Só um diretor no mundo é capaz de pegar ingredientes como sexo, traição, complexo de Édipo, catalepsia, suicídio, voyeurismo, invasão a domicílio, estupro, êxtase, homicídio, sensacionalismo, onanismo, lesbianismo, invasão de privacidade e assassinatos em série, colocar tudo isso no liquidificador e produzir uma surpreendente... comédia!
Kika (1993) é um filme da fase intermediária da carreira do diretor espanhol.
Veio depois de Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), Ata-me (1990) e De salto alto (1991), todos sucessos internacionais. Portanto, Almodóvar já era um diretor reconhecido e muito respeitado.
O livro Pedro Almodóvar, de Thomas Sotinel, da coleção Masters of cinema, da Editora Cahiers du Cinema, é taxativo. Sentencia que "Kika é o menos apreciável dos filmes de Almodóvar" (the least likable of Almodóvar's films).
Sotinel apresenta uma série de motivos para a recepção fria da crítica e do público, como a "bizarra brutalidade", a "raiva violenta contra os programas de TV", uma agressividade "raramente comovente e, às vezes, desagradável".
O autor cita, porém, o contraponto de Almodóvar, que se defendeu das críticas declarando: "Eu decidi imbuir Kika de um otimismo incorrigível, mas as outras três personagens se compuseram por si sós".
ATENÇÃO: Por favor, se ainda não assistiu ao filme, NÃO leia a "sinopse" acima reproduzida, que consta na contracapa do dvd. Além de conter vários spoilers, traz a intragável expressão "Como resultado", que vem da tradução literal de "As a result".
Não cometerei uma sinopse e sim apresentarei os personagens principais: Kika (Verónica Forqué) é uma maquiadora que se apaixona por um cadáver... Andrea Caracortada (Victoria Abril) é uma apresentadora de TV que protagoniza a célebre cena da gota de sêmen no rosto. Ramón é um fotógrafo atormentado pela lembrança da mãe morta. E Nicholas (Peter Coyote) é um escritor, padrasto de Ramón.
Kika representa um marco negativo na carreira de Almodóvar, pois ele nunca havia recebido críticas tão duras. Talvez tudo isso tenha contribuído para que Almodóvar desse um salto de qualidade e encontrasse um equilíbrio, moldasse um estilo mais maduro, a ser concretizado em filmes mais "sérios", que vieram depois de Kika:
A flor de meu segredo (1995);
Carne trêmula (1997);
Tudo sobre minha mãe (1999);
Fale com ela (2002) e
Volver (2006).
Sob um prisma mais otimista, Kika também pode ser visto como um filme importante, que marca o fim (ou seria o ápice?) da fase mais genuína e divertida deste cineasta sui generis que fez do cinema espanhol um produto de exportação.
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