Moana é uma menina que cresce com um peso nos ombros: é a filha do chefe e, por isso, tem que permanecer em sua ilha em vez de se aventurar além dos recifes, seu sonho desde criancinha. O pai controlador não quer saber de a filha bater asas e voar. Só que as coisas não andam bem no paradisíaco arquipélago: a pesca está fraca e uma estranha doença dizimou a produção de cocos. Reza a lenda que o semideus Maui roubou o coração da entidade Te Fiti, com isso, criando uma maldição que ameaça o ecossistema polinésio. Alma gêmea da avó Tala, Moana recebe da anciã uma revelação transformadora, e parte ao alto-mar com o objetivo de salvar a aldeia e a vida local.
O maior elogio que posso dar a Moana é também um testemunho de um pai que, admirado, se orgulhou do comportamento do filho de 4 anos durante a sessão. O irrequieto garoto foi envolvido pela história e deixou os pais e o irmão mais velho curtirem o filme, conhecendo aspectos enriquecedores de uma cultura distante, numa típica sessão especial para toda a família.
segunda-feira, janeiro 30, 2017
domingo, janeiro 29, 2017
Até o último homem
Desde Corações de ferro não se via uma carnificina
bélica tão acachapante quanto a mostrada em Até o último homem. O combate corpo
a corpo no ataque estadunidense às forças japonesas em Hacksaw Ridge, na
batalha de Okinawa, é reconstituído com proverbial crueza. Sangue jorrando,
membros decepados, entranhas à mostra. Uma profusão de sangue, intestinos e
tripas, soldados atingidos por cargas de artilharia, morteiros, metralhadoras,
fuzis, granadas, baionetas e lança-chamas.
Mas tanta violência não soa falsa nem gratuita: o modo como
o roteiro se transformou em imagens é um triunfo da direção cinematográfica,
com a assinatura de um ator que já participou de um dos mais contundentes
libelos contra a estupidez das guerras: Gallipoli, de Peter Weir.
Gibson foi dirigido duas vezes por Weir: também atuou em O ano que
vivemos em perigo, tetraestrelado (cotação máxima) pelo exigente crítico Roger Ebert.
E também três vezes por George Miller em Mad Max e suas
sequências. E nada menos que seis vezes por Richard Donner (os 4 filmes da franquia Máquina mortífera, mais Teoria da Conspiração e Maverick). Qual
a pertinência dessas informações aqui?
Sempre que um ator se lança e depois se firma como diretor,
é natural que se procurem suas principais influências. Mel Gibson, o diretor, mescla
a sensível delicadeza de Peter Weir, a objetividade palpitante de George Miller
e a prática leveza de Richard Donner.
Sua carreira atrás das câmeras resume-se a cinco filmes: O
homem sem face (1993), Coração valente (1995, filme que lhe valeu o Oscar de
Melhor Diretor), A paixão de Cristo (2002), Apocalypto (2006) e agora o filme
que pode dar o Oscar de Melhor Ator a Andrew Garfield.
O magricela que já encarnou o Homem-Aranha dá vida a um
soldado sui generis: Desmond Doss, que se alistou para servir como paramédico na
Segunda Guerra Mundial, mas negou-se peremptoriamente a tocar em armas. Sua
obstinação em ficar na infantaria apesar de todo o preconceito que sofreu por
conta disso é comovente. Essa parte do filme mostra o quanto as pessoas podem
ser incompreendidas, e, mesmo sendo voluntárias para ajudar, sofrer toda sorte
de injustiças. Paralelamente, serve para introduzir outros personagens, como o
sargento Howell (Vincent Vaughn, em atuação elogiável), o capitão Glover (Sam
Worthington) e uma penca de soldados do pelotão, entre os quais destaca-se o
exímio combatente Smitty Riker (Luke Bracey), que sente um misto de rivalidade
e desprezo por Desmond.
Outra história que corre paralela com essa é o romance de
Desmond com a encantadora enfermeira Teresa Palmer (Dorothy Schutte). Ela o
presenteia com uma pequena Bíblia e uma foto, um tesouro que Desmond leva para
o front. Sua fé em Deus e o amor pela namorada (depois esposa) lhe servem de
esteio para superar todos os percalços. Que não serão poucos.
Após o treinamento, os recrutas são enviados ao Japão, onde
vão participar do assalto à Escarpa Maeda, um amedrontador paredão de 105
metros de altura a ser escalado com a ajuda de uma rede de cordas. Lá no alto
encontra-se o cenário em que muitos homens perderão a vida, e outros se tornarão
heróis. Desmond Doss, desprezado durante o treinamento, chamado de covarde
pelos superiores, mostraria a sua fibra.
Após dois dias de investida, os americanos conseguem muitas baixas e poucos avanços. Súbito, uma nova horda de japoneses
surge enlouquecida da rede de túneis, bunkers e trincheiras. Eles vêm
alucinados, kamikazemente destemidos, para enfrentar uma tropa já cansada e com
moral baixo. O resultado é a inevitável retirada da infantaria dos EUA. Todos
que conseguem ficar em pé recuam e descem o famigerado paredão, para a
segurança da praia lá embaixo.
Todos, menos um: Desmond Doss.
Ele permanece sozinho no inferno e, um por um, começa o
espetacular resgate de dezenas de feridos.
terça-feira, janeiro 17, 2017
Silverado
Devagarinho, a câmera passeia focalizando um antigo fogão,
uma sela, um par de botas, um cinturão com coldre e pistola pendurado na cama,
uma pessoa dormindo.
Os primeiros 50 segundos de Silverado nos levam a crer que o
que nos espera é um daqueles faroestes de ritmo lento e sem pressa, onde a tensão
se intensifica paulatinamente, onde a ação vai demorar a acontecer.
Aproveite para tomar fôlego nesta despretensiosa sequência: nos
próximos empolgantes e trepidantes 129 minutos, poucos serão os momentos em que
você terá a oportunidade de respirar fundo.
Estamos falando de Lawrence Kasdan no auge de sua capacidade
criativa, ressuscitando um gênero que naquela época estava praticamente
abandonado. Junto com o irmão Mark, escreveu e produziu Silverado em 1985, o ano abençoado em que nasceu a mãe dos meus filhos.
Scott Glen é Emmett, o cara que estava descansando na
primeira cena (aquela pouco antes do primeiro e proverbial tiroteio). Um dos resultados
da refrega foi que Emmett ganhou um cavalo extra, um malhado marcado com dois
losangos.
Emmett é o fio condutor das ações de Silverado. E sossego
indubitavelmente é uma palavra que não consta no dicionário de Emmett. Mas o
seu itinerário inclui atravessar um terreno inóspito.
No caminho, Emmett salva um moribundo em macacão tipo
ceroula (ou seria uma ceroula tipo macacão?): Paden (Kevin Kline), um solitário pistoleiro que havia sido depenado
por um grupo de facínoras e abandonado para perecer no meio do deserto.
Isso que eu chamo de roteiro bem amarrado: é o tipo de
situação em que um cavalo extra faz toda a diferença!
Paden se recupera e acompanha Emmett até um pequeno povoado.
Ainda de ceroulas, avista o seu baio, montado por um dos ladrões.
Atabalhoadamente, entra numa loja de armas e compra o mais barato revólver da
loja e munição. Sai para a rua e, ato contínuo, o bandido vem cavalgando em sua
direção, abrindo fogo. Paden insere apenas uma bala no tambor. O seu oponente
vem descarregando furiosamente o seu colt. Se você pensa que vou contar o
desfecho da cena, está redondamente enganado.
Apenas aproveito a deixa para mencionar que é esse tipo de
situação que torna Silverado um excelente filme. A todo momento, o roteiro lhe
remete a um outro western clássico, mas sempre com um espaço para uma boa dose
de surpresas, de verossimilhança e de personagens bem construídos.
A dupla Emmett e Paden vai a Turley, onde conhecem o
destemido Mal Johnson (Danny Glover) é o filho pródigo que tenta voltar ao
rancho do pai. Também descobrem que Jake (Kevin Costner), irmão de Emmett, está
em maus lençóis: o xerife Langston (John Cleese) mandou erguer um patíbulo para
enforcá-lo às 10 da manhã no dia seguinte.
Como o leitor perspicazmente percebe, estamos falando de um
filme em que tudo que acontece é significativo, em que cada diálogo tem uma
mensagem, em que cada personagem tem seu grande momento. E as mulheres também.
Até nisso Silverado é “pós-moderno”: não existem
estereótipos femininos, as mulheres parecem de carne e osso. Desde a bartender
que reluta em servir Danny Glover (interpretada pela esposa do diretor), muitas
atrizes colaboram para dar a Silverado um quê de delicadeza.
Rosanna Arquette
como Hannah é o protótipo da bela e virtuosa fazendeira que desperta a cobiça
de vários homens. Lynn Whitfield, como a prostituta Rae, a irmã de Malaquias,
mostra que os laços de sangue valem mais do que tudo.
Mas quem rouba a cena é
Linda Hunt. Uma atriz cujo olhar diz tudo e mais um pouco. Você não está
entendendo o quanto esta mulher é boa atriz. Obrigado, Kasdan, por criar
Stella, a gerente do saloon que cria uma forte amizade com Paden. E a revisita
a Silverado já se justifica plenamente ao matarmos as saudades de Hunt, Oscar
de Atriz Coadjuvante por O ano que vivemos em perigo, de Peter Weir.
Mas não é apenas a forte camaradagem que une os quatro
heróis e a feminilidade à flor da pele nos saloons e carroças que tornam
Silverado um grande e consistente entretenimento. Não podemos esquecer deles:
os vilões!
Bryan Dennehy, como o xerife Cobb; Jeff
Goldblum, como Slick; Jeff Fahey como Tyree; e Ray Baker, como Ethan
McKendrick, sem falar nos inúmeros capangas e auxiliares, compõem uma
diversificada gama de vilões, do charmoso ao simpático, do asqueroso ao
maquiavélico, do cruel ao argumentativo. Tudo isso valoriza os originais e
inesperados confrontos, que aproveitam ao máximo as possibilidades do gênero.
Na hora da onça beber água, não se trata apenas
de força bruta. Em Silverado, sempre há um estratagema, um exercício das
células cinzentas, um plano que conduz as ações de Emmett e seus aliados.
Aqui, abro um parêntese para falar sobre
um dos membros do fantástico elenco.
Em retrospectiva, sob o prisma da história
recente do cinema, é impossível não correlacionar a influência do filme de
Kasdan sobre Kevin Costner. Na pele de Jake, teve aulas de manuseio de armas e
também se tornou um bom cavaleiro. Sorveu a experiência ao máximo e, de acordo
com o diretor do filme (vide making-of), fez sugestões importantes para
compor o personagem. É de Jake uma das cenas mais emblemáticas do filme, em que
o mocinho se posiciona numa esquina, concentra-se, saca os dois colts ao mesmo
tempo e...
Mas perdi o fio da meada, eu queria era
falar do fato histórico. Cinco anos depois de Silverado, chegou às telas Dança
com lobos, a estreia na direção de Kevin Costner, aos 35 anos de idade. O resto
desta história você já deve saber.
Fecha parêntese.
Também temos a clássica cena do duelo, com
as bolas de tumbleweed (sarça) rolando ao vento, atrás do Bryan Dennehy o
horizonte e o deserto, atrás do Kevin Kline, a rua principal de Silverado, com
a igreja branca ao fundo.
Silverado é um western de apuro técnico e
alma, feito por dois irmãos sobre laços de sangue (Emmett e Jake, Mal e Rae) e
amizades instantâneas (Paden e Stella). Um brinde aos bons faroestes!
quarta-feira, janeiro 11, 2017
Garimpo na biblioteca
GARIMPO
NA BIBLIOTECA
Henrique
Guerra
Bibliotecas assemelham-se a minas prontas a serem exploradas por ávidos leitores. De estante em estante, o olhar vai percorrendo as lombadas, peneirando os títulos, até perceber um brilho diferente, que talvez passasse despercebido a outros olhos, mas faz palpitar o intelecto: escolher um livro é uma espécie de garimpo.
Os critérios da escolha vão dos mais específicos até
os mais aleatórios. Um autor preferido, outro que desejamos conhecer, dicas
literárias de amigos, resenhas, crônicas, a arte da capa, o requinte da
diagramação, ou, simplesmente, uma curiosidade despertada...
Foi de curioso que pincei da estante Ugolino
e a perdiz, de Davi Arrigucci Jr., da Cosac Naify, 78 p. Belas
descrições do meio rural, a expectativa de um caçador para capturar a perdiz
mais arisca das redondezas, o linguajar que mescla o regional com o universal,
pitadas de humor (a inusitada história que gerou a autorização para caçar nas
terras do fazendeiro) compõem a noveleta escrita pelo crítico e professor de
Teoria Literária e Literatura Comparada na USP, indicada ao Prêmio Jabuti de
2004.
Também da Cosac Naify é A janela de esquina do meu primo,
de E. T. A. Hoffman, 77 p., traduzido por Maria Aparecida Barbosa. Na Berlim
dos anos 1820, de sua janela, um escritor acometido de uma doença degenerativa
convida o primo a observar a feira lá embaixo. A luneta e o bate-papo dos
primos revelam o fervilhar de circunstâncias num ambiente em que as mais intrigantes
personagens se relacionam. Hoffman, autor do conto fantástico O homem da areia, mostra argúcia na
análise de temas sociais.
Arguta observadora da alma humana, Emily Dickinson é
uma poetisa sui generis, dona de um
estilo incomparável. Cada poema de Emily traz uma densa e polissêmica carga
semântica. Poucas palavras, muitos e múltiplos significados. Nas 56 páginas de Um
livro de horas, a tradutora e
ilustradora Angela-Lago cria títulos para os poemas de Dickinson, numa
caprichada publicação da Editora Scipione. O leitor que aprecia edições
bilíngues pode comparar o original e a tradução e se encantar com a delicadeza
das ilustrações que venceram o Prêmio FNLIJ 2009 de Melhor Ilustração.
E que tal um mergulho na obra contemporânea de
Leonardo Brasiliense? Olhos de morcego e Adeus
conto de fadas constituem uma boa iniciação à prosa do premiado escritor
gaúcho. O primeiro é uma coletânea de contos que retratam personagens urbanos e
rurais, e a força do livro está justamente nessa interface entre pampa (vide O peão e Dona Mimosa, a parteira) e concreto (O beijo, Fugindo do amor).
O segundo, Prêmio Jabuti e Prêmio Açorianos, traz setenta e dois enigmáticos minicontos
sobre as dúvidas, angústias e descobertas da adolescência. Os dois livros são
da 7 Letras, o primeiro tem 112 páginas, e o segundo, 84.
Por fim, uma revisita a um autor que admiramos: Noites
lebloninas, de João Ubaldo Ribeiro (Alfaguara, 104 p.) nos coloca na
pele e na mente do narrador, porteiro baiano radicado no Leblon. As peripécias
cariocas vividas e contadas pelo porteiro são hilárias, e o leitor vai se
deleitar com as estratégias de que o saudoso Ubaldo lança mão para dar vida ao
personagem e verossimilhança à linguagem utilizada.
Uma biblioteca é um universo inteiro de histórias à
espera de serem lidas. Uma mina de pedras preciosas à espera de serem
garimpadas. Esquecidos nas prateleiras, os livros não cintilam. Os livros só se
tornam pepitas quando se encontram com os leitores. E é durante a leitura que os
leitores descobrem as múltiplas facetas e nuances da obra, e, súbito, com um
brilho no olhar, percebem que valeu a pena o garimpo.
quarta-feira, janeiro 04, 2017
Tripla chatura
Enquanto Triplo X Reativado, o retorno de Xander Cage não é lançado, que tal esquentar as turbinas relembrando as ambíguas sensações obtidas no primeiro e saudoso filme com o herói?
Fui ver Triplo X na melhor das intenções. O objetivo era conferir os pontos positivos do filme de Rob Cohen, se porventura eles existissem.
Fui ver Triplo X na melhor das intenções. O objetivo era conferir os pontos positivos do filme de Rob Cohen, se porventura eles existissem.
As baixas expectativas não me
auxiliaram. O herói Xander Cage é pachorrento, escrachado e acachapante; a
heroína Yelena (Asia Argento), excitante, luxuriante e sexy; mas o roteiro é xenófobo,
desapaixonado e sem êxtases.
Russos anarquistas conspiram planos
terroristas na República Tcheca. Os americanos não sabem mais em que agentes
confiarem. Xander Cage é produtor e ator de vídeos de esportes radicais,
recrutado pelo agente da NSA, o sabichão Augustus Eugene Gibbons (ninguém menos que o sempiterno Samuel L. Jackson) por meio de chantagem.
As cenas de ação pretendem-se de
tirar o fôlego. Realmente, se o espectador respirar apenas quando coisas verossímeis
acontecem na tela, morrerá asfixiado. Xander salta de pontes em carros
roubados, desafia a gravidade em uma moto, usa uma bandeja como skate, escapa de uma avalanche em um snowboarding, explode com tudo e com todos, tudo ao som
de uma trilha maneira, entendeu a parada?
Mais incrível que o conjunto de
patacoadas de Vin Diesel é a tentativa de comparar seu personagem com 007. A comparação é um triplo vexame.
Bond é chique. Xander é xucro. Bond é charmoso. Xander, xaroposo. Bond usa a
cachola. Xander, a cara de tacho.
A melhor frase do filme é “As coisas
que faço pelo meu país”, que Vin Diesel, em uma interpretação digna do Xander
Frota, murmura ao entrar no quarto e se deparar com uma muchacha em trajes
sumários, surgida do nada especialmente para passar a noite com ele.
O que nos dá mais saudade de Bond,
que precisava usar inteligência e classe para seduzir as (até a metade do
filme) difíceis espiãs.
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