Desde Corações de ferro não se via uma carnificina
bélica tão acachapante quanto a mostrada em Até o último homem. O combate corpo
a corpo no ataque estadunidense às forças japonesas em Hacksaw Ridge, na
batalha de Okinawa, é reconstituído com proverbial crueza. Sangue jorrando,
membros decepados, entranhas à mostra. Uma profusão de sangue, intestinos e
tripas, soldados atingidos por cargas de artilharia, morteiros, metralhadoras,
fuzis, granadas, baionetas e lança-chamas.
Mas tanta violência não soa falsa nem gratuita: o modo como
o roteiro se transformou em imagens é um triunfo da direção cinematográfica,
com a assinatura de um ator que já participou de um dos mais contundentes
libelos contra a estupidez das guerras: Gallipoli, de Peter Weir.
Gibson foi dirigido duas vezes por Weir: também atuou em O ano que
vivemos em perigo, tetraestrelado (cotação máxima) pelo exigente crítico Roger Ebert.
E também três vezes por George Miller em Mad Max e suas
sequências. E nada menos que seis vezes por Richard Donner (os 4 filmes da franquia Máquina mortífera, mais Teoria da Conspiração e Maverick). Qual
a pertinência dessas informações aqui?
Sempre que um ator se lança e depois se firma como diretor,
é natural que se procurem suas principais influências. Mel Gibson, o diretor, mescla
a sensível delicadeza de Peter Weir, a objetividade palpitante de George Miller
e a prática leveza de Richard Donner.
Sua carreira atrás das câmeras resume-se a cinco filmes: O
homem sem face (1993), Coração valente (1995, filme que lhe valeu o Oscar de
Melhor Diretor), A paixão de Cristo (2002), Apocalypto (2006) e agora o filme
que pode dar o Oscar de Melhor Ator a Andrew Garfield.
O magricela que já encarnou o Homem-Aranha dá vida a um
soldado sui generis: Desmond Doss, que se alistou para servir como paramédico na
Segunda Guerra Mundial, mas negou-se peremptoriamente a tocar em armas. Sua
obstinação em ficar na infantaria apesar de todo o preconceito que sofreu por
conta disso é comovente. Essa parte do filme mostra o quanto as pessoas podem
ser incompreendidas, e, mesmo sendo voluntárias para ajudar, sofrer toda sorte
de injustiças. Paralelamente, serve para introduzir outros personagens, como o
sargento Howell (Vincent Vaughn, em atuação elogiável), o capitão Glover (Sam
Worthington) e uma penca de soldados do pelotão, entre os quais destaca-se o
exímio combatente Smitty Riker (Luke Bracey), que sente um misto de rivalidade
e desprezo por Desmond.
Outra história que corre paralela com essa é o romance de
Desmond com a encantadora enfermeira Teresa Palmer (Dorothy Schutte). Ela o
presenteia com uma pequena Bíblia e uma foto, um tesouro que Desmond leva para
o front. Sua fé em Deus e o amor pela namorada (depois esposa) lhe servem de
esteio para superar todos os percalços. Que não serão poucos.
Após o treinamento, os recrutas são enviados ao Japão, onde
vão participar do assalto à Escarpa Maeda, um amedrontador paredão de 105
metros de altura a ser escalado com a ajuda de uma rede de cordas. Lá no alto
encontra-se o cenário em que muitos homens perderão a vida, e outros se tornarão
heróis. Desmond Doss, desprezado durante o treinamento, chamado de covarde
pelos superiores, mostraria a sua fibra.
Após dois dias de investida, os americanos conseguem muitas baixas e poucos avanços. Súbito, uma nova horda de japoneses
surge enlouquecida da rede de túneis, bunkers e trincheiras. Eles vêm
alucinados, kamikazemente destemidos, para enfrentar uma tropa já cansada e com
moral baixo. O resultado é a inevitável retirada da infantaria dos EUA. Todos
que conseguem ficar em pé recuam e descem o famigerado paredão, para a
segurança da praia lá embaixo.
Todos, menos um: Desmond Doss.
Ele permanece sozinho no inferno e, um por um, começa o
espetacular resgate de dezenas de feridos.
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