Asterix: missão Cleópatra
Se você tem a referência do clássico quadrinho, é a oportunidade de se divertir mais uma vez com os personagens de Uderzo & Goscinny. Se nunca leu Asterix, é a hora de conhecer o mundo desses gauleses puros e pândegos.
Para provar que o povo egípcio não é decadente, Cleópatra desafia César. Irá construir um castelo em sua homenagem no prazo de três meses. Para isso, chama o atrapalhado arquiteto Numerobis. Que, é claro, vai acabar recorrendo ao druida Panoramix e sua troupe.
A ideia básica é a mesma do álbum Asterix e Cleópatra. Só a estonteante Mônica Bellucci, vestindo um figurino pra lá de sensual, já justifica a locação. Mas o que mantém o filme são as sacadas legais e lances satíricos, como a greve dos trabalhadores, a queda do nariz da esfinge, a invenção do elevador e do espelho retrovisor. Se o bardo Chatotorix está ausente, temos o pedante escriba Otis e seus longos e hilários devaneios. E, é claro, a paixão fulminante de Asterix pela criada Medáumbeijes. Assistindo aos extras, fica a certeza de que não é preciso ser arrogante para ser um bom diretor. O francês Alain Chabat, que também atua no papel de César, leva a equipe em alto astral e perfeita harmonia. O resultado disso está no filme.
(Texto de abril de 2003.)
O Demolidor
Criado por Stan Lee em 1964, o Demolidor atingiu fama no traço de Frank Miller. Ao longo da década de 80, o desenhista passou também a escrever o argumento de muitas aventuras do herói, cultuado pelos fãs da Marvel e de histórias em quadrinhos.
A essência do Demolidor, ou seu principal “superpoder”, é a força de vontade. Devido a um grave acidente na infância, perdeu completamente a visão. Isso não o impediu de se transformar em um brilhante advogado. Diferentemente de outros heróis em que a profissão é mero disfarce para entrar em ação no momento propício, Matt Murdock tem, em sua rotina de trabalho, uma relação visceral de combate à contravenção. Apesar de seus esforços, acaba frustrado com o sistema judiciário. Nas noites perigosas de Nova York, vira o Demolidor e procura justiça com as próprias mãos. No combate ao crime, além da tenacidade, o Demolidor lança mão de sua hipersensibilidade. Depois do acidente, passou a escutar melhor – bem melhor. Com treino, passou a distinguir as pessoas através dos batimentos cardíacos. O olfato também se aguçou. Por último, mas não menos importante, desenvolveu um sistema de sonar ou radar, pelo qual se move com destreza.
O que eu achei do filme? Modesto. E a modéstia tem lá suas vantagens. O argumento despretensioso, porém eficaz, inclui personagens de certo peso, como a inacessível Elektra (Jennifer Garner, do seriado Alias) e o arremessador de dardos e matador de aluguel Mercenário (o aspirante a galã em ascensão Colin Farrell). Um poderoso gângster encomenda ao cruel e certeiro vilão o assassínio do pai de Elektra. Enamorado da misteriosa moça, o Demolidor tenta impedir. Ben Affleck, além de idêntico ao Matt Murdock dos quadrinhos, está à vontade no papel, simpático e convincente – não que o filme exija muito. Justamente por sua modéstia, O Demolidor consegue ser um bom divertimento.
(Texto de maio de 2003.)
Hulk, King Kong e Lobisomem
Em Hulk, Ang Lee comprova sua incomum capacidade como diretor: consegue performances convincentes de um bebê de um ano, de uma criatura 100 % digital e até de Nick Nolte. Exigir desenvoltura de Eric Bana seria pedir demais. Pensando bem, a apatia e o sensabor de Bana são perfeitos para o papel de Bruce Banner – mero adjuvante ausente das melhores cenas do filme.
Coestrelando, maravilhosa, irrepreensível, soberba, a eterna- namorada-de-casos- perdidos Jennifer Connelly; depois de mergulhar no inferno das drogas com Jared Leto (Réquiem para um sonho), aguentar as pontas esquizofrênicas do Russel Crowe (Uma mente brilhante), agora, na pele de Betty Ross, cientista e filha de general, se apaixona por um monstro verde: Hulk, o verdadeiro astro do filme.
Enquanto a criatura não entra em cena o filme patina, quase atola num lodaçal psicológico e científico; mas, finalmente, quando Bruce Banner, cujo DNA, por conta de experiências biotecnológicas realizadas pelo seu pai, incorporou gens regenerativos da mãe d’água e, mais tarde, também cientista, teve potencializadas essas características ao receber uma violenta carga de raios gama, quando Bruce Banner é espezinhado, agredido, humilhado, quando Bruce Banner perde o controle e se sente ultrajado... Hulk aparece e a plateia agradece.
A cada evento, a cada mudança, a cada transformação, o filme ganha estrutura, massa, peso, em resumo, o filme cresce. A sequência em que Hulk escapa da base e enfrenta o exército americano no deserto é delirante, não somente para quem leu em balões ilustrados por Frank Miller frases como “Hulk não quer ficar aqui!”, “Hulk não tem medo de soldados!”, “Hulk não precisa de ninguém!”, “Hulk odeia máquinas!”, “Hulk odeia Banner!” e “Hulk detesta homens de farda!”, mas também à geração que está sendo apresentada fidedigna e assustadoramente ao personagem.
Como se percebe, Hulk fala mais nos quadrinhos do que no cinema – apenas duas tímidas intervenções vocais. Entretanto, isso não afeta seu desempenho em cenas chave, como o momento de suave ternura entre a bela Jennifer Connelly e a fera esverdeada, na cena King Kong do ano.
Falando em seres perseguidos e alijados, a monstruosidade intrínseca e inexorável de Bruce Banner/Hulk nos remete à dicotomia de Larry Talbot/O lobisomem (1941). O paralelo: ambos são da Universal, o estúdio especialista em monstros. A licantropia e a criatura verde da Marvel trazem a metáfora da dupla personalidade. Larry Talbot e Bruce Banner se transformam em criaturas temíveis e imprevisíveis. Coincidência ou não, Hulk tem um Talbot: o almofadinha (Josh Lucas) que vive atormentando Bruce. Parte da crí¬tica descascou O lobisomem na época. Ontem como hoje: Hulk também está sendo ridiclarizado, entre outros motivos, pelos efeitos especiais.
Um diálogo de O lobisomem, do célebre roteirista Curt Siodmak, ajuda a situar o que penso de Hulk, filme com algumas falhas, alguns lapsos de fio de meada, algumas forçadas de barra, mas com a boa música de Danny Elfman, a direção consistente de Ang Lee, alfinetadas na febre militarista e, sobretudo, alguns trechos empolgantes de cinema puro. “Para certas pessoas, a vida é muito simples. Eles decidem: isto é bom, aquilo é mau; isto é errado, aquilo é certo. Não há bom e mau, não há certo e errado. Não há cinza e sombras, tudo é branco ou preto. Outros como nós acham que o bom, mau, certo e errado são coisas multifacetadas e complexas. Tentamos ver todos os lados. Porém quanto mais vemos, menos certeza temos.”
Transformado em cobaia, em objeto de estudo, atormentado pelo seu passado de criança adotada, perseguido por homenzinhos e máquinas, impiedosamente atacado como King Kong, cientificamente incompreendido como o lobisomem, o Hulk do cinema diz com os olhos o que o dos quadrinhos brada aos quatro ventos: “Hulk está cansado de fugir!”.
(Texto de junho de 2003.)
Se você tem a referência do clássico quadrinho, é a oportunidade de se divertir mais uma vez com os personagens de Uderzo & Goscinny. Se nunca leu Asterix, é a hora de conhecer o mundo desses gauleses puros e pândegos.
Para provar que o povo egípcio não é decadente, Cleópatra desafia César. Irá construir um castelo em sua homenagem no prazo de três meses. Para isso, chama o atrapalhado arquiteto Numerobis. Que, é claro, vai acabar recorrendo ao druida Panoramix e sua troupe.
A ideia básica é a mesma do álbum Asterix e Cleópatra. Só a estonteante Mônica Bellucci, vestindo um figurino pra lá de sensual, já justifica a locação. Mas o que mantém o filme são as sacadas legais e lances satíricos, como a greve dos trabalhadores, a queda do nariz da esfinge, a invenção do elevador e do espelho retrovisor. Se o bardo Chatotorix está ausente, temos o pedante escriba Otis e seus longos e hilários devaneios. E, é claro, a paixão fulminante de Asterix pela criada Medáumbeijes. Assistindo aos extras, fica a certeza de que não é preciso ser arrogante para ser um bom diretor. O francês Alain Chabat, que também atua no papel de César, leva a equipe em alto astral e perfeita harmonia. O resultado disso está no filme.
(Texto de abril de 2003.)
O Demolidor
Criado por Stan Lee em 1964, o Demolidor atingiu fama no traço de Frank Miller. Ao longo da década de 80, o desenhista passou também a escrever o argumento de muitas aventuras do herói, cultuado pelos fãs da Marvel e de histórias em quadrinhos.
A essência do Demolidor, ou seu principal “superpoder”, é a força de vontade. Devido a um grave acidente na infância, perdeu completamente a visão. Isso não o impediu de se transformar em um brilhante advogado. Diferentemente de outros heróis em que a profissão é mero disfarce para entrar em ação no momento propício, Matt Murdock tem, em sua rotina de trabalho, uma relação visceral de combate à contravenção. Apesar de seus esforços, acaba frustrado com o sistema judiciário. Nas noites perigosas de Nova York, vira o Demolidor e procura justiça com as próprias mãos. No combate ao crime, além da tenacidade, o Demolidor lança mão de sua hipersensibilidade. Depois do acidente, passou a escutar melhor – bem melhor. Com treino, passou a distinguir as pessoas através dos batimentos cardíacos. O olfato também se aguçou. Por último, mas não menos importante, desenvolveu um sistema de sonar ou radar, pelo qual se move com destreza.
O que eu achei do filme? Modesto. E a modéstia tem lá suas vantagens. O argumento despretensioso, porém eficaz, inclui personagens de certo peso, como a inacessível Elektra (Jennifer Garner, do seriado Alias) e o arremessador de dardos e matador de aluguel Mercenário (o aspirante a galã em ascensão Colin Farrell). Um poderoso gângster encomenda ao cruel e certeiro vilão o assassínio do pai de Elektra. Enamorado da misteriosa moça, o Demolidor tenta impedir. Ben Affleck, além de idêntico ao Matt Murdock dos quadrinhos, está à vontade no papel, simpático e convincente – não que o filme exija muito. Justamente por sua modéstia, O Demolidor consegue ser um bom divertimento.
(Texto de maio de 2003.)
Hulk, King Kong e Lobisomem
Em Hulk, Ang Lee comprova sua incomum capacidade como diretor: consegue performances convincentes de um bebê de um ano, de uma criatura 100 % digital e até de Nick Nolte. Exigir desenvoltura de Eric Bana seria pedir demais. Pensando bem, a apatia e o sensabor de Bana são perfeitos para o papel de Bruce Banner – mero adjuvante ausente das melhores cenas do filme.
Coestrelando, maravilhosa, irrepreensível, soberba, a eterna- namorada-de-casos- perdidos Jennifer Connelly; depois de mergulhar no inferno das drogas com Jared Leto (Réquiem para um sonho), aguentar as pontas esquizofrênicas do Russel Crowe (Uma mente brilhante), agora, na pele de Betty Ross, cientista e filha de general, se apaixona por um monstro verde: Hulk, o verdadeiro astro do filme.
Enquanto a criatura não entra em cena o filme patina, quase atola num lodaçal psicológico e científico; mas, finalmente, quando Bruce Banner, cujo DNA, por conta de experiências biotecnológicas realizadas pelo seu pai, incorporou gens regenerativos da mãe d’água e, mais tarde, também cientista, teve potencializadas essas características ao receber uma violenta carga de raios gama, quando Bruce Banner é espezinhado, agredido, humilhado, quando Bruce Banner perde o controle e se sente ultrajado... Hulk aparece e a plateia agradece.
A cada evento, a cada mudança, a cada transformação, o filme ganha estrutura, massa, peso, em resumo, o filme cresce. A sequência em que Hulk escapa da base e enfrenta o exército americano no deserto é delirante, não somente para quem leu em balões ilustrados por Frank Miller frases como “Hulk não quer ficar aqui!”, “Hulk não tem medo de soldados!”, “Hulk não precisa de ninguém!”, “Hulk odeia máquinas!”, “Hulk odeia Banner!” e “Hulk detesta homens de farda!”, mas também à geração que está sendo apresentada fidedigna e assustadoramente ao personagem.
Como se percebe, Hulk fala mais nos quadrinhos do que no cinema – apenas duas tímidas intervenções vocais. Entretanto, isso não afeta seu desempenho em cenas chave, como o momento de suave ternura entre a bela Jennifer Connelly e a fera esverdeada, na cena King Kong do ano.
Falando em seres perseguidos e alijados, a monstruosidade intrínseca e inexorável de Bruce Banner/Hulk nos remete à dicotomia de Larry Talbot/O lobisomem (1941). O paralelo: ambos são da Universal, o estúdio especialista em monstros. A licantropia e a criatura verde da Marvel trazem a metáfora da dupla personalidade. Larry Talbot e Bruce Banner se transformam em criaturas temíveis e imprevisíveis. Coincidência ou não, Hulk tem um Talbot: o almofadinha (Josh Lucas) que vive atormentando Bruce. Parte da crí¬tica descascou O lobisomem na época. Ontem como hoje: Hulk também está sendo ridiclarizado, entre outros motivos, pelos efeitos especiais.
Um diálogo de O lobisomem, do célebre roteirista Curt Siodmak, ajuda a situar o que penso de Hulk, filme com algumas falhas, alguns lapsos de fio de meada, algumas forçadas de barra, mas com a boa música de Danny Elfman, a direção consistente de Ang Lee, alfinetadas na febre militarista e, sobretudo, alguns trechos empolgantes de cinema puro. “Para certas pessoas, a vida é muito simples. Eles decidem: isto é bom, aquilo é mau; isto é errado, aquilo é certo. Não há bom e mau, não há certo e errado. Não há cinza e sombras, tudo é branco ou preto. Outros como nós acham que o bom, mau, certo e errado são coisas multifacetadas e complexas. Tentamos ver todos os lados. Porém quanto mais vemos, menos certeza temos.”
Transformado em cobaia, em objeto de estudo, atormentado pelo seu passado de criança adotada, perseguido por homenzinhos e máquinas, impiedosamente atacado como King Kong, cientificamente incompreendido como o lobisomem, o Hulk do cinema diz com os olhos o que o dos quadrinhos brada aos quatro ventos: “Hulk está cansado de fugir!”.
(Texto de junho de 2003.)
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