GARIMPO
NA BIBLIOTECA
Henrique
Guerra
Bibliotecas assemelham-se a minas prontas a serem exploradas por ávidos leitores. De estante em estante, o olhar vai percorrendo as lombadas, peneirando os títulos, até perceber um brilho diferente, que talvez passasse despercebido a outros olhos, mas faz palpitar o intelecto: escolher um livro é uma espécie de garimpo.
Os critérios da escolha vão dos mais específicos até
os mais aleatórios. Um autor preferido, outro que desejamos conhecer, dicas
literárias de amigos, resenhas, crônicas, a arte da capa, o requinte da
diagramação, ou, simplesmente, uma curiosidade despertada...
Foi de curioso que pincei da estante Ugolino
e a perdiz, de Davi Arrigucci Jr., da Cosac Naify, 78 p. Belas
descrições do meio rural, a expectativa de um caçador para capturar a perdiz
mais arisca das redondezas, o linguajar que mescla o regional com o universal,
pitadas de humor (a inusitada história que gerou a autorização para caçar nas
terras do fazendeiro) compõem a noveleta escrita pelo crítico e professor de
Teoria Literária e Literatura Comparada na USP, indicada ao Prêmio Jabuti de
2004.
Também da Cosac Naify é A janela de esquina do meu primo,
de E. T. A. Hoffman, 77 p., traduzido por Maria Aparecida Barbosa. Na Berlim
dos anos 1820, de sua janela, um escritor acometido de uma doença degenerativa
convida o primo a observar a feira lá embaixo. A luneta e o bate-papo dos
primos revelam o fervilhar de circunstâncias num ambiente em que as mais intrigantes
personagens se relacionam. Hoffman, autor do conto fantástico O homem da areia, mostra argúcia na
análise de temas sociais.
Arguta observadora da alma humana, Emily Dickinson é
uma poetisa sui generis, dona de um
estilo incomparável. Cada poema de Emily traz uma densa e polissêmica carga
semântica. Poucas palavras, muitos e múltiplos significados. Nas 56 páginas de Um
livro de horas, a tradutora e
ilustradora Angela-Lago cria títulos para os poemas de Dickinson, numa
caprichada publicação da Editora Scipione. O leitor que aprecia edições
bilíngues pode comparar o original e a tradução e se encantar com a delicadeza
das ilustrações que venceram o Prêmio FNLIJ 2009 de Melhor Ilustração.
E que tal um mergulho na obra contemporânea de
Leonardo Brasiliense? Olhos de morcego e Adeus
conto de fadas constituem uma boa iniciação à prosa do premiado escritor
gaúcho. O primeiro é uma coletânea de contos que retratam personagens urbanos e
rurais, e a força do livro está justamente nessa interface entre pampa (vide O peão e Dona Mimosa, a parteira) e concreto (O beijo, Fugindo do amor).
O segundo, Prêmio Jabuti e Prêmio Açorianos, traz setenta e dois enigmáticos minicontos
sobre as dúvidas, angústias e descobertas da adolescência. Os dois livros são
da 7 Letras, o primeiro tem 112 páginas, e o segundo, 84.
Por fim, uma revisita a um autor que admiramos: Noites
lebloninas, de João Ubaldo Ribeiro (Alfaguara, 104 p.) nos coloca na
pele e na mente do narrador, porteiro baiano radicado no Leblon. As peripécias
cariocas vividas e contadas pelo porteiro são hilárias, e o leitor vai se
deleitar com as estratégias de que o saudoso Ubaldo lança mão para dar vida ao
personagem e verossimilhança à linguagem utilizada.
Uma biblioteca é um universo inteiro de histórias à
espera de serem lidas. Uma mina de pedras preciosas à espera de serem
garimpadas. Esquecidos nas prateleiras, os livros não cintilam. Os livros só se
tornam pepitas quando se encontram com os leitores. E é durante a leitura que os
leitores descobrem as múltiplas facetas e nuances da obra, e, súbito, com um
brilho no olhar, percebem que valeu a pena o garimpo.
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