domingo, janeiro 29, 2017

Até o último homem

Desde Corações de ferro não se via uma carnificina bélica tão acachapante quanto a mostrada em Até o último homem. O combate corpo a corpo no ataque estadunidense às forças japonesas em Hacksaw Ridge, na batalha de Okinawa, é reconstituído com proverbial crueza. Sangue jorrando, membros decepados, entranhas à mostra. Uma profusão de sangue, intestinos e tripas, soldados atingidos por cargas de artilharia, morteiros, metralhadoras, fuzis, granadas, baionetas e lança-chamas.
Mas tanta violência não soa falsa nem gratuita: o modo como o roteiro se transformou em imagens é um triunfo da direção cinematográfica, com a assinatura de um ator que já participou de um dos mais contundentes libelos contra a estupidez das guerras: Gallipoli, de Peter Weir.


Gibson foi dirigido duas vezes por Weir: também atuou em O ano que vivemos em perigo, tetraestrelado (cotação máxima) pelo exigente crítico Roger Ebert.
E também três vezes por George Miller em Mad Max e suas sequências. E nada menos que seis vezes por Richard Donner (os 4 filmes da franquia Máquina mortífera, mais Teoria da ConspiraçãoMaverick). Qual a pertinência dessas informações aqui?
Sempre que um ator se lança e depois se firma como diretor, é natural que se procurem suas principais influências. Mel Gibson, o diretor, mescla a sensível delicadeza de Peter Weir, a objetividade palpitante de George Miller e a prática leveza de Richard Donner.
Sua carreira atrás das câmeras resume-se a cinco filmes: O homem sem face (1993), Coração valente (1995, filme que lhe valeu o Oscar de Melhor Diretor), A paixão de Cristo (2002), Apocalypto (2006) e agora o filme que pode dar o Oscar de Melhor Ator a Andrew Garfield.
O magricela que já encarnou o Homem-Aranha dá vida a um soldado sui generis: Desmond Doss, que se alistou para servir como paramédico na Segunda Guerra Mundial, mas negou-se peremptoriamente a tocar em armas. Sua obstinação em ficar na infantaria apesar de todo o preconceito que sofreu por conta disso é comovente. Essa parte do filme mostra o quanto as pessoas podem ser incompreendidas, e, mesmo sendo voluntárias para ajudar, sofrer toda sorte de injustiças. Paralelamente, serve para introduzir outros personagens, como o sargento Howell (Vincent Vaughn, em atuação elogiável), o capitão Glover (Sam Worthington) e uma penca de soldados do pelotão, entre os quais destaca-se o exímio combatente Smitty Riker (Luke Bracey), que sente um misto de rivalidade e desprezo por Desmond.

Outra história que corre paralela com essa é o romance de Desmond com a encantadora enfermeira Teresa Palmer (Dorothy Schutte). Ela o presenteia com uma pequena Bíblia e uma foto, um tesouro que Desmond leva para o front. Sua fé em Deus e o amor pela namorada (depois esposa) lhe servem de esteio para superar todos os percalços. Que não serão poucos.
Após o treinamento, os recrutas são enviados ao Japão, onde vão participar do assalto à Escarpa Maeda, um amedrontador paredão de 105 metros de altura a ser escalado com a ajuda de uma rede de cordas. Lá no alto encontra-se o cenário em que muitos homens perderão a vida, e outros se tornarão heróis. Desmond Doss, desprezado durante o treinamento, chamado de covarde pelos superiores, mostraria a sua fibra.
Após dois dias de investida, os americanos conseguem muitas baixas e poucos avanços. Súbito, uma nova horda de japoneses surge enlouquecida da rede de túneis, bunkers e trincheiras. Eles vêm alucinados, kamikazemente destemidos, para enfrentar uma tropa já cansada e com moral baixo. O resultado é a inevitável retirada da infantaria dos EUA. Todos que conseguem ficar em pé recuam e descem o famigerado paredão, para a segurança da praia lá embaixo. 
Todos, menos um: Desmond Doss.
Ele permanece sozinho no inferno e, um por um, começa o espetacular resgate de dezenas de feridos.


Com várias cenas marcantes que se fixam indelevelmente em nossas retinas, Até o último homem conta, de modo irretocável, uma história que vale a pena ser contada.

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