domingo, outubro 08, 2017

Os bravos morrem de pé

"Milhões de pessoas vivem em liberdade graças a eles."

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Na voz imortal de Gregory Peck (vide texto bônus ao final deste post), a frase que arremata Pork Chop Hill (1959, Os bravos morrem de pé), poderia ser traduzida assim: o heroísmo e a bravura das forças da ONU (em sua maioria, soldados dos EUA) que sobreviveram ou perderam a vida mantendo a posição na colina da Costeleta de Porco, 300 metros de altura e quilômetros de trincheiras, permitiu um armistício, senão ideal, ao menos o melhor possível na época, mantendo milhões de coreanos respirando ares mais livres.

O historiador J. M. Roberts dedica 3 parágrafos de sua obra de 952 páginas History of the World ao conflito que se convencionou chamar de Guerra da Coreia. As forças da ONU empurravam os coreanos para o norte e pareciam que sairiam vitoriosas. Foi quando a China interveio, apoiando os comunistas e complicando a situação. Os EUA agora temiam que a ação localizada se tornasse uma guerra de escopo global e nuclear, pois a China era apoiada pela URSS. 

"O armistício foi assinado em julho de 1953."

As ações militares representadas no filme de Lewis Milestone se passam em abril daquele ano, enquanto as negociações de paz estavam em compasso lento.

A disputa por espaço entre chineses e estadunidenses se concentrou na colina apelidada de Pork Chop Hill, dominada pela Easy Company, dos EUA. Os chineses recuperam a colina, e o tenente  Joe Clemons  (Gregory Peck), comandante da King Company, recebe a missão de retomá-la, com o auxílio da Love Company.

A ação noturna é belamente filmada em P&B, com os precisos e discretos movimentos de câmera de um especialista em guerra. Lewis Milestone recebeu o primeiro Oscar de Melhor Diretor por uma comédia, Dois cavaleiros árabes (1927). Mas a partir de seu segundo Oscar (Sem novidades no front, 1930), que retratava a 1ª Guerra Mundial, ficou claro que a guerra se tornaria um de seus principais temas. Nesse gênero, Milestone realizou Até o último homem, Um passeio ao sol e Mais forte que a vida, entre outros.             



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Em 1959, sua colaboração com Gregory Peck levou às telas a história real contada pelo general Samuel Marshall, que publicou o livro que inspirou o filme em 1956: Pork Chop Hill: The American Fighting Man in Action, Korea, Spring, 1953.

Entre um combate e outro, os chineses utilizavam-se do recurso de minar a confiança do inimigo, por meio de mensagens proferidas em inglês, em alto e bom som, por um sistema de alto-falantes instalado na colina. 

Grande sacada do roteirista James Webb (que em 1963 ganharia o Oscar de Melhor Roteiro por A conquista do Oeste) foi inserir, pouco antes do ataque final e maciço das tropas chinesas, uma cena em que o chinês ao microfone (Viraj Amonsin) sai do protocolo e começa a falar palavras que soam muito verdadeiras aos ouvidos dos soldados inimigos.

A cena se contrapõe perfeitamente com a sequência em que o líder chinês, nas negociações do armistício, ergue o olhar e retira o fone de ouvido, mostrando desinteresse em ouvir as alegações da outra parte.

Essa cena singela, mostrando a expressão dos soldados ao ouvir aquelas palavras sinceras, além de valorizar a qualidade do filme, representa uma esperança no mundo de hoje, a esperança de que a comunicação sincera prevaleça.


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Já se tornou praxe filmes de guerra recrutarem uma geração nova de atores que depois brilham nas telas nas décadas seguintes. Os bravos morrem de pé foi o filme de estreia de Martin Landau e alavancou a carreira de outros atores no começo de carreira, como Harry Dean Stanton e Woody Strode (grande atuação como Franklin, o soldado covarde, que depois é chamado aos brios pelo tenente).

Pela veracidade que transparece em seus fotogramas, Os bravos morrem de pé acaba sendo um libelo contra a estupidez das guerras, da estirpe de Gallipoli.

No fim das contas, as infantarias da China e dos EUA se dilaceravam na infernal colina, sem valor estratégico algum, enquanto a 100 km dali os comandantes de ambos os lados calma e impassivelmente negociavam o armistício. 
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Face às farpas publicamente trocadas em pleno 2017 pelos atuais líderes de duas das nações envolvidas naquele conflito, assistir a Os bravos morrem de pé acaba se tornando ainda mais relevante, não apenas do ponto de vista cinéfilo (sem dúvida, é um filme valioso e bem realizado), mas também para as pessoas que sentem a necessidade de entender um pouco melhor como as coisas chegaram neste ponto e o que a História pode nos ensinar sobre a insensatez das guerras.


Bônus:

Texto publicado em 2003, no endereço antigo deste blog, um dia após o falecimento de Gregory Peck.

PODEROSA, NUA E IMORTAL

Em dezenas de filmes, foi a estrela principal. De envergadura imensa, amoldava-se, encaixava-se, incorporava-se com naturalidade a comédias e dramas, aventuras e guerras, suspenses e policiais. Cinéfilos a revisitam e sentem sua emoção, sua vibração, seu frêmito vital, sua energia pulsante; captam sua firmeza, segurança, paz e, ao mesmo tempo, sua debilidade, inconstância e dubiedade.
Ela supera a tecnologia. Toma conta do ambiente com a mesma eficiência e definição, tanto em 'home theathers' digitais, telas planas, DVD e dolby surround, como em velhas TV 20 polegadas acopladas a vi­deocassetes surrados. Sua aristocracia, classe e distância brilham na qualidade fria e estilosa dos primeiros, porém, sua beleza, desenvoltura e paixão melhor combinam com o calor e a simplicidade destes últimos.
Cinemas lotados através do globo emudeciam a cada manifestação sua, espectadores e espectadoras dominados pela sua presença encorpada, macia e ponderada; pausada, enigmática e clara; lí­mpida, aconchegante e rara; poderosa, nua e imortal. A voz de Gregory Peck permanecerá viva, ecoando nos ouvidos e corações dos cinéfilos.

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