Devagarinho, a câmera passeia focalizando um antigo fogão,
uma sela, um par de botas, um cinturão com coldre e pistola pendurado na cama,
uma pessoa dormindo.
Os primeiros 50 segundos de Silverado nos levam a crer que o
que nos espera é um daqueles faroestes de ritmo lento e sem pressa, onde a tensão
se intensifica paulatinamente, onde a ação vai demorar a acontecer.
Aproveite para tomar fôlego nesta despretensiosa sequência: nos
próximos empolgantes e trepidantes 129 minutos, poucos serão os momentos em que
você terá a oportunidade de respirar fundo.
Estamos falando de Lawrence Kasdan no auge de sua capacidade
criativa, ressuscitando um gênero que naquela época estava praticamente
abandonado. Junto com o irmão Mark, escreveu e produziu Silverado em 1985, o ano abençoado em que nasceu a mãe dos meus filhos.
Scott Glen é Emmett, o cara que estava descansando na
primeira cena (aquela pouco antes do primeiro e proverbial tiroteio). Um dos resultados
da refrega foi que Emmett ganhou um cavalo extra, um malhado marcado com dois
losangos.
Emmett é o fio condutor das ações de Silverado. E sossego
indubitavelmente é uma palavra que não consta no dicionário de Emmett. Mas o
seu itinerário inclui atravessar um terreno inóspito.
No caminho, Emmett salva um moribundo em macacão tipo
ceroula (ou seria uma ceroula tipo macacão?): Paden (Kevin Kline), um solitário pistoleiro que havia sido depenado
por um grupo de facínoras e abandonado para perecer no meio do deserto.
Isso que eu chamo de roteiro bem amarrado: é o tipo de
situação em que um cavalo extra faz toda a diferença!
Paden se recupera e acompanha Emmett até um pequeno povoado.
Ainda de ceroulas, avista o seu baio, montado por um dos ladrões.
Atabalhoadamente, entra numa loja de armas e compra o mais barato revólver da
loja e munição. Sai para a rua e, ato contínuo, o bandido vem cavalgando em sua
direção, abrindo fogo. Paden insere apenas uma bala no tambor. O seu oponente
vem descarregando furiosamente o seu colt. Se você pensa que vou contar o
desfecho da cena, está redondamente enganado.
Apenas aproveito a deixa para mencionar que é esse tipo de
situação que torna Silverado um excelente filme. A todo momento, o roteiro lhe
remete a um outro western clássico, mas sempre com um espaço para uma boa dose
de surpresas, de verossimilhança e de personagens bem construídos.
A dupla Emmett e Paden vai a Turley, onde conhecem o
destemido Mal Johnson (Danny Glover) é o filho pródigo que tenta voltar ao
rancho do pai. Também descobrem que Jake (Kevin Costner), irmão de Emmett, está
em maus lençóis: o xerife Langston (John Cleese) mandou erguer um patíbulo para
enforcá-lo às 10 da manhã no dia seguinte.
Como o leitor perspicazmente percebe, estamos falando de um
filme em que tudo que acontece é significativo, em que cada diálogo tem uma
mensagem, em que cada personagem tem seu grande momento. E as mulheres também.
Até nisso Silverado é “pós-moderno”: não existem
estereótipos femininos, as mulheres parecem de carne e osso. Desde a bartender
que reluta em servir Danny Glover (interpretada pela esposa do diretor), muitas
atrizes colaboram para dar a Silverado um quê de delicadeza.
Rosanna Arquette
como Hannah é o protótipo da bela e virtuosa fazendeira que desperta a cobiça
de vários homens. Lynn Whitfield, como a prostituta Rae, a irmã de Malaquias,
mostra que os laços de sangue valem mais do que tudo.
Mas quem rouba a cena é
Linda Hunt. Uma atriz cujo olhar diz tudo e mais um pouco. Você não está
entendendo o quanto esta mulher é boa atriz. Obrigado, Kasdan, por criar
Stella, a gerente do saloon que cria uma forte amizade com Paden. E a revisita
a Silverado já se justifica plenamente ao matarmos as saudades de Hunt, Oscar
de Atriz Coadjuvante por O ano que vivemos em perigo, de Peter Weir.
Mas não é apenas a forte camaradagem que une os quatro
heróis e a feminilidade à flor da pele nos saloons e carroças que tornam
Silverado um grande e consistente entretenimento. Não podemos esquecer deles:
os vilões!
Bryan Dennehy, como o xerife Cobb; Jeff
Goldblum, como Slick; Jeff Fahey como Tyree; e Ray Baker, como Ethan
McKendrick, sem falar nos inúmeros capangas e auxiliares, compõem uma
diversificada gama de vilões, do charmoso ao simpático, do asqueroso ao
maquiavélico, do cruel ao argumentativo. Tudo isso valoriza os originais e
inesperados confrontos, que aproveitam ao máximo as possibilidades do gênero.
Na hora da onça beber água, não se trata apenas
de força bruta. Em Silverado, sempre há um estratagema, um exercício das
células cinzentas, um plano que conduz as ações de Emmett e seus aliados.
Aqui, abro um parêntese para falar sobre
um dos membros do fantástico elenco.
Em retrospectiva, sob o prisma da história
recente do cinema, é impossível não correlacionar a influência do filme de
Kasdan sobre Kevin Costner. Na pele de Jake, teve aulas de manuseio de armas e
também se tornou um bom cavaleiro. Sorveu a experiência ao máximo e, de acordo
com o diretor do filme (vide making-of), fez sugestões importantes para
compor o personagem. É de Jake uma das cenas mais emblemáticas do filme, em que
o mocinho se posiciona numa esquina, concentra-se, saca os dois colts ao mesmo
tempo e...
Mas perdi o fio da meada, eu queria era
falar do fato histórico. Cinco anos depois de Silverado, chegou às telas Dança
com lobos, a estreia na direção de Kevin Costner, aos 35 anos de idade. O resto
desta história você já deve saber.
Fecha parêntese.
Também temos a clássica cena do duelo, com
as bolas de tumbleweed (sarça) rolando ao vento, atrás do Bryan Dennehy o
horizonte e o deserto, atrás do Kevin Kline, a rua principal de Silverado, com
a igreja branca ao fundo.
Silverado é um western de apuro técnico e
alma, feito por dois irmãos sobre laços de sangue (Emmett e Jake, Mal e Rae) e
amizades instantâneas (Paden e Stella). Um brinde aos bons faroestes!
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