha dos anos 40, na ditadura de Francisco Franco. O realizador Guillermo del Toro (de A Espinha do Diabo, Blade II e Hellboy) faz uma pequena obra-prima do cinema fantástico que é, ao mesmo tempo, um libelo contra os regimes fascistas.
Ao cabo de Little Miss Sunshine, as luzes se acendem e revelam semblantes radiantes. No fim de El Laberinto del Fauno, olhares sombrios. Um leva às gargalhadas, o outro à apreensão. Um encanta pela leveza, o outro pela densidade. Um surpreende pela simplicidade, o outro pela elaboração. Dois cults de primeira ordem.
domingo, março 25, 2007
Cartas de Iwo Jima
Clint Eastwood, que aprendeu a dirigir observando diretores como Don Siegel e Sergio Leone, conta sob o ponto de vista do país oriental a desesperada batalha de Iwo Jima, travada em fevereiro e março de 1945, na sulfurosa ilhota do Japão. Empreitada suicida para os japoneses que, jogados à própria sorte, sem possibilidade de reforço aéreo e naval, organizaram-se do melhor modo para resistir o máximo possível ao bem estruturado e maciço ataque norte-americano. Com base num elenco forte - que inclui Ken Watanabe (o estrategista General Kuribayashi, que coordenou a férrea defesa, possível devido à construção de uma rede de túneis e cavernas), Ryo Kase (o hesitante soldado Shimizu), Tsuyoshi Ihara (o bravo Tenente Coronel Baron Nishi, que comandou o regimento de carros de combate, colocados camuflados em posições estáticas) e Kazunari Ninomyia (o irreverente Saigo, o soldado decidido a sobreviver ao horror da guerra e voltar para a mulher e a filha recém-nascida) -, Eastwood realiza um filme sensível e humanizante - por mais paradoxal que isso possa parecer. Falado em japonês.
sexta-feira, março 23, 2007
Motoqueiro fantasma
Peter Fonda, um dos motoqueiros de Easy Rider (Sem Destino, 1969), nesta adaptação dos quadrinhos Marvel dirigida por Mark Steven Johnson (que tem no currículo O Demolidor, 2002) é o diabo em pessoa. Johnny Blaze descobre que a saúde de seu pai, com quem trabalha e com quem aprendeu a pilotar motos para exibições, está seriamente afetada. Um misterioso homem aparece e lhe propõe um negócio: a sua alma em troca da saúde paterna. Meio sem querer, Johnny assina o contrato com uma gota de sangue. Está selado o seu destino: ficar à disposição de Mefistófeles para o dia em que ele precisar de seus préstimos. O pai melhora mas morre num acidente. Johnny torna-se um cara solitário e soturno, vivendo somente para o trabalho e afastando-se da namorada Roxanne. Anos depois, os dois se reencontram, ele (Nicolas Cage), o mais ousado motoqueiro de saltos, ela (Eva Mendes), a jornalista que o entrevista antes de mais uma perigosa apresentação. Então volta a intervir o maquiavélico Mefistófeles, cobrando a dívida e dando a Johnny uma missão; para cumpri-la, Johnny recebe poderes fantásticos. À noite, na presença do mal, transforma-se no Ghost Rider: no lugar da face, uma caveira em fogo; no lugar dos pneus, rodas incandescentes que deixam rastros por onde passa. Como arma, uma corrente que leva enrolada a tiracolo. Para livrar-se do vínculo com Mefisto e tentar resgatar o amor por Roxie, Johnny irá enfrentar uma gangue de vilões fantasmagóricos liderados por Blackheart (Wes Bentley) e contar com ajuda do coveiro interpretado por Sam Elliot. Pura diversão para acompanhar a pipoca.
quarta-feira, março 21, 2007
Letra e música
O loser assumido Alex Fletcher (Hugh Grant), ex-integrante da banda Pop, sucesso nos jurássicos anos 80, ganha a vida fazendo shows com playback, agendados pelo empresário - não menos loser - em clubes para reduzido público nostálgico - trintonas, quarentonas e afins, sequiosas de ver de perto o antigo ídolo, apesar de ele estar, atualmente, um tanto fora de forma.
A carreira se encaminha a um final melancólico, quando, do nada, Cora Corman (Haley Bennett), a cantora 'da hora', requisita Alex para lhe compor uma canção. Para oxigenar a combalida carreira, Alex aceita o desafio e procura uma pessoa para escrever a letra - o seu forte é a melodia. Depois de uma frustrada tentativa com um letrista profissional, Alex aposta as fichas em Sophie Fisher (Drew Barrymore), a atrapalhada, hipocondríaca e esquisita moça que substitui a cuidadora de plantas, que, despretensiosa, dá um palpite - um verso que agrada o veterano ex-pop star.
Desenvolve-se então uma inusitada parceria, que possibilitará um conhecimento mútuo e o surgimento de personagens como Sloan Cates (Scott Campbell), asqueroso professor com quem Sophie teve um caso no passado.
A tiração com os musical e bregamente incomparáveis anos 80 é total, vide a hilária abertura do filme. Apesar do tom irônico-satírico, o filme acaba sendo uma homenagem aos Eighties, tão badalados festas afora, tão presentes nos palcos de Porto Alegre neste mês de março (Bryan Adams, em show impecável no Teatro do Sesi, e Pet Shop Boys, que levou os fãs ao delírio no Gigantinho).
O roteirista e realizador Marc Lawrence, de Amor à segunda vista (2002), nos proporciona em Letra e música (2007) estimulantes momentos de humor e romance.
A carreira se encaminha a um final melancólico, quando, do nada, Cora Corman (Haley Bennett), a cantora 'da hora', requisita Alex para lhe compor uma canção. Para oxigenar a combalida carreira, Alex aceita o desafio e procura uma pessoa para escrever a letra - o seu forte é a melodia. Depois de uma frustrada tentativa com um letrista profissional, Alex aposta as fichas em Sophie Fisher (Drew Barrymore), a atrapalhada, hipocondríaca e esquisita moça que substitui a cuidadora de plantas, que, despretensiosa, dá um palpite - um verso que agrada o veterano ex-pop star.
Desenvolve-se então uma inusitada parceria, que possibilitará um conhecimento mútuo e o surgimento de personagens como Sloan Cates (Scott Campbell), asqueroso professor com quem Sophie teve um caso no passado.
A tiração com os musical e bregamente incomparáveis anos 80 é total, vide a hilária abertura do filme. Apesar do tom irônico-satírico, o filme acaba sendo uma homenagem aos Eighties, tão badalados festas afora, tão presentes nos palcos de Porto Alegre neste mês de março (Bryan Adams, em show impecável no Teatro do Sesi, e Pet Shop Boys, que levou os fãs ao delírio no Gigantinho).
O roteirista e realizador Marc Lawrence, de Amor à segunda vista (2002), nos proporciona em Letra e música (2007) estimulantes momentos de humor e romance.
terça-feira, março 20, 2007
Pro dia nascer feliz
Documentário de João Jardim sobre a educação brasileira. O cineasta, depois de lançar o premiado Janela da Alma (2002, co-dirigido por Walter Carvalho, sobre a importância da visão e como pessoas com diferentes graus de deficiência visual percebem o mundo), respondeu assim a uma pergunta sobre projetos futuros (publicada no site Cinemando, assinada pelo repórter Thiago Ribeiro - http://www.cinemando.com.br/200211/entrevistas/joaojardim_01.htm): "Não tenho nada ainda. Gostaria de ter uma idéia boa de novo. Não importa para quê. Tem que ter uma idéia que valha a pena." A boa idéia de Jardim foi dirigir o seu olhar sensível para nossos estudantes do ensino médio, suas angústias e aspirações. Produto de mais de 200 horas de filmagem e muitos quilômetros rodados, Pro dia nascer feliz conta com a trilha sonora de Dado Villa-Lobos e capta flagrantes da vida escolar e pessoal dos estudantes. Percorrendo vários estados, como Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro, o documentarista seleciona "personagens" representativas do talento, da capacidade, da esperança - mas também da falta de perspectivas e de valores - de nossa juventude.
Uma dessas personagens de talento é a pernambucana Valéria (a moça da foto), autora de poemas que os professores não acreditam serem dela. Outra é moça de olhos claros, cdf, de uma escola tradicional de São Paulo, que se emociona ao falar do ano de muito estudo e pouco namoro. De retrato em retrato, escola em escola, Jardim forma um mosaico de retalhos que bem espelha a realidade da educação nacional. Sem dúvida, a idéia valeu a pena.
Uma dessas personagens de talento é a pernambucana Valéria (a moça da foto), autora de poemas que os professores não acreditam serem dela. Outra é moça de olhos claros, cdf, de uma escola tradicional de São Paulo, que se emociona ao falar do ano de muito estudo e pouco namoro. De retrato em retrato, escola em escola, Jardim forma um mosaico de retalhos que bem espelha a realidade da educação nacional. Sem dúvida, a idéia valeu a pena.
segunda-feira, março 19, 2007
A Rainha e Maria Antonieta
Stephen Frears e Sofia Coppola. A monarquia britânica do século XX e a monarquia francesa do século XVIII. Helen Mirren e Kirsten Dunst. O comedimento de Elisabeth e a extravagância de Maria Antonieta. Em comum nos dois filmes, o retrato da frivolidade real: caçadas e mais caçadas para preencher o tempo de reis, cônjuges, príncipes e congêneres. Caçadas de Louis XVI e sua comitiva, assessorados por uma matilha de cães; caçadas do figurativo marido da Rainha Elisabeth, com os netos, filhos de Diane. Um Oscar de Melhor Atriz e um de Melhor Figurino. Frears retrata os bastidores da morte de Diane, que coincidiu com a posse do primeiro ministro Tony Blair (Michael Sheen), e a forma com que Blair convenceu a Rainha a ouvir o povo e alterar a postura distante e aparentemente insensível.
conta a jornada da jovem Maria Antonieta, enviada aos 14 anos da Áustria para a França se casar com Louis, neto do rei (que traça uma cortesã) (ninguém menos que Asia Argento). Louis não consegue 'consumar' o casamento; neste meio tempo o rei falece, levando ao poder o jovem casal.
A visão da diretora Sofia Coppola (Virgens Suicidas, Encontros e Desencontros) é condescendente em relação aos desvios (?) morais e sexuais de Maria Antonieta. O melhor do filme é a trilha sonora, que resgata canções de New Order, Joy Division, Siouxsie & The Banshees, Cure, e dá uma chance aos Strokes.
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