terça-feira, março 19, 2019

Resenha de "Não vai cair no ENEM - uma peça"


Busquei no Google “Resenha de Não vai cair no ENEM - uma peça” e não encontrei nada além do boletim informativo sobre a peça.

Será que ninguém teve a coragem de escrevê-la? Afinal de contas, dá um certo frio na barriga “mexer” com uma pessoa sem papas na língua ferina e desbocada. Mesmo assim resolvi correr o risco e fazer uma utilidade pública.

“Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé”: eis a resenha da peça “Não vai cair no ENEM – uma peça”, autoria e encenação de Eduardo Bueno, vulgo “Peninha”.

Antes de mais nada, um esclarecimento. Escrevo-a na condição insólita de um colorado que se acostumou a ver o Peninha "chineliando" o meu time. Vou procurar, na medida do possível, sublimar e relevar as tantas e insistentes provocações do jornalista-historiador, que não se importa em correr o risco de limitar o seu público ao criar um personagem de uma gremistice tão notória quanto pernóstica.

Em segundo lugar, um outro parêntese para esclarecer o meu estado de espírito antes do espetáculo. O meu álibi era agradar minha esposa que adora História, é gremista (não lá muito praticante) e aprecia o Peninha como comunicador. Eu era puro ceticismo. Embora conhecesse o trabalho do Peninha em seus vídeos (ou talvez por isso mesmo), eu tinha lá minhas sérias dúvidas sobre os rumos da peça. Não é todo ator que sustenta “solo” a atenção de uma plateia por duas horas.



Mas eis que logo fica claro que Peninha é um showman. A sua silhueta esguia, seus cabelos e barba desgrenhados e sua descomunal altura se impõem diante da plateia com a ajuda de sua voz sui generis. Seu modo escrachado de apresentar as coisas estabelece um vínculo com até o mais cético dos espectadores.

Aos poucos, o meu receio de que a peça se tornasse árida vai se dissipando. Isso acontece menos pelo talento cênico de Peninha do que pela sua capacidade de contar histórias relevantes com pitadas de curiosidades e pelo seu ímpeto de fazer conexões esdrúxulas e mostrar por meio de detalhes bizarros como a História tem (e deve ter) múltiplas interpretações.

A coluna vertebral da peça se constrói em torno de 8 personagens principais: Luís de Camões, Pedro Álvares Cabral, Américo Vespúcio, Maurício de Nassau, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, D. Pedro II (?) e Marechal Deodoro da Fonseca.

À vontade no meio de uma plateia essencialmente gaúcha, e à medida que vai explorando as nuanças desses personagens, também menciona a importância de muitos outros, como Pero Vaz de Caminha e Domingos Jorge Velho, o bandeirante que liderou a expedição que desbaratou o Quilombo dos Palmares e matou Zumbi.

Falando em Zumbi, o momento em que Peninha encarna Ganga Zumba e gorgoleja estirado no palco tem grande poder teatralmente falando.

Farpas não faltam para muitos personagens (e revoluções) da História, e também para a concorrência. Peninha dá uma nos dedos da turma dos “Guias Politicamente Incorretos”. Acredito que isso seja uma maneira estranha de Peninha elogiá-los por conseguir também, ao modo deles, despertar o interesse de muita gente sobre o que há por trás das versões “oficiais” da história. Em essência, é o mesmo que Eduardo Bueno tenta fazer, embora a visão de Bueno seja mais “centrada”, para usar a expressão com a qual se descreve.

Falando nisso, essa habilidade de se desvencilhar de um viés maniqueísta é o mínimo que esperaríamos de um historiador digno desse título, e Peninha, embora defenda posições nítidas, mantém uma certa saudável ambiguidade filosófica que permite às minorias ideológicas presentes na plateia também acharem graça de alguns de seus ácidos comentários.

Por sinal, o palavreado de Peninha é um caso à parte. Com deboche e irreverência, a sua impetuosa verve cáustica destila um vocabulário digno de uma pessoa que lê muitos livros, mesclando palavras tipo “tonitruante” com o “baixo calão” de "m****”, “p****” etc.

Peninha vai suando em bicas (às vezes, o espectador chega a recear por uma síncope) e trocando de figurino para encarnar figuras já carimbadas (e outras nem tanto) de nossa História. Uma das partes mais significativas e que acrescentou para a minha “cultura” foi a preleção sobre o caminho do Peabiru, sobre o povo rico que morava nas montanhas e tinha muito ouro e muita prata. 



Às vezes, porém, algumas piadas improvisadas parecem “passar do ponto”. Isso acontece quando o nosso brilhante orador perde um pouco a noção de que nem tudo se presta a virar piada e que nem sempre é bom e aconselhável sair do “script” para se referir aos fatos da semana.

Ao fim e ao cabo, Peninha consegue o imponderável: dar uma divertida aula de História e incitar a curiosidade dos “alunos” a pesquisar e ler mais. Acredito que esse deve ter sido um de seus objetivos. Além, é claro, de ganhar uma graninha honesta e (bastante) suada para ver se consegue reembolsar o dinheiro que ele deve ao sogro.







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